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Prognóstico em oncologia veterinária: Uma palavra que pode matar!

Oncologia Veterinária: mais esperança e casos de sucesso iStock

A comunicação de um prognóstico em medicina veterinária pode ser a sentença de um fim de vida imediato ou a decisão do tutor não investir no tratamento mais adequado e que pode prolongar, com qualidade, a vida do seu animal.

Quando se exerce Oncologia, a determinação prognóstica é fundamental, condicionando a razão do porquê, do quando e como tratar!

 

Torna-se assim, imprescindível, que tenhamos conhecimento de como é determinado o prognóstico em oncologia veterinária, o seu grau de evidência e quais os principais fatores que entram nesta avaliação.

Esta informação permitirá uma comunicação mais eficaz com os tutores e, na maioria dos casos, o envolvimento e compliance do tutor no tratamento do seu animal. Não menos importante, permitirá escolher a melhor terapêutica, para cada caso, com base na evidência disponível.

 

As estimativas prognósticas baseadas só na experiência clínica do médico são imprecisas e tendem a ser pessimistas, levando a decisões médicas erradas que podem terminar com a morte precoce do animal.

A VETERINÁRIA ATUAL entrevistou o especialista em oncologia veterinária, Joaquim Henriques, sobre mastocitomas.

Joaquim Henriques | Direitos Reservados

É, infelizmente, ainda comum que, para um animal com um tumor, não seja aconselhada a avaliação por um oncologista, pois normalmente são doentes de idade avançada e “não vale a pena “que o animal passe por isso para viver tão pouco”. A verdade é que ninguém põe em questão tratar um animal que é diagnosticado com síndrome de Cushing ou doença renal crónica; para os doentes oncológicos nem sempre é assim, contudo, a esperança média de vida é, para vários cancros, igual ou superior do que para a doença renal crónica1 ou hiperadrenocorticismo2.

 

É, assim, recomendável que, após um diagnóstico de um tumor, antes de definir um plano terapêutico e um prognóstico, exista um oncologista, ou outro colega com formação sólida na área, que possa discutir com os tutores o diagnóstico, orientar o estadiamento, e elaborar o melhor plano terapêutico para o animal. Este apoio, para os CAMV que não dispõem de oncologista, pode ser realizado através dos serviços de Telemedicina.

Na medicina humana, o prognóstico para uma determinada doença oncológica é calculado com base em estudos multicêntricos, com centenas ou milhares de indivíduos, cujo diagnóstico, estadiamento e tratamento são realizados de forma homogénea, baseados em guidelines internacionais, obtendo-se assim dados sólidos de resposta clínica e sobrevida para a população de doentes estudada.

 

Em medicina veterinária, em quase todas as áreas de estudo (a Oncologia não é exceção), os estudos são realizados com populações pequenas (raramente ultrapassando os 50 animais), na maioria heterogéneas, quer nas metodologias de diagnóstico, estadiamento e, também, na terapêutica.

Vejamos um exemplo: numa revisão sistemática do European Canine Lymphoma Network em 20163 onde foram analisados os artigos científicos publicados sobre linfoma no cão entre 1999-2014 conclui que 87% dos artigos publicados eram prospetivos não randomizados ou retrospetivos. 71% destes estudos foram realizados incluindo no mesmo estudo diferentes tipos de linfoma, só 42% dos estudos descreviam um estadiamento completo dos animais e 65% dos estudos avaliavam a resposta à terapêutica de forma subjetiva. Neste trabalho foi também demonstrado que a ausência de uma avaliação diagnóstica precisa durante o estadiamento inicial e final pode ser um dos fatores de confusão que conduz a resultados controversos e a diferentes taxas de sucesso do tratamento anti tumoral nos diferentes estudos. Os autores concluíram não ser possível determinar com precisão qual dos protocolos de tratamento publicados beneficiará, realmente, os cães com linfoma.

Felizmente, nos últimos anos começam a aparecer estudos mais sólidos, com populações homogéneas e critérios de inclusão e exclusão mais restritos, aumentando a fiabilidade dos resultados.

Todavia, não é só o desenho do estudo a ter um impacto importante nos resultados. A definição e validação dos designados “end-points”, assim como dos fatores prognósticos a determinar são cruciais na validação dos resultados. Alguns estudos descrevem a sobrevida total, outros a sobrevida especifica associada ao tumor, outros o tempo livre de doença, entre outros, seja em dias, meses ou, raramente, semanas. Esta falta de normalização dificulta a avaliação e a comparação dos estudos e dificultam a aplicabilidade destes resultados na realidade clínica. Para ultrapassar esta questão, o Comité de Oncologia do Colégio Americano de Patologistas Veterinários organizou uma iniciativa para estabelecer diretrizes para a realização e comunicação de estudos de prognóstico em oncologia veterinária.4 O objetivo desta iniciativa é aumentar a qualidade e a normalização dos estudos de prognóstico veterinário para facilitar a avaliação independente, a validação, a comparação e a implementação dos resultados dos estudos.

Em jeito de conclusão, no domínio da oncologia veterinária, compreender os fatores prognósticos é fundamental para orientar decisões terapêuticas. Embora existam semelhanças entre  a oncologia humana e veterinária, os aspectos únicos de cada espécie exigem uma abordagem especializada. A pesquisa contínua sobre novos marcadores prognósticos e modalidades de tratamento continua a melhorar a nossa capacidade de prever resultados e aprimorar a qualidade de vida dos nossos companheiros afetados de cancro.

Referências bibliográficas:

  1. Rudinsky AJ, Harjes LM, Byron J, Chew DJ, Toribio RE, Langston C, Parker VJ. Factors associated with survival in dogs with chronic kidney disease. J Vet Intern Med. 2018 Nov;32(6):1977-1982. doi: 10.1111/jvim.15322. Epub 2018 Oct 16. PMID: 30325060; PMCID: PMC6271312.
  2. Schofield I, Brodbelt DC, Wilson ARL, Niessen S, Church D, O’Neill D. Survival analysis of 219 dogs with hyperadrenocorticism attending primary care practice in England. Vet Rec. 2020 Mar 21;186(11):348. doi: 10.1136/vr.105159. Epub 2019 Sep 20. PMID: 31542726; PMCID: PMC7146928.
  3. Marconato, L., Polton, G.A., Sabattini, S., Dacasto, M., Garden, O.A., Grant, I., Hendrickx, T., Henriques, J., Lubas, G., Morello, E., Stefanello, D., Comazzi, S. and (2017), Conformity and controversies in the diagnosis, staging and follow-up evaluation of canine nodal lymphoma: a systematic review of the last 15 years of published literature. Vet Comp Oncol, 15: 1029-1040. https://doi.org/10.1111/vco.12244
  4. Webster JD, Dennis MM, Dervisis N, Heller J, Bacon NJ, Bergman PJ, Bienzle D, Cassali G, Castagnaro M, Cullen J, Esplin DG, Peña L, Goldschmidt MH, Hahn KA, Henry CJ, Hellmén E, Kamstock D, Kirpensteijn J, Kitchell BE, Amorim RL, Lenz SD, Lipscomb TP, McEntee M, McGill LD, McKnight CA, McManus PM, Moore AS, Moore PF, Moroff SD, Nakayama H, Northrup NC, Sarli G, Scase T, Sorenmo K, Schulman FY, Shoieb AM, Smedley RC, Spangler WL, Teske E, Thamm DH, Valli VE, Vernau W, von Euler H, Withrow SJ, Weisbrode SE, Yager J, Kiupel M; American College of Veterinary Pathologists’ Oncology Committee. Recommended guidelines for the conduct and evaluation of prognostic studies in veterinary oncology. Vet Pathol. 2011 Jan;48(1):7-18. doi: 10.1177/0300985810377187. Epub 2010 Jul 27. PMID: 20664014.

De forma geral, os fatores de prognóstico mais utilizados em Oncologia veterinária são:

  1. Tipo e Estadio do Tumor:
    • Tanto em oncologia humana como em veterinária, o tipo e o estadio do cancro têm um impacto significativo na sobrevivência. Diferentes cancros exibem taxas diferentes de progressão e resposta ao tratamento;
  2. Grau Histológico:
    • A classificação histológica, avaliando a agressividade das células tumorais, desempenha um papel fundamental na prognóstico. Tumores bem diferenciados tendem a ter um prognóstico mais favorável em comparação com os menos diferenciados;
  1. Resposta ao Tratamento:
    • A resposta à terapêutica, seja ela cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, é um fator crucial para o sucesso terapêutico. É importante o médico veterinário estar familiarizado com as terapêuticas disponíveis e a resposta de cada tumor;
  1. Marcadores Imunohistoquímicos ou moleculares:
  • Marcadores imunohistoquímicos, que avaliam a expressão de proteínas específicas nas células tumorais, emergiram como indicadores prognósticos cruciais. São disso exemplo o estudo da expressão de c-Kit ou contagem de ki67 nos mastocitomas.

 

*Médico veterinário, oncovet@gmail.com

**Artigo de opinião publicado na edição 178, de janeiro, da VETERINÁRIA ATUAL

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