Na oncologia veterinária, uma preocupação constante prevalente entre os tutores de animais de companhia e alguns profissionais é se a idade deve ser um fator determinante ao considerar o tratamento do cancro nos cães e gatos. Esta hesitação resulta, muitas vezes, do receio sobre a tolerabilidade do tratamento e a qualidade de vida nos animais idosos. No entanto, os avanços na medicina humana e veterinária sugerem que a idade por si só não deve impedir a aplicação de tratamentos que podem potencialmente curar ou prolongar a vida com qualidade para os nossos companheiros animais. Assim, se compararmos com o que acontece em oncologia humana, podemos compreender melhor porque é que a idade não deve ser uma barreira inultrapassável na oncologia veterinária.
Os exemplos da Oncologia Humana
Na medicina humana, a idade tem sido historicamente vista como um potencial fator de risco para os efeitos adversos do tratamento do cancro. No entanto, uma pesquisa extensa demonstrou que os adultos mais velhos podem tolerar bem as terapias contra o cancro, desde que sejam cuidadosamente selecionadas e geridas. Por exemplo, estudos demonstraram que os pacientes mais velhos podem beneficiar da quimioterapia, radioterapia e até mesmo intervenções cirúrgicas tanto quanto os pacientes mais jovens, muitas vezes com resultados semelhantes em termos de sobrevivência e qualidade de vida.
Um estudo, entre vários, publicado na BMC Cancer1 revelou que o aumento da sobrevivência foi observado em pacientes idosos com cancro do pulmão que receberam tratamento sistémico, comparável aos resultados dos pacientes mais jovens. A análise destacou que a aceitação de terapêuticas mais avançadas, incluindo imunoterapia, aumentou significativamente entre os pacientes mais velhos, refletindo uma tendência de tratamento mais agressivo e eficaz mesmo em idade avançada.
Da mesma forma, uma revisão publicada na JAMA Network discutiu que avaliações geriátricas abrangentes (AGA’s) melhoram a gestão do tratamento do cancro em idosos, diminuindo os efeitos adversos e melhorando os resultados clínicos. Essas avaliações ajudam a adaptar os planos de tratamento às necessidades individuais dos pacientes mais velhos, enfatizando a importância de uma abordagem personalizada.2
Na oncologia veterinária, esses princípios também são aplicáveis. Estudos têm demonstrado que cães e gatos idosos podem tolerar tratamentos oncológicos e beneficiar significativamente, desde que sejam avaliados e geridos de forma adequada. A idade não deve ser uma barreira para tratamentos que podem prolongar e melhorar a qualidade de vida dos animais de companhia. Assim como na oncologia humana, uma abordagem personalizada e holística é essencial para proporcionar os melhores cuidados possíveis aos animais idosos.
O campo da oncologia geriátrica cresceu significativamente, enfatizando a necessidade de avaliar o estado funcional, comorbidades e saúde geral dos pacientes idosos, em vez de se basear apenas na idade cronológica. Ferramentas como avaliações geriátricas abrangentes (AGAs) foram desenvolvidas para adaptar os planos de tratamento do cancro às necessidades individuais, garantindo que os idosos recebam cuidados apropriados, eficazes e personalizados. Estas avaliações consideram fatores como o funcionamento físico, cognição, estado nutricional e apoio social, que são críticos para prever a tolerância ao tratamento e os resultados.2
Aspetos comparativos para cães e gatos
De forma semelhante, na oncologia veterinária, o conceito de idade como contraindicação isolada é cada vez menos consensual.
Cães e gatos, tal como os seus homólogos humanos, estão a viver mais devido aos avanços nos cuidados veterinários, nutrição e gestão geral da sua saúde. À medida que a população de animais de companhia envelhece, a incidência de cancro aumenta naturalmente, tornando imperativo reavaliar a nossa abordagem para tratar o cancro em animais mais velhos.
Vários estudos na oncologia veterinária mostraram que os animais de companhia mais velhos podem tolerar bem os tratamentos contra o cancro e obter benefícios significativos em termos de sobrevivência e qualidade de vida. Por exemplo, cães mais velhos com linfoma3 têm respondido favoravelmente à quimioterapia, com efeitos secundários controláveis. Isto não acontece só para o linfoma, no dia-a-dia, se a terapêutica for personalizada os animais idosos respondem, recuperam e têm uma qualidade de vida, idêntica a um animal jovem.
Considerações para o tratamento
Ao considerar o tratamento do cancro em animais idosos, é essencial adotar uma abordagem holística semelhante à da oncologia geriátrica humana. Isto envolve avaliar a saúde geral do animal, incluindo a presença de comorbilidades, mobilidade e expectativas do tutor. Uma avaliação completa permite a personalização dos planos de tratamento, garantindo que sejam tanto eficazes quanto bem tolerados.
O uso de diagnósticos e tratamentos minimamente invasivos, terapias direcionadas e medidas personalizadas de cuidados de suporte também podem melhorar a experiência de tratamento para animais mais velhos. Por exemplo, técnicas avançadas de imagem podem fornecer informações detalhadas sobre o tumor sem sujeitar o animal a procedimentos extensivos. De igual forma, terapias direcionadas, a radioterapia, a radiologia de intervenção e a imunoterapia, que têm menos efeitos secundários sistémicos em comparação com a quimioterapia tradicional, estão a tornar-se mais disponíveis e podem ser particularmente benéficas para animais mais velhos, tal como para as pessoas.2
Qualidade de vida
Uma preocupação primária no tratamento do cancro em animais é manter ou melhorar a sua qualidade de vida. Os oncologistas veterinários devem equilibrar os potenciais benefícios do tratamento contra os riscos de efeitos adversos. As opções de cuidados paliativos, focando-se no controle da dor, nutrição e hidratação e dos sintomas associados à doença e às comorbilidades, são também componentes vitais dos cuidados do cancro para animais mais velhos, garantindo que eles permaneçam confortáveis durante todo o seu percurso de tratamento.
Conclusão
Em conclusão, a idade não deve ser uma contraindicação automática para o tratamento do cancro em cães e gatos. Tirando partido da vasta experiência na oncologia humana, é claro que com uma avaliação cuidadosa e planos de tratamento individualizados, os animais de estimação mais velhos podem beneficiar significativamente das terapias contra o cancro. À medida que a oncologia veterinária continua a evoluir, é crucial adotar uma abordagem abrangente que considere as necessidades únicas dos animais de estimação idosos, proporcionando-lhes assim os melhores cuidados possíveis e qualidade de vida.
Bibliografia:
- Leung, B., Shokoohi, A., Al-Hashami, Z. et al.Improved uptake and survival with systemic treatments for metastatic non-small cell lung cancer: younger versus older adults. BMC Cancer 23, 360 (2023). https://doi.org/10.1186/s12885-023-10800-x
- JAMA Oncol. 2023;9(11):1592. doi:10.1001/jamaoncol.2023.3329
- Presley, C.J., Krok-Schoen, J.L., Wall, S.A. et al.Implementing a multidisciplinary approach for older adults with Cancer: geriatric oncology in practice. BMC Geriatr 20, 231 (2020). https://doi.org/10.1186/s12877-020-01625-5
- Moore, A. S., & Frimberger, A. E. (2018). Usefulness of chemotherapy for the treatment of very elderly dogs with multicentric lymphoma. Journal of the American Veterinary Medical Association, 252(7), 852-859. Retrieved Jun 27, 2024, from https://doi.org/10.2460/javma.252.7.852
*Médico veterinário, oncovet@gmail.com