A pandemia Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, provoca uma consequência pandémica em que os efeitos colaterais na saúde são quase impossíveis de calcular. Além da análise do impacto direto da pandemia em si nos serviços de saúde, será também de equacionar se os pacientes de outras doenças graves ou crónicas, mais ou menos graves, estão a ser tratados segundo os protocolos estabelecidos. Será inevitável que haja falta de técnicos, de espaços apropriados e, claro, constrangimentos financeiros. Assim, além dos números já angustiantes da pandemia em si, podem bem aumentar a curto e a médio prazo, nomeadamente devido ao incremento das listas de espera, os pacientes em todos as especialidades. Ainda neste aspeto, há a referir o previsível aumento dos casos no domínio da saúde mental ou da violência doméstica.
Esta pandemia já começou em dezembro de 2019 e, talvez porque se tenham criado as condições ideais para tal, seja mesmo de encarar a saúde no mundo pela abordagem que há muito a OMS recomenda, que é a One Health [Uma Só Saúde]. A verdade é que o animal homem tem vindo cada vez mais a poluir, e cada vez mais a ocupar o habitat dos animais selvagens, o que leva a que a natureza por vezes se tenha de defender para poder continuar a ter um mundo habitável para todos. Uma das constatações é que nos dias de hoje a poluição baixou para níveis que já não são da nossa memória.
One Health pode ajudar a evitar futuras situações semelhantes, pois a mesma promove de forma concertada saúde ambiental, animal e humana. O Homem, com elevadas doses de egoísmo, gasta quase a totalidade dos recursos na promoção da saúde humana, mas tal não é suficiente para conseguir sequer boa saúde humana, senão veja-se a situação que vivemos com esta Covid-19.
A pandemia surge na região Wuhan, que muito tem de desenvolvimento, mas onde a One Health é uma miragem; assim sendo se pode afirmar que reúne todas condições tipo “barril de pólvora” para se poder espoletar esta pandemia. A saber, elevada densidade populacional, cultura e regras de higiene questionáveis, coabitação de mercado de animais vivos e carcaças de animais para consumo, debaixo de regras de salubridade duvidosas. Para bem da humanidade, este vírus até nem tem uma letalidade muito elevada, mas em contrapartida tem um potencial de contágio elevadíssimo.
Verifique-se que as doenças infeciosas emergentes humanas têm tido origem em outros animais para os quais os vírus são inócuos, mas por lhe darmos oportunidade, ele faz o salto interespécie, por mutações genéticas. Para a espécie atingida, neste caso a humana, o vírus é então desconhecido, o que vem causar então a doença. Cria-se aqui uma luta entre o vírus e o hospedeiro, em que principalmente os hospedeiros mais vulneráveis vão acabar por não resistir e padecer. Esta repetição vai progredindo à medida que o contágio vai evoluindo e, progressivamente, o hospedeiro vai resistindo até ao ponto de ganharmos imunidade natural, e ganharmos a batalha ao vírus pela chamada imunidade natural cruzada, que necessita que a maior parte da população tenha contacto com o mesmo.
Como este processo é longo e ceifa muitas vidas, o confinamento social e a quarentena são de importância vital para aplanar a curva de contágio, dando oportunidade ao SNS de tratar os que desenvolvem formas severas da virulência, esperando-se, entretanto, que a investigação científica e experiência médica vão conseguindo melhores princípios ativos e protocolos de tratamento. A vacina eficaz e segura será um projeto mais longo, pois obriga a muitos passos e fases de comprovação, para poder ser administrada de forma massiva e segura, e com elevado nível de proteção. A título de exemplo temos o coronavírus felino, e que fique claro que quando falamos de coronavírus estamos a falar de uma grande família, inclusive há outros coronavírus humanos. O primeiro de que vos falava é meu conhecido desde o início da minha carreira de médico veterinário, pelo que me preocupa há décadas. Este coronavírus felino existe então há décadas e contagia uma grande percentagem de gatos, mas só em alguns desenvolve uma forma letal da doença, vulgarmente designada peritonite infeciosa felina. É claro que, na medicina veterinária, o esforço e os meios de investigação não são comparáveis à medicina humana, mas os princípios ativos para o seu tratamento vão surgindo a conta-gotas, e nunca a comunidade científica conseguiu, até hoje, uma vacina eficaz.
Assim, na minha opinião, penso que temos de encarar esta pandemia de forma ponderada e com serenidade, pois o processo será longo. Estou certo de que venceremos esta pandemia, mas não esperem um milagre. Levará tempo e com esse tempo ir-se-ão implementando melhores formas de tratamento, a população mundial irá ganhando imunidade natural e até pode ser que nos surpreendam com uma vacina eficaz e segura, num espaço de tempo mais curto que o habitual.
Compreendo que não devemos gastar todos os recursos no imediato, pois o processo vai ser longo; assim, devemos todos contribuir para as medidas que as nossas autoridades de saúde nos recomendam, pois são estes que mais conhecimento têm para nos orientarmos. Devemos ser especialmente cuidadosos e redobrar mesmo as medidas para com os nossos congéneres mais idosos, portadores de doença crónica, e com os imunodeprimidos. As nossas autoridades, de acordo com a forma como a doença se instalou e foi sendo controlada, tomou as medidas corretas, tendo em conta que a população portuguesa tem dois milhões (20%) de cidadãos com mais de 65 anos; defendo, no entanto, que se poderia segmentar mais a população, protegendo e restringido, e ao mesmo tempo facilitando-lhe mais serviços, como por exemplo o de entrega de bens para evitar a sua exposição.
Devemos pedir aos mais jovens, nomeadamente aos universitários, que além de cumprirem as boas regras de isolamento social, ajudem o País a ser mais autossuficiente e até que possa vir a ser um país a ajudar outros onde o pico da pandemia venha a chegar mais tarde; temos de produzir material de proteção individual em Portugal, temos de ser capazes de produzir ventiladores em Portugal, que são um produto produzido de forma massificada desde os anos 50 do século passado; temos de produzir equipamento médico em Portugal, nomeadamente monitores multiparamétricos que monotorizam sinais vitais, entre outros; temos de investigar para contribuir no lançamento de novas moléculas — e porque não mesmo da vacina? Termos o nosso tecido jovem intelectual em casa, simplesmente confinado a receber aulas via Zoom, ou outras plataformas similares, parece-me demasiadamente pouco num País que nos últimos anos tem progredido tanto na qualificação universitária.
Acusa-se a China de no início ter escondido o aparecimento da doença, tendo então havido um “delay” de duas a três semanas, mas, na verdade, acho que, falhando eles muito nas condições que favorecem o aparecimento destas pragas, posteriormente foram leais e tentaram gerir a evolução da, na altura, epidemia da melhor forma, pois veja-se como o resto do mundo, mesmo depois de tudo o que já se sabia da experiência constatada na China, teve dificuldade em tomar medidas assertivas e no tempo certo. E está a ser uma constatação que muitos dirigentes mundiais tiveram de ver/ sentir para acreditar. E infelizmente outros nem isso!
Uma coisa é do meu ponto de vista verdade, a China vai sair reforçada desta crise, pois a sua determinação vai levar a que a capacidade de resposta seja musculada e efetiva, se necessário for trabalhando o dobro, não vão deixar de inundar o mundo de tudo aquilo que for desejado; material de segurança, ventiladores…. Vão continuar a ser “a fábrica do mundo”. Pessoalmente, gostava de ouvir que as nossas indústrias estão a produzir as máscaras, viseiras, ventiladores em Portugal, em vez de ouvir que pagámos 10 000 dólares e que temos 500 ventiladores em trânsito paulatino para Portugal.
Os cães devem e podem ir ao exterior com o seu tutor e sempre à trela, por forma a poderem exercitar-se um pouco e fazer suas necessidades. O tutor deve respeitar esta facilidade, condicionando o passeio ao mínimo possível, sempre com o seu animal à trela e sem esquecer o kit para apanhar e limpar a via pública dos dejetos do animal. É ainda preciso sublinhar que o animal habitualmente promove interação social, mas não estamos em tempo disso, pelo que devemos por tudo evitar qualquer tipo da mesma. Ao chegar a casa, o dono deve sempre lavar as patas do animal com solução saponificada (durante cerca de 30 seg.), pois os animais podem, tal como nós, ser transportadores do vírus. Não esquecer de mudar de calçado e lavar abundantemente as mãos.
Todas as regras de higiene devem ser respeitadas com o animal, nomeadamente a regularidade do banho (semanal), cuidar e lavar olhos, boca e ouvidos. É importante também ter os cuidados alimentares com o animal, manter a desparasitação interna e externa em dia, por forma a evitar situações de doença que obriguem a necessidade de sair de casa e ter de ir ao veterinário.
Se houver necessidade de ir ao veterinário, deve estabelecer contacto telefónico com o mesmo para verificar real necessidade de deslocação. Se for o caso dessa necessidade, toda a primeira parte da consulta deve ser realizada por via telefónica. Posteriormente e com hora marcada, deve então deslocar-se ao centro de atendimento respeitando as normas de distância. O seu animal deve então ser avaliado, se necessário os exames serão realizados e também o internamento. O tutor não deve permanecer nas instalações nem realizar visitas. No fundo, serão as normas das demais atividades, evitando ao máximo toda a interação presencial entre humanos, como por exemplo, evitar o pagamento do serviço em dinheiro.
Se tem mais de 65 anos ou pertence a algum grupo de risco, recomendo que se proteja mais e evite mesmo sair de casa, e no caso do seu animal precisar de ajuda médico-veterinária, por favor ligue para alguém da equipa da estrutura médico-veterinária para saber se podem ir buscar o seu animal, tratando-se de toda a comunicação por via telefónica ou outra.
Defendo que devemos dar o exemplo na promoção da solidariedade europeia, que é quase impercetível, se alguma se verifica. Esta é a oportunidade de a Europa se unir, mostrar que é um grande bloco unido e solidário. Acho que poderíamos, ao dia de hoje, ajudar os espanhóis no que concerne ao tratamento de pacientes críticos não contagiados, nomeadamente nos hospitais junto à fronteira — não temos capacidade para ajuda em grande escala, mas poderíamos acolher alguns. Cada vida é uma vida, e seria um exemplo para a Europa e para o mundo.
*Luís Montenegro é médico veterinário e diretor clínico do Hospital de Referência Veterinária Montenegro.