Em novembro passado, Miguel Nunes de Almeida foi eleito presidente da direção do Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários (SNMV). Na primeira entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, o dirigente, que desempenha funções de autoridade sanitária veterinária no concelho de Almada, falou das prioridades para o triénio 2025-2027, entre as quais destacou iniciar a negociação da contratação coletiva e da criação da carreira de médico veterinário oficial na função pública. Na perspetiva do dirigente, serão dois instrumentos fundamentais para regular a profissão e melhorar as condições salariais dos médicos veterinários.
Na preparação desta entrevista, foi notória a existência de um problema: elencar todas as problemáticas que afetam a classe médica veterinária. A lista é extensa e tem vários enquadramentos. Na perspetiva da nova direção do SNMV, qual é a temática que vos parece mais urgente e deve ser tratada como prioridade?
No nosso programa temos várias medidas que queremos implementar no sentido de criar melhores condições de trabalho para os nossos associados e para os colegas em geral. Enquanto sindicato, consideramos que o grande problema é aumentar o trabalho, não só em quantidade, mas também na qualidade do trabalho. Não pode ser só aumentar [as perspetivas de trabalho], mas depois os colegas andarem a receber 500 euros por mês, ou o salário mínimo. Portanto, aumentar e melhorar o emprego é a nossa prioridade.
Temos várias medidas pensadas para tentar reverter a situação que vivemos neste momento. O país é muito heterogéneo em termos de emprego e de condições laborais para os médicos veterinários, porque existem muitas diferenças entre trabalhar numa grande cidade ou no interior do país.
Também estamos a assistir a uma nova fase [no mercado de trabalho]. Tivemos uma fase em que, de facto, com tantas faculdades [de medicina veterinária], tínhamos muitos médicos veterinários e não podíamos ter emprego para todos. Quando havia emprego, os salários não eram aqueles que os colegas queriam, porque não havia dinheiro para pagar a todos.
Neste momento, muitos colegas, sobretudo os mais novos, estão a optar por ir para o estrangeiro e isso, claro, preocupa-nos, até porque há universidades que já têm o curso de medicina veterinária lecionado em inglês e isso não é nem mais, nem menos do que estar a formar colegas para irem para o estrangeiro.
Comecemos, então, pelo tema dos cursos universitários e pelo falado excesso de formação de médicos veterinários. Existem quatro faculdades públicas e quatro faculdades privadas e, efetivamente, em alguns estabelecimentos de ensino privados a formação é feita em inglês, porque recebem também muitos formandos estrangeiros. Por ano, são formados em Portugal cerca de 600 médicos veterinários para, segundo os números que a VETERINÁRIA ATUAL publicou, trabalharem nas cerca de 1350 clínicas e hospitais nacionais. Foi este rácio que alterou o mercado laboral da classe nos últimos 20 anos e fez da emigração veterinária e do desemprego uma preocupação para o SNMV?
Relativamente aos cursos que temos agora, a grande diferença para a altura em que tirei o meu curso, há 20 e tal anos, é o facto de os colegas saírem da universidade completamente direcionados para a clínica de pequenos animais. Há muito poucos com a possibilidade de estagiar noutras áreas, porque os professores que orientam os estágios nem sequer conhecem outros ambientes de trabalho onde eles podem estagiar. Isto representa uma grande dificuldade porque nalgumas áreas vamos sendo substituídos por outras profissões. Recebo estagiários e noto perfeitamente esta situação por trabalhar mais na área da saúde pública veterinária, da higiene e segurança alimentar. Os jovens vêm ter comigo e dizem “eu tirei o curso, mas não quero clínica e não sei, porque os meus professores também não sabem, o que posso fazer mais”.
As universidades, neste momento, direcionam os miúdos para a clínica de pequenos animais, achando que ainda é o que o mercado pede, mas o facto é que está a deixar de ser. Temos colegas que, querendo fazer clínica de pequenos animais, como o mercado está saturado, o que fazem é emigrar.
E esse número de clínicas veterinárias de que fala também faz o seguinte: como a concorrência é muita, descem preços e quando uma clínica tem poucos lucros, não consegue pagar aos médicos veterinários como devia.
Depois, há cada vez mais clínicas e hospitais em que é preciso fazer noites e ninguém gosta de fazer noites, porque também não são remuneradas como deve ser.
Os colegas acabam por tentar sair dessas situações. Há profissionais que estão em clínicas há muitos anos e que, de um momento para o outro, dizem que não querem mais e vão fazer um mestrado em segurança alimentar, que estão cheios de clínicos que querem dar outro rumo à vida deles. Porque, de facto, a clínica veterinária de pequenos animais, e qualquer área de clínica, é muito desgastante. É uma área muito técnica e de contacto muito direto com o cliente, o que desgasta muito. Todavia, depois temos colegas a querer contratar e a não conseguirem.
“A nossa ideia é que existam acordos coletivos de trabalho para tornar mais justo, em termos de vencimento e de direitos laborais, o trabalho dos colegas.”
De facto, nas reportagens e entrevistas publicadas na VETERINÁRIA ATUAL a queixa é frequente: os centros de atendimento medico veterinários (CAMV) e os hospitais querem contratar e não aparecem profissionais…
Claro, porque agora os colegas mais novos têm expectativas relativamente ao vencimento. O curso de medicina veterinária é um mestrado integrado, são cinco anos muito desgastantes, que não são fáceis, e eles querem chegar ao fim da formação e ter um salário digno.
Há poucos CAMV neste momento que conseguem ter uma equipa à medida das necessidades e bem remunerada, porque é muito difícil. A concorrência não lhes permite fazer preços que deem para pagar bons salários. No caso dos hospitais, por estarem abertos 24 horas, têm os turnos e as horas extraordinárias e até tenho conhecimento de uma colega que tem um hospital e é ela que está de serviço à noite, para não pagar as noites e também porque ninguém quer fazer noites. Ainda temos muito a ideia de a medicina veterinária ser um trabalho de segunda a sexta, das nove às cinco.
O mercado também trouxe essa mudança de paradigma laboral, ou seja, a medicina veterinária está cada vez mais a copiar o modo de funcionamento da medicina humana, com hospitais de grande dimensão, a funcionar 24 horas por dia. Os cursos de medicina veterinária não se adaptaram nem preparam os profissionais para esta nova realidade?
Sim, há essa aproximação, mas a remuneração dos médicos é diferente da remuneração dos médicos veterinários. Até porque, na medicina humana são grandes empresas, sejam grandes hospitais públicos ou privados, que têm contratos coletivos de trabalho, o que não existe na nossa profissão.
Na medicina veterinária é muito arbitrário, cada colega que tem uma clínica – ou pessoa que tem uma clínica, porque não precisa ser um médico veterinário – oferece o que lhe apetece de salário e a pessoa quer, ou não quer. Há muitos colegas que, não tendo mais nada, trabalham pelo ordenado mínimo, mas, desta forma, as clínicas não conseguem segurar ninguém durante muito tempo e esses colegas à primeira oportunidade saem, o que resulta numa taxa de rotatividade enorme ao setor.
É por isso que ouvimos cada vez mais histórias de colegas recém-licenciados que estão em Inglaterra a trabalhar 10 dias por mês, só a fazer noites. Vivem no hospital, não têm gastos, ganham um ordenado que equivale a seis meses de vencimento em Portugal e depois os outros 20 dias nem precisam trabalhar.
É claro que a clínica em Inglaterra é completamente diferente porque há muitos seguros para animais de companhia – que em Portugal estão apenas a dar os primeiros passos – e as pessoas lá não têm problemas em pagar muito dinheiro pelo tratamento dos seus animais, o que dá para pagar muito bem aos médicos veterinários.
Temos, de facto, colegas a irem para a Alemanha, para a França e para outros países, onde o custo de vida é mais alto, mas os ordenados são muito bons, não têm nada a ver com Portugal. Por cá, os colegas que querem criar uma família não conseguem, porque com o ordenado de um médico veterinário não se consegue alugar uma casa, não se consegue ter filhos e pagar, se for preciso, escolas, porque os salários são mesmo muito baixos.
Contratos de trabalho, horários, falhas nos pagamentos no topo das queixas ao SNMV
A matéria salarial é apenas um dos elementos do contrato coletivo de trabalho que o sindicato defende para a classe médico-veterinária. Quais são as ideias do SNMV para as negociações desse documento legal?
Nós sozinhos não conseguimos [negociar], temos de nos associar a outras instituições da área, à Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) e também a outras associações de médicos veterinários, para conseguirmos levar isto para a frente.
A nossa ideia é que existam acordos coletivos de trabalho para tornar mais justo, em termos de vencimento e de direitos laborais, o trabalho dos colegas. Mas precisamos de interlocutor [para negociar] e, até este momento, não temos tido.
“Paralelamente à carreira de inspeção veterinária, que é uma coisa diferente, muito técnica, a carreira de médico veterinário oficial é uma das nossas prioridades.”
Já existe a Associação Nacional de Empresários Veterinários…
É uma associação com quem temos de falar para mediar e discutir acordos coletivos de trabalho, porque não podemos ter como interlocutor o dono de uma clínica, que são milhares [pelo País].
Seria, de facto, importante falar com uma organização patronal que nos possibilitasse ter um ou dois interlocutores, no máximo, para conseguirmos fazer um modelo de acordo coletivo de trabalho que, depois, fosse replicado pelas empresas que têm clínicas veterinárias.
E o que é necessário melhorar nas condições de trabalho? Nos encontros de médicos veterinários ouvimos algumas queixas, mas o que é que os médicos veterinários vos pedem para assegurar quando essa negociação acontecer?
Temos colegas a pedir-nos ajuda, principalmente, com os contratos de trabalho, com a rescisão de contratos de trabalho e com a falta de pagamento, por exemplo, de horas extraordinárias.
Por exemplo, recebem queixas de médicos veterinários que ficam com o telefone das urgências durante a noite, mas a clínica só paga essas horas se o telefone tocar com um caso urgente …
Sim e com um contrato coletivo de trabalho isso [das horas extraordinárias] teria de estar escrito e nunca se passaria dessa forma, porque a pessoa que tem o telefone [das urgências], que pode ou não tocar, está condicionada. É um fim de semana que, por exemplo, não pode ir para o Algarve ou visitar a família ao norte, porque pode ter de ir trabalhar.
Portanto, isso é impensável acontecer quando existir um contrato coletivo de trabalho. É claro que a pessoa tem de ser remunerada, existindo ou não existindo trabalho, quando está de serviço de urgência.
Para além dos vencimentos, também nos aparecem questões sobre os horários, as noites, de turnos, porque afinal nada está escrito, é tudo muito subjetivo, tudo feito “de boca”. Depois, se, por alguma razão não houver pagamento, os colegas não têm como reclamar.
E também pode não estar no contrato individual de trabalho…
Exatamente. Por isso, achamos que os contratos coletivos de trabalho são uma mais-valia em termos do que neste momento são as condições laborais dos colegas. Não só condições salariais, mas também de horários e de benefícios porque é muito heterogéneo o cenário no país.
Na realidade, os médicos veterinários, a não ser que façam formação pós-graduada, também acabam por não ter muitas ferramentas de gestão. A falta de conhecimento de matérias legais por parte das entidades patronais também acaba por dificultar toda a componente contratual atual dos profissionais?
Relativamente à formação dos colegas em áreas que não são técnicas, o sindicato tem agora uma sala que queremos transformar num centro de formação. Já temos dois trabalhadores nossos que estão a ter formação – não só formação de formadores, mas também de certificação da formação – e queremos certificar o sindicato como entidade formativa junto da Direção-geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT).
Queremos fazer formação aos nossos associados, e a colegas que não são associados também, sobre áreas não técnicas da medicina veterinária, mais viradas para a legislação laboral, para a higiene e segurança no trabalho, que nós até achamos que deviam vir da universidade, porque gerir uma clínica não implica só a gestão técnica, há muito mais do que isso.
Sobre as questões da legislação laboral, também estamos a fazer um esforço para que não exista um estudante de medicina veterinária que acabe o curso sem ter ouvido falar dos seus direitos e dos seus deveres como trabalhador. Já fizemos em cinco universidades – numa delas fazemos anualmente, penso que a alunos do quinto ano – uma aula [sobre esses temas] integrada numa cadeira do curso, mas queríamos fazer isto em todas as universidades.
“Era muito importante que os colegas, quando saem da universidade, soubessem o que é que os espera no mundo do trabalho, porque neste momento não fazem a mínima ideia”
Criação da carreira de médico veterinário oficial “é uma das nossas prioridades”
Já abordámos a vertente privada da profissão. Na vertente do trabalho para o Estado, o médico veterinário continua a ser um técnico superior licenciado em medicina veterinária, que não tem uma carreira especial na função pública. Para esta direção, a criação da carreira de médico veterinário é uma prioridade?
Estivemos no último congresso da OMV, em Évora, que foi um encontro sobre a carreira de médico veterinário, e num painel para falar sobre a carreira de inspeção veterinária – um diploma que já foi publicado há seis anos, mas que ainda não há ninguém incluído nessa carreira – revelámos que estamos muito atentos. Houve um concurso, agora está a formação a decorrer e estamos muito atentos, porque há médicos veterinários que fazem inspeção há muitos anos e continuam a não estar integrados nessa carreira, são apenas técnicos superiores da DGAV [Direção-Geral de Alimentação e Veterinária].
Nesse congresso, também chamámos a atenção para a necessidade de criar uma carreira de médico veterinário oficial, que representará a autoridade veterinária em termos de saúde e bem-estar animal e em termos de higiene e segurança alimentar. Não na inspeção propriamente dita, porque a inspeção é muito específica.
Por exemplo, atualmente, os médicos veterinários municipais – que dependem funcionalmente da DGAV, que lhes paga 40% do ordenado, como é o meu caso –não têm nenhuma diferença de um técnico superior. O que queremos para esses médicos veterinários que trabalham na DGAV, no INIAV [Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária], nas autarquias e noutros institutos públicos a executar controlos oficiais de animais de companhia, de higiene e segurança alimentar, controlos de estabelecimentos, é que estejam integrados numa carreira especial de médico veterinário oficial.
Neste momento, temos colegas que todos os dias estão a fazer controlo de estabelecimentos – sejam estabelecimentos a retalho, estabelecimentos industriais, comércio de vários tipos, navios de fábrica, indústria, alojamentos para animais – a fazer toda essa fiscalização em nome do Estado e não têm diferenciação nenhuma de quem está numa secretária. Não há nenhuma distinção, nem um simples subsídio de risco, mas os colegas que fazem controlo oficial têm de tomar decisões na hora – porque a maior parte das decisões no âmbito de saúde pública são tomadas no imediato, não costumam agradar aos operadores comerciais – e essa pessoa não é reconhecida, nem valorizada por isso. Como técnicos superiores, estão 10 anos para passar da primeira posição remuneratória, que são 1300€ por mês, levam 1000€ limpos para casa, e têm um sentimento de injustiça por estarem a representar o Estado, mas não lhes ser reconhecida uma carreira especial em relação a outros colegas que não têm essas competências.
Nessa medida, paralelamente à carreira de inspeção veterinária, que é uma coisa diferente, muito técnica, a carreira de médico veterinário oficial é uma das nossas prioridades.
O momento político não ajuda, estão sem interlocutor governamental para negociar…
Neste momento, estamos numa situação em que não há um Governo em plena atividade, mas penso que, até ao fim do ano, vão existir algumas alterações e temos esperança de que possamos voltar a discutir este tema.
Já tivemos várias tentativas na Assembleia da República para a criação da carreira do médico veterinário oficial, com propostas de pelo menos três partidos para alterar o Decreto-lei nº 116/98, que atribui competências aos médicos veterinários municipais, para trazer um pouco mais de justiça ao que é o médico veterinário oficial, que representa a DGAV, é a autoridade sanitária veterinária de um concelho, mas que não é reconhecido, nem financeiramente, nem de outras formas.
Com a queda de um Governo acabam por desaparecer essas propostas que vamos tentar reativar e temos falado com a OMV, mas também com a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios, para ver o que vamos propor, relativamente aos médicos veterinários municipais. Em princípio, será integrá-los na carreira de médico veterinário oficial.
Também pensamos que devia existir maior proximidade entre as associações veterinárias e neste triénio iremos trabalhar para essa aproximação com a APMVEAC [Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia], a Associação Portuguesa de Buiatria e outras.
Temos recebido nas nossas instalações a APMVEAC, que dá formações nas nossas salas, e gostávamos que outras associações começassem também a utilizar as nossas instalações porque desejamos criar mais laços entre todos. A APMVEAC é uma associação com quem temos conversado bastante, por exemplo, sobre os contratos coletivos de trabalho.
Gostávamos de ter um papel agregador da profissão. Somos médicos veterinários, temos de estar atentos ao que se passa à nossa volta, mas não podemos estar condicionados só às questões sindicais, achamos que podemos ajudar em muito mais coisas.
Em suma, os nossos objetivos para este triénio, a par da criação das carreiras especiais – a de inspeção veterinária e a de médico veterinário oficial – passam pela contratação coletiva e pelas formações aqui no sindicato, para sócios e não sócios, nas áreas a que normalmente os médicos veterinários têm menos acesso, como a legislação laboral, de higiene e segurança do trabalho. É claro que, com isto, também queremos angariar mais sócios.
Estamos a falar a poucos dias de o SNMV fazer 81 anos, aniversário que se assinala a 21 de abril. Em termos objetivos, qual é o número de médicos veterinários sindicalizados? O que esta direção pretende alcançar em termos de visibilidade do sindicato na classe veterinária?
Estamos a fazer algum esforço para divulgar o trabalho do sindicato porque um dos nossos objetivos é chegar aos 10% de associados relativamente ao número total de médicos veterinários. Neste momento estamos nos 6%, 7% de médicos sindicalizados e chegar aos 10% é uma boa meta.
É muito difícil falar individualmente com cada colega para se inscrever no sindicato. Já estou no sindicato há 17 anos e o que percebo é que os colegas, quando precisam do sindicato, inscrevem-se, pagam a quota anual de 40€, que são 3,5€ por dia – provavelmente, somos o sindicato mais barato em Portugal – pedem apoio jurídico, resolvem o seu problema e depois nunca mais pagam as quotas. Esta é a história do sindicato. Temos um núcleo de sócios há muitos anos que paga regularmente as quotas e depois temos uma parte de sócios que é flutuante, que volta quando precisa, principalmente, do apoio jurídico.
O que queremos fazer é tentar que não seja só o apoio jurídico a chamar sócios, tem de haver outras formas de cativar e sensibilizar os colegas para a importância do sindicato. Os colegas pensam que pagam 40€ e se precisarem de apoio jurídico este está pago, porque se forem contratar um advogado é mais caro. Contudo, têm de pensar que não foram aqueles 40€ que pagaram o nosso advogado, foram os 40€ de muitos sócios que não precisaram de apoio jurídico e continuaram a pagar as quotas todos os anos, foi com o dinheiro de todos que conseguimos resolver o problema dele.
Ser sócio do sindicato só tem vantagens, a única desvantagem é ter de pagar 40€ por ano. Cada vez mais, precisamos de estar associados a um sindicato porque há questões que são colocadas de colega a colega que, muitas vezes, a palavra que está a ser passada é completamente errada e uma conversa com o nosso assessor jurídico resolvia a questão num instante.
E como pretendem promover a sindicalização?
Uma das ações serão as nossas formações, quando tivermos o centro de formação certificado. Com as formações que fizermos internamente, que os nossos associados não pagarão nada e os não associados pagarão, vamos ter colegas a pensar que se pagarem esses 40€ anuais vai ser vantajoso por não pagarem, depois, a formação.
É isso que as últimas direções do sindicato têm tentado fazer: diversificar a nossa atividade, para além das questões sindicais, porque temos muito mais para dar, para cativar mais pessoas para o sindicato.
Uma problemática transversal na vida sindical é o afastamento dos jovens dos sindicatos. O que pretendem fazer para cativar os mais novos para o SNMV?
É muito importante para o sindicato chegar às universidades. Temos feito algumas intervenções em congressos, por exemplo nos encontros organizados pelos estudantes na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, e gostávamos que essa mensagem fosse mais presencial em todas as universidades. Em termos das questões laborais, era muito importante que os colegas, quando saem da universidade, soubessem o que é que os espera no mundo do trabalho, porque neste momento não fazem a mínima ideia. Depois, admiram-se quando chegam à clínica e o estágio remunerado é de 500€ ou 600€ por mês ou quando vão assinar o primeiro contrato e lhes é oferecido o ordenado mínimo.
Temos de arranjar estratégias para captar os jovens, mas também não é fácil. Eu entrei para o sindicato no dia seguinte a ter a carteira profissional porque me disseram que aqui havia uma lista de ofertas de emprego. As coisas não são assim agora. Hoje encontramos tudo na internet, não só as ofertas de emprego, mas também a assessoria jurídica, porque se os colegas quiserem conhecer os seus direitos facilmente conseguem saber, mas se as coisas fossem assim tão lineares não era preciso existirem juristas, nem advogados. A perceção é “eu vou à Net e resolvo”, mas depois as coisas nem sempre correm como eles querem, até porque a medicina veterinária é uma profissão muito específica e só um jurista consegue esclarecer os colegas.
O sindicato é dos sócios não é a direção. Quantos mais sócios tivermos, mais vamos crescer e mais poder negocial vamos ter junto das entidades com as quais vamos negociar. Dá sempre poder a um sindicato ter mais sócios, somos muitos médicos veterinários no país e todos os que trabalham por conta de outrem devem sindicalizar-se.
Que apelo que faz aos profissionais – tanto do setor privado quanto do setor público – para se sindicalizarem e aumentar o poder negocial do SNMV?
Antes de mais gostava de dizer o seguinte: há alguma renitência de certos colegas em inscreverem-se no sindicato porque associam sempre um sindicato a questões político-partidárias. Os sindicatos, de um modo geral, são sempre conotados com a esquerda por reivindicarem direitos do trabalhador, mas o facto é que os direitos dos trabalhadores estão na Constituição e nós não fazemos muito mais do que isso [defender a Constituição].
Para além disso, somos o único sindicato do País só de médicos veterinários, não temos qualquer conotação política, temos sócios que são de vários partidos políticos e a maior parte nem sequer tem filiação política.
Este sindicato foi criado em plena ditadura – em meados dos anos 1930 já existia um sindicato não oficialmente formado, o que só aconteceu em 1944 – e nestes 80 anos já fez muito pelos médicos veterinários e os colegas deviam pensar um pouco nisso. Qualquer um deles pode um dia precisar do sindicato que só está aqui para defender os direitos deles, que podem ser postos em causa estejam onde estiverem a trabalhar.
E, relativamente, ao apoio jurídico é igualmente importante os colegas perceberem que os sindicatos que atuam em várias áreas não têm a especificação que o nosso jurista tem neste setor, porque sabe qual é a realidade dos médicos veterinários, quer estes trabalhem em clínicas ou no Estado.
“A área que dá mais trabalho, pela incapacidade de resolução, é a gestão dos animais errantes”
Nos últimos anos, temos assistido a fenómenos naturais, como cheias, sismos e incêndios, que exigem respostas rápidas e eficientes por parte das entidades responsáveis. Estas situações expõem fragilidades operacionais e, até, a falta de planos de contingência bem estruturados para garantir respostas eficientes e coordenadas.
Em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, Ricardo Lobo, médico veterinário municipal e presidente da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM), discute o papel essencial dos médicos veterinários municipais na resposta a catástrofes naturais, refletindo também sobre os principais desafios da profissão.
O dia a dia de um médico veterinário municipal envolve diversas atividades relacionadas com a saúde pública, bem-estar animal e segurança alimentar. Como descreve o seu dia a dia como médico veterinário municipal?
Entre as principais responsabilidades do médico veterinário municipal estão a inspeção de produtos de origem animal no retalho, assim como a realização de inspeções sanitárias em matadouros, neste caso, no Matadouro Regional de Monção, assegurando que os processos atendam às normas de higiene e segurança alimentar. Além disso, o médico veterinário municipal lida com queixas dos municípios relacionadas à insalubridade gerada por animais de companhia ou por espécies pecuárias, assim como questões de bem-estar animal – o maior número de queixas de bem-estar animal costuma estar relacionado com os equinos.
O trabalho também inclui a atuação no Centro de Recolha Oficial Intermunicipal do Alto Minho, onde, como diretor, coordeno a gestão do equipamento em conjunto com outros dez municípios. Muitas vezes, as diligências são realizadas em conjunto com as forças policiais, garantindo a minha segurança nas intervenções. Este conjunto de atividades compõe a minha rotina como médico veterinário municipal.
Mencionou que o bem-estar dos equinos é uma área particularmente sensível. Poderia detalhar os principais desafios relacionados com essas queixas e como elas se diferenciam de outras espécies?
As queixas relacionadas ao bem-estar animal concentram-se na sua maioria em casos de maus-tratos a animais de companhia, especialmente cães. Esses casos envolvem frequentemente situações de cães acorrentados ou mantidos em condições que não respeitam os padrões mínimos de bem-estar animal.
Já no que se refere aos animais de produção ou espécies pecuárias, a maioria das queixas está relacionada com os equinos. Muitos desses casos envolvem negligência, como cavalos deixados sozinhos, expostos às intempéries ou amarrados com cordas em condições inadequadas. Os equinos, efetivamente, caem num limbo difícil de classificar, sendo frequentemente mantidos por pessoas que os utilizam para pequenos negócios, vendas ou mesmo por capricho. No entanto, essas pessoas muitas vezes, não possuem condições para cuidar desses animais adequadamente, resultando em denúncias que abrangem casos de fome, abandono e até acidentes em vias públicas. Alguns dos exemplos incluem cavalos soltos em autoestradas, colocando em risco o trânsito e a segurança das pessoas. Já fui acionado às quatro da manhã para eutanasiar um cavalo que tinha as pernas fraturadas e que ainda se conseguia movimentar, no meio do trânsito, na autoestrada. Nessa ocasião, contei com o apoio de uma escolta policial, cuja ajuda foi indispensável para conter o cavalo, que era selvagem. Com o trânsito a ser controlado pela brigada de trânsito, um dos agentes utilizou uma corda para ajudar a imobilizar o animal, permitindo que eu aplicasse o cateter e realizasse o procedimento da eutanásia.
Por outro lado, as espécies como bovinos, ovinos e caprinos estão geralmente associadas a explorações produtivas e os produtores estão cada vez mais conscientes de que o bem-estar animal está diretamente ligado ao rendimento da exploração, o que reduz significativamente o número de denúncias nesses setores.
“A ANVETEM e os médicos veterinários municipais têm uma visão clara sobre essa situação e sabem que políticas deveriam ser impostas sem implicar grandes gastos financeiros (…), mas, efetivamente, teremos de esperar que os próximos governos e a próxima tutela tenham a clarividência e o discernimento de começar a aplicar essas políticas.”
Nos últimos anos, temos assistido a fenómenos naturais e a alguns eventos como cheias, sismos e incêndios, que exigem respostas rápidas e eficientes por parte das entidades com o pelouro dos animais. Qual é o papel do médico veterinário municipal na gestão dessas situações de catástrofe e que entidades estão envolvidas nessa assistência? O que tem sido feito para aprimorar a resposta, especialmente após os incêndios de Santo Tirso em 2017?
Em contexto de catástrofe natural, seja ela de que natureza for, a gestão da resposta é coordenada pela Proteção Civil, que atua a nível municipal e nacional. Essa entidade é responsável pela elaboração e execução de planos de contingência, como os Planos Municipais de Proteção Civil, que têm como objetivo minimizar riscos, maximizar a segurança de pessoas, bens e, mais recentemente, incluir a proteção dos animais – uma preocupação que ganhou relevância especialmente após os incêndios de 2017, que foi quando acordámos para essa realidade e para a necessidade efetiva de acautelar as situações relacionadas com os animais.
O médico veterinário municipal desempenha um papel fundamental nesse contexto, dado o seu conhecimento técnico sobre os animais, seja de companhia, espécies pecuárias ou outras. Assim, são também autoridades empossadas por esses poderes, embora seja um poder de autoridade com competências diferentes no âmbito da saúde animal e da segurança dos alimentos. Desta forma, como agente de autoridade, o médico veterinário municipal deve participar ativamente em todo o processo, que começa na elaboração do Plano Municipal de Proteção Civil, identificando as áreas críticas, como explorações pecuárias em zonas de risco, Centros de Recolha Oficial ou os abrigos com grande concentração de animais. É essencial que esses planos definam os procedimentos a adotar em caso de catástrofe, os níveis de alerta, para que se chegue a uma decisão de evacuação. E, a partir daí, determinar como será feita a evacuação, que meios devem ser utilizados, e para onde os animais serão transportados.
Durante a operacionalização desses planos o comando das ações cabe à Proteção Civil, mas a presença do médico veterinário municipal é indispensável para auxiliar na gestão e execução de ações específicas relacionadas aos animais. Tudo aquilo que não se deseja, e que tem vindo a acontecer em situações onde não estão acautelados estes Planos Municipais de Proteção Civil, que envolvem animais, são atuações haddock, quase aleatórias e sem regras, de grupos de pessoas e voluntários, com a melhor das intenções, mas que vão para o teatro de operações criando riscos para outras pessoas. No fundo, estas situações anárquicas acabam por atrapalhar o trabalho de pessoas que deveriam estar focadas nas suas ações.
Todos nós temos guardadas na nossa memória as imagens dos incêndios de Santo Tirso, naquele domingo à tarde, em que várias pessoas invadiram o espaço, agarrarem nos cães – volto a repetir, com a melhor das intenções –, atropelando-se umas às outras. Houve cães dos quais se perdeu o rasto… E isso é completamente indesejável. Antes das pessoas intervirem de forma quase emocional, as autoridades devem garantir o controlo absoluto da situação e devem ser, elas próprias, capazes de ter tudo planeado para que no momento certo possa ser executado sem grandes problemas. Neste sentido, estes planos não devem estar sempre à espera de que ocorra um acidente ou uma catástrofe para serem postos em prática, devem ser testados com simulacros. As autoridades devem estar sempre em alerta permanente e devem estar treinadas para que cada um saiba a sua função num momento decisivo. No entanto, reconheço que, na maioria dos casos, estas questões ainda não estão acauteladas pelos Planos Municipais de Proteção Civil, sendo depois deixada ao livre-arbítrio de quem se voluntaria para poder ajudar, mas essas não são de todo as condições desejáveis para o efeito. Com um plano de contingência que seja democratizado e formalizado, se acontecer alguma desgraça, será possível pô-lo em prática no teatro de operações.
“As queixas relacionadas ao bem-estar animal concentram-se na sua maioria em casos de maus-tratos a animais de companhia, especialmente cães. Esses casos envolvem frequentemente situações de cães acorrentados ou mantidos em condições que não respeitam os padrões mínimos de bem-estar animal.”
Desejável é que cada município tenha o seu próprio plano de proteção municipal…
Sim, porque essas questões são muito específicas, têm a ver com as características de cada geografia e com a quantidade de animais e instalações que existem. A partir daí, esse plano tem de acautelar tudo o que deve ser feito numa fase de contenção. Depois, segue-se a fase de evacuação e, mais tarde, de encaminhamento. Tudo deve ser planeado ao pormenor, os meios de transporte a recorrer, os sítios onde os animais vão ficar alojados temporariamente e numa fase posterior. Em caso de catástrofes de grandes dimensões, será sempre impossível recolher e pôr a salvo todos os animais mortos, como aconteceu nos incêndios de 2017, podendo representar um risco de saúde pública.
Tendo em conta que é Presidente da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM), qual É atualmente a questão mais problemática que assola esta área específica da medicina veterinária?
A área que dá mais trabalho, que é mais difícil e que implica mais frustração, pela incapacidade de resolução, é efetivamente a questão dos animais errantes, porque as políticas colocadas em prática nos últimos anos não têm resolvido o problema. Não apresentam ferramentas concretas para que os médicos veterinários municipais também possam resolver o problema. E, muitas das vezes, eles próprios veem-se a braços com diversos dilemas, que incluem questões de bem-estar animal… Deixar animais na rua por recolher, tentar defender a segurança e a saúde pública e, por outro lado, também cumprir com as normas de bem-estar animal nos próprios Centros de Recolha Oficiais. Com as políticas que estão neste momento em vigor é difícil perceber quando é que o problema se poderá ser resolvido. A ANVETEM e os médicos veterinários municipais têm uma visão clara sobre essa situação e sabem que políticas deveriam ser impostas sem implicar grandes gastos financeiros, como aqueles que têm vindo a ser a ser aplicados, mas, efetivamente, teremos de esperar que os próximos governos e a próxima tutela tenham efetivamente a clarividência e o discernimento de começar a aplicar essas essas políticas.
“Já fui acionado às quatro da manhã para eutanasiar um cavalo que tinha as pernas fraturadas e que ainda se conseguia movimentar, no meio do trânsito, na autoestrada. Nessa ocasião, contei com o apoio de uma escolta policial, cuja ajuda foi indispensável para conter o cavalo, que era selvagem.”
Mas já tem havido algumas mudanças ou, pelo menos, vontade que aconteçam. Nos planos dos governos, isto é ainda muito residual?
Não vemos grandes mudanças, vemos sim uma atitude de preocupação. Já houve muitos debates, mas os debates não trazem soluções efetivas. Inclusivamente, mais do que debate, há muito dinheiro a ser aplicado, que não traz soluções efetivas e o problema tem de ser resolvido pela via da responsabilização dos detentores e pela regulação do acesso à detenção dos animais de companhia. Só quando tivermos isso controlado é que, efetivamente, o problema será absolutamente resolvido.
A Provedoria do Animal nacional tem desenvolvido diversas ações voltadas para os animais errantes. Que sinergia existe entre o trabalho da Provedoria e a atuação do médico veterinário municipal? Como de desenvolve essa relação institucional?
Temos uma boa relação institucional com a Provedoria do Animal, vamos falando, partilhamos informação e também alguma visão daquilo que entendemos que deve ser o rumo das coisas. Não estaremos alinhados em tudo, obviamente, mas têm sempre a sensibilidade de contar connosco nos eventos que organizam.
*Entrevista publicada na edição 193, de maio, da VETERINÁRIA ATUAL

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