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Animais de companhia

Congresso Montenegro: veterinária municipal apresenta projeto de captura de matilhas

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Liliana Sousa, veterinária da Câmara Municipal de Matosinhos e responsável pelo Centro de Recolha Oficial (CRO) desta cidade desde 2010, apresentou uma sessão na nova Sala One Health durante a última edição do Congresso Internacional Veterinário Montenegro, dia 21 de fevereiro, em Santa Maria da Feira. O tema foi “Animais errantes: um problema de saúde pública”, numa conversa com sala cheia, que levantou muitas questões sobre o que é realmente o bem-estar animal e como podem os médicos veterinários salvaguardar a saúde pública.

Assertiva, interpeladora e com muitas boas questões a colocar aos seus colegas. Foi sem surpresa que Liliana Sousa, médica veterinária municipal em Matosinhos, foi eleita como melhor oradora da nova Sala One Health, numa votação realizada através da app do evento – e que originou um empate com o colega grego, John Ikonomopoulos — durante a última edição do Congresso Montenegro.

Liliana Sousa

 

A responsável do CRO de Matosinhos começou por apresentar o cenário que se vive em Portugal, com a proibição do abate de animais para gestão populacional, grande número de animais abandonados e baixas taxas de adoção, quer nos CRO quer nas associações de proteção animal. “Por muito boas que sejam, nunca superam as de entrada de animais”, sublinhou a veterinária à plateia de congressistas.

Perante esta situação de “alojamento ilimitado e desregrado”, Liliana Sousa notou que existem consequências para os animais, como a competição pelo espaço e comida e o aumento de stresse e conflitos. “Qual é a lei a cumprir?”, questionou a profissional. “A obrigatoriedade da autarquia de recolha de animais da via pública ou o bem-estar animal?”

 

A resposta, disse, não é fácil: “Muitas vezes, também não sei responder. Todos os dias somos obrigados a recusar a recolha de animais no centro”, admitiu a veterinária municipal. Esta “ausência” de resposta provoca conflitos entre entidades, entre a classe, cria pressão social, tem impacto nas redes sociais e descredibiliza os CRO e os médicos veterinários municipais, conduzindo a desmotivação pessoal e profissional, explicou.

Hierarquizar as capturas
Como é que estes profissionais conseguem então realizar as suas funções? A veterinária garante que se trata de hierarquizar as situações, dando prioridade a animais agressores, animais agressivos e animais feridos, sendo estes últimos encaminhados para hospitais veterinários.

 

Contudo, a impossibilidade de recolher todos os animais errantes coloca problemas, como a formação de matilhas; ataques a bens, outras pessoas e animais; alteração do conceito de animais de companhia para as gerações futuras (que passam a ver os animais como agressivos, doentes ou propagadores de doenças); e, circularmente, o aumento do abandono de animais. “As pessoas sabem onde estão matilhas que são cuidadas e vão abandoná-los lá”, contou. Além disso, há ainda o risco de atração de pragas e roedores e de propagação de doenças (parasitas, vírus).

“Daí o problema de saúde pública: animais não vacinados, nem desparasitados, o que conduz ao aparecimento de zoonoses”, afirmou Liliana Sousa. “O que mais me preocupa é o ressurgimento de doenças indemnes, como a raiva (que não existe em Portugal desde 1960).”

 

A “mega-jaula” de Matosinhos
Perante este cenário, a veterinária municipal devolveu o problema aos seus colegas em sala: “Soluções? Ideias?”, interrogou, apresentando depois a solução que foi encontrada na câmara municipal para a qual trabalha. Em Matosinhos, à semelhança do que já é feito noutras autarquias, como a de Sintra, o município resolveu avançar com a captura de matilhas. Estas são sinalizadas e há uma articulação com os cuidadores da matilha, porque, como explicou Liliana Sousa, se os animais se encontram em determinado local, é porque lá encontram comida, logo, alguém os está a alimentar. A articulação prossegue ainda com as autoridades até à montagem da armadilha, que, no caso de Matosinhos, tem 150 metros quadrados.

Sala One Health cheia no Congresso Montenegro

Para capturar estes animais assilvestrados – cabem cerca de 10 a 11 cães na armadilha —, contou a veterinária, tudo tem de ser “devidamente orquestrado”. A estrutura conta com uma câmara de vigilância, que a veterinária controla por telemóvel, assim como a porta. “Os cuidadores avisam-nos que lhes vão dar comida, eles [os animais] entram, os cuidadores avisam-me e eu fecho a porta. Sim, mesmo à filme”, revelou a veterinária municipal durante a sessão.

Liliana Sousa sublinhou o carácter altamente sensível destas situações: houve uma cadela em Guifões que conseguiu fugir (com a população a ver), e o veterinário responsável pela operação tem geralmente de ser paciente, já que se a porta se fechar com os outros animais a ver o que se passa do lado de fora, estes “nunca mais lá entram”. Por isso, reforçou, “é importante saber quantos são e apanhá-los todos juntos”.

Em Matosinhos, depois de capturados nesta “mega-jaula”, os animais são levados para um parque ou “santuário” construído especialmente para eles, mas nem todos reúnem condições para serem adotados. “Isto é o mais importante, porque se não mostrarmos as instalações aos cuidadores, eles nunca nos vão ajudar a apanhá-los. Os animais tentam muitas vezes fugir, fazem buracos enormes. Apostem nas fundações e nos ‘pescoços de cavalo’ nas cercas [inclinação no topo da rede, o que dificulta a fuga]”, aconselhou Liliana Sousa.

Uma solução permanente?
A veterinária questionou ainda a precariedade desta opção: “Não é solução, mas é um caminho que temos de percorrer para ver se é solução ou não é […]. Esta situação de santuários, isto é um pouco um egoísmo de quem acha que o animal está ali e nada lhe acontece — isto é bem-estar animal? Estamos a falar de 250 metros quadrados. Eu facilmente encho estes parques todos. Vamos fazer outro parque?”

Para a profissional, a verdadeira solução passa pela “alteração de mentalidades, mudança de hábitos, reconhecimento do animal como ser senciente, envolvimento de toda a sociedade nesta evolução, consciencialização da raiz do problema, menor julgamento social e menor pressão entre classes e entidades”, defende. “Na Holanda, por exemplo, não há lei de proibição do abate — o futuro passa por outras coisas. A nossa lei só é exequível a médio-longo prazo.”

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