O setor tem evoluído de forma vertiginosa com tudo o que isso implica. Temos ou não médicos veterinários a mais? Qual tem sido o impacto da entrada dos grandes grupos? O que alicia os jovens profissionais fora de Portugal? Estes são alguns dos temas em debate e que reúnem opiniões, nem sempre coincidentes, de alguns diretores clínicos de CAMV de diferentes zonas do País.
Nos últimos anos, temos assistido à integração de alguns CAMV em grandes grupos do setor. Um passo necessário para uns, decorrente da evolução ao longo do tempo, mas uma decisão adiada ou mesmo não enquadrada para outros que estão bem longe desta realidade. Esta opção foi tomada pelos quatro sócios do Hospital Veterinário Bom Jesus (HVBJ), em Braga, “de forma natural”, explica o diretor clínico João Araújo que é simultaneamente membro da direção clínica ibérica da IVC Evidensia. Todos os sócios tinham os seus projetos individuais e a decisão de nos juntarmos a um grupo foi um passo mais ou menos óbvio no caminho trilhado ao longo dos seus quatro anos de existência. “Tivemos dores de crescimento e achámos que ao juntarmo-nos ao grupo IVC Evidensia teríamos mais apoio para continuarmos a crescer de forma sustentada”, acrescenta o também presidente da Sociedade Europeia de Emergências e Cuidados Intensivos, recentemente nomeado.
O apoio sentido aconteceu ao nível da gestão, dos recursos humanos e da atração de talento. “Sentimo-nos apoiados nas tomadas de decisão sempre com o foco do que é melhor para os nossos pacientes, para os nossos clientes e para as nossas equipas.”
Clara Ferreira, médica veterinária e diretora executiva da Torres Pet, em Torres Novas, tomou uma decisão semelhante há relativamente pouco tempo ao decidir juntar-se à VetPartners “por um motivo muito pessoal”. Já tinha sentido a necessidade de sair da clínica e foi preparando a sua ex-sócia Cláudia Neves [que vai assumir o cargo de practice manager da clínica] para essa possibilidade pois tem outra atividade profissional que gostaria de desenvolver há algum tempo relacionada com a consultadoria e o business coaching. “A minha sócia precisava de algum suporte e, dentro das propostas que tivemos, a VetPartners pareceu-me ser a empresa que tinha uma cultura e um ideal mais parecidos com os nossos. Não queríamos que a Torres Pet ficasse parada e gostaríamos de manter todos os objetivos da clínica”, explica. Preocupavam-se com o projeto, mas sobretudo com a equipa. “Estamos muito focados em dar as melhores condições que podemos aos colaboradores e sabemos que nem sempre é muito fácil gerir esta questão nos grandes grupos. Quisemos escolher um grupo que tivesse também essa consciência e o cuidado de manter um bom ambiente de equipa e boas condições de trabalho.”
  A classe tem “uma grande dose de responsabilidade pois é vulgar assistir-se à redução significativa de honorários com o objetivo de angariar clientes. É uma verdadeira perda de valores, já que o mercado português não consegue impedir e contrariar este fenómeno” – João Paulo Costa – Trás-os-Vet
Independentemente das motivações, nem sempre é uma decisão simples, esta, de os CAMV serem adquiridos por grandes grupos. Beatriz Sinogas, diretora clínica da Clínica Veterinária das Avencas (CVA), na Parede, concelho de Cascais, conta à VETERINÁRIA ATUAL que foi abordada por um grupo veterinário no ano passado. “Eram exigidos alguns requisitos e um mínimo de faturação anual que eu ainda não tinha, além de ser necessário ter uma equipa com três veterinários.” A CVA era elegível em algumas exigências, mas não foi concretizada nenhuma proposta. A médica veterinária elenca alguns motivos que a fariam ponderar muito bem e com calma esta possibilidade. “Perderíamos totalmente a nossa autonomia que é algo que prezo muito. Ao entrar num grande grupo, deixaria de ter a minha identidade e os meus funcionários – que são os meus funcionários – teriam de responder a uma nova entidade patronal. Ou seja, a relação que temos e a liberdade que lhes dou em caso de alguma situação familiar, por exemplo, deixariam de existir.”
Nos primeiros seis meses, tudo se mantinha igual, mas a partir desse momento, conta a diretora clínica, “teria de seguir os protocolos do grupo, os fármacos que o grupo escolhesse e não poderia ter autorrecriação nos meus tratamentos”. Avaliando as propostas iniciais que remontam aos primeiros tempos da entrada dos grandes grupos em Portugal, Beatriz Sinogas considera que “eram muito agressivos nos contactos comerciais, nas compras e com propostas de valores avultados”, acrescentando que para alguns colegas que venderam foi algo de positivo, mas que atualmente “os contratos são diferentes e obrigam a que as pessoas fiquem nas clínicas por um período mínimo de cinco anos”, o que não a agrada particularmente.
João Paulo Costa, diretor clínico da Trás-os-Vet, no interior do País, sediada em Trás-os-Montes, na região do Barroso, afirma que a dimensão do CAMV não se enquadra na realidade dos grandes grupos. “O corpo clínico sempre foi muito reduzido e constituído apenas por três a quatro veterinários. Atualmente, apenas somos dois. Inicialmente também era apenas constituído por dois médicos veterinários, um casal, sócios da empresa”, explica. E, se há cerca de 30 anos, quando começou a trabalhar, “era extremamente difícil recrutar médicos veterinários, o mesmo se passa agora, na atual conjuntura”.
Recrutar e reter talentos
A equipa é a “principal responsável do excelente percurso que o HVBJ tem demonstrado”, explica João Araújo. Com uma equipa bastante jovem, muitos dos quais iniciaram a sua carreira profissional neste hospital, o que cria alguns desafios na gestão de expetativas, mas tem sido possível “manter um ambiente de trabalho onde as pessoas se sentem bem”. Por esse motivo, a rotatividade tem sido baixa. “Claro que há sempre casos de pessoas que saem, querem conhecer novas realidades, acham que o seu percurso individual não está alinhado com o que o HVBJ tem para lhes oferecer naquele determinado momento e vemos isso como natural”, assinala o diretor clínico. Nem sempre é possível ir ao encontro das ambições salariais ou relativas aos horários, apesar de a aposta passar pelo “diálogo permanente com os colegas”.
No HVBJ, tem existido alguma dificuldade em contratar para algumas áreas em particular, como a ortopedia, mas no geral, não é difícil encontrar profissionais para trabalhar. “Já tivemos casos de pessoas que saíram e voltaram passado algum tempo. O HVBJ tem apostado na diferenciação e na referência a nível regional pelo que temos conseguido atrair colegas com elevada diferenciação e que vieram elevar o nível de forma muito substancial.” Atualmente, o hospital conta com quatro diplomados [nas áreas de neurologia, de medicina interna, de cardiologia] e um colega a terminar uma residência em comportamento animal. “De referir que temos colegas, não diplomados, com um alto nível de conhecimento nas suas áreas de interesse [em dermatologia, em cirurgia e em cardiologia], o que também possibilita que o hospital cresça e progrida tornando-se bastante atrativo para colegas em início de carreira”.
A Torres Pet trabalha a questão do recrutamento há muitos anos e Clara Ferreira defende “uma cultura que atraia as pessoas com uma perspetiva de longo prazo” e isso passa por apostar desde o início num bom ambiente interno e de aceitar estagiários com regularidade. “As pessoas conhecem-nos e, neste momento, a nossa capacidade de retenção de talentos é muito boa e deve-se à ‘fama’ que temos enquanto bons empregadores, o que facilita muito.” Neste CAMV, são recebidos CV’s regularmente e nem sempre existem vagas para dar resposta, realidade que não é generalizada nem partilhada por todos os diretores clínicos entrevistados para este artigo. “Este é um trabalho contínuo, existe uma estratégia de captação, é preciso fazer um acompanhamento muito grande e podemos ainda fazer melhor do que fazemos.”
Um dos aspetos que a clínica tem em consideração é garantir formação e oportunidades de evolução a toda a equipa. “Tentamos, na medida do que é possível, adaptar as condições de trabalho às necessidades dos membros da equipa e temos o cuidado de nos ajustarmos à logística familiar e aos horários – porque há mães solteiras e outras que têm filhos pequenos – para que exista um mínimo de qualidade de vida.” Clara Ferreira considera que estes aspetos têm sido notórios na capacidade de retenção das pessoas.
“Vou tentando aumentar o ordenado e reconheço o trabalho de cada um (…) e atribuo um prémio anual, no final do ano, a toda a equipa, consoante o trabalho que cada um desenvolveu ao longo do ano” – Beatriz Sinogas, Clínica Veterinária das Avencas
A realidade é um pouco distinta na CVA e na Trás-os-Vet. Na CVA, além de dois médicos veterinários, a equipa conta com três auxiliares e uma quarta que está a estagiar atualmente e que poderá vir a integrar a equipa no futuro, mas apenas em part-time. “As três auxiliares estão comigo desde o início, ou seja, o momento em que abri a clínica, a 1 de agosto de 2015”, explica Beatriz Sinogas. Os problemas começam com a dificuldade em manter os médicos veterinários. “Recentemente contei com uma médica veterinária que teve uma proposta para trabalhar num laboratório e decidiu aceitar e com uma outra médica veterinária que foi a melhor que já trabalhou comigo até hoje, mas decidiu emigrar um ano depois da entrada na CVA, primeiro para França e depois para a Alemanha, onde ainda permanece. Atualmente, temos um médico veterinário que se juntou a nós no começo do ano e está a ser abordado com uma proposta por parte de uma faculdade, encontrando-se em fase de decisão.”
Quem está na clínica gosta de lá estar até porque a médica veterinária aposta num ambiente familiar e coeso, estando atenta às necessidades dos trabalhadores, mas considera que os que são “muito bons acabam por procurar outras oportunidades e dar o salto”. A diretora clínica já teve dois estágios profissionais aprovados para médicos veterinários, mas não surgem candidatos. “Quando coloco um anúncio para recrutar, simplesmente não há resposta.” O facto de conseguir manter as suas auxiliares por tanto tempo deve-se a um grande respeito que existe entre toda a equipa. “Vou tentando aumentar o ordenado e reconheço o trabalho de cada um. Estão todos inscritos na APMVEAC, fazem os cursos que pretendem e atribuo um prémio anual, no final do ano, a toda a equipa, consoante o trabalho que cada um desenvolveu.” Existe ainda o reforço de um ambiente familiar na clínica “para que as pessoas continuem a gostar de ir trabalhar e não sintam stresse”.
João Paulo Costa demonstra o seu descontentamento relativamente à dificuldade em recrutar profissionais. “Apesar de termos assistido a um crescimento irracional de faculdades, passando-se de duas instituições de ensino para, nos dias de hoje, quase uma dezena, o problema persiste, embora por motivos completamente distintos. No entretanto, assistiu-se, até há cerca de dez anos, a um crescimento da oferta de médicos veterinários recém-licenciados, facilitando a sua contratação.” O cenário hoje é verdadeiramente oposto. “Muitos recém-licenciados não exercem a profissão e muitos outros optam por emigrar. É extremamente difícil recrutar novos veterinários, bem como reter os ativos, já que ao ganharem experiência, facilmente encontram melhores propostas e condições laborais nos grandes centros ou, principalmente, noutros países.” O que está na origem desta tendência? Na sua opinião, são vários os fatores: “o nível remuneratório baixo, a usual vasta carga horária laboral e, por vezes, a escassa valorização profissional”.
Fora dos grandes centros urbanos onde “os honorários praticados proporcionam melhores margens que permitem libertar recursos para melhores salários, noutras zonas, tal é impossível”. Para o diretor clínico da Trás-os-Vet, a classe tem “uma grande dose de responsabilidade pois é vulgar assistir-se à redução significativa de honorários com o objetivo de angariar clientes. É uma verdadeira perda de valores, já que o mercado português não consegue impedir e contrariar este fenómeno”. Esta estratégia “não dignifica a classe em nada”. Por outro lado, “o recurso à subscrição de seguros de saúde animal ainda é muito residual, em especial nas zonas do interior, o que determina, muitas vezes, a disponibilidade financeira para intervenções e tratamentos com custos mais elevados”, acrescenta.
Neste caso em particular, do interior do País, o maior desafio é manter a equipa. “É apenas uma questão de tempo, pois os colegas encontram sempre uma oportunidade mais aliciante e melhor remuneração numa zona mais central com outras valências sociais. A pressão da procura, pela escassez, também agrava esta tendência.” A João Paulo Costa, resta-lhe “o consolo do excelente relacionamento que fica para a vida e a enorme experiência que lhes permite alcançar outras ofertas laborais mais exigentes e vantajosas”.
Progressão salarial versus emigração
Todos os colegas do HVBJ que integraram a equipa há mais de um ano “já viram as suas condições salariais melhoradas, não há uma estagnação como existiu no passado”, diz-nos João Araújo, ainda que ressalve que isto não significa que está tudo bem e que todas as pessoas estão contentes. “Creio que o salário é o maior motivo de descontentamento dos colegas mais jovens em geral e não creio que aqui no HVBJ sejamos uma exceção do que se passa no resto do País.” Com a integração na IVC Evidensia houve “uma preocupação muito grande em corrigir diversas situações que pudessem ser geradoras de desconforto, seja a nível salarial, de horários, turnos, entre outros”.
O salário surge como um dos principais motivos de descontentamento dos profissionais mais jovens, indo em busca de melhores condições fora de Portugal.
Considerando que a generalidade dos salários é “injusta”, o diretor clínico não tem dúvidas de que a melhoria da condição salarial “vai demorar tempo” pois “enquanto se continuar a cobrar os preços que se cobram atualmente dificilmente os salários irão aumentar substancialmente a nível nacional”.
A Torres Pet tem conseguido “assegurar alguma melhoria ao longo dos anos”, não tanto como Clara Ferreira gostaria, mas é algo que tem sido trabalhado desde o ano passado, sobretudo ao nível das margens do CAMV para que haja maior possibilidade de aumentar os salários e apostar em formações. “Tem havido sempre uma progressão salarial apesar de eu achar que os médicos veterinários ainda ganham pouco para aquilo que fazem e para a responsabilidade que têm. Este é um trabalho que tem de ser feito ao nível da própria comunidade veterinária.” Nos últimos anos, a médica veterinária tem assistido “ao degradar das margens do setor, o que levou a salários mais baixos e à incapacidade de os aumentar”.
Neste tópico, João Paulo Costa considera que o fenómeno da progressão salarial é transversal a todo o País “com especial destaque nas zonas do interior, o que está na origem da desertificação de técnicos em Portugal e a sua saída para outros países”. Todos os anos, tem procurado atualizar a remuneração da equipa, “muitas vezes, em progressão percentual muito superior ao habitual, contudo, face à realidade em que trabalhamos, numa zona extremamente desfavorecida, de baixa densidade populacional, a tabela de honorários não liberta as mais valias necessárias para pagar salários muito superiores”.
Beatriz Sinogas considera não pagar mal aos seus funcionários. “Não tenho qualquer problema em afirmar que pago 1250€ líquidos a um médico veterinário com contrato. Não trabalho com recibos verdes.” Os funcionários têm direito a subsídio de alimentação, de férias, não fazem noites e têm a possibilidade de fazer turnos com horários alternados. Quem assegura as urgências na CVA é a própria diretora clínica. A médica veterinária considera que é muito difícil competir com as condições oferecidas fora do País. “Neste momento, aqui na zona onde a clínica está localizada, não se consegue sair de casa dos pais e lá fora é dado um apoio, não só no que respeita à habitação, mas também a outros níveis, como a formação.”
João Araújo e Clara Ferreira partilham a mesma opinião de que não existem veterinários “a mais”. Para o primeiro, é notório o crescimento do mercado e a diversificação da atuação dos colegas. “Tenho imensos colegas que não fazem clínica e estão ligados à gestão, indústria farmacêutica, indústria alimentar, ensaios clínicos, etc. Creio que há uns anos era mais raro esta dispersão dos colegas por várias áreas.”
As condições noutros países “serão melhores e mais atrativas em determinados pontos, principalmente salariais, e os colegas têm de ponderar tudo e decidir o que querem fazer”. Uma coisa é certa: “Não podemos pagar salários em Portugal nos valores do que acontece no Reino Unido ou nos Estados Unidos da América. Não se pode comparar salários sem comparar o custo de vida. Há muitos fatores a ponderar e não apenas salário. Não acho que lá fora seja o El Dorado que muita gente fala”.
Clara Ferreira corrobora a opinião do colega e considera que existem “CAMVs a mais”. “Neste momento, a dificuldade de recrutar veterinários é real e demonstra que não existem profissionais a mais. Vivemos durante muitos anos situações de concorrência pelo preço, o que degenerou muito a qualidade da veterinária em Portugal porque ao descer preços não há dinheiro para pagar, para investimento e para formação, o que desgastou muito o setor de pequenos animais.” Essas condições levam à necessidade de emigrar. “A realidade que me tem chegado é de poucos veterinários para o trabalho que há e ainda poucas margens para ter mais profissionais a ganharem bons salários. Não sei se as condições fora de Portugal são mais atrativas ou se isso não passa de uma ilusão. As condições de custo de vida lá fora também são diferentes”. Eventualmente, será positivo para um profissional “emigrar um ano ou dois para conhecer outras realidades e adquirir outros conhecimentos, mas existem bons sítios para trabalhar, aprender e progredir na carreira em Portugal”.
Para João Paulo Costa, é perfeitamente compreensível que os colegas emigrem e tal como a colega de Torres Novas, considera que poderá haver “demasiados CAMV, em algumas zonas, o que causa assimetrias, desigualdades e concorrência desleal, o que necessariamente se traduz no baixo índice remuneratório que favorece a saída de veterinários para outros países”. Vários colaboradores da Trás-os-Vet optaram por essa decisão e são, neste momento, “excelentes profissionais além-fronteiras, o que nos leva a considerar o nível do ensino em Portugal como muito bom”.
“Não sei se as condições fora de Portugal são mais atrativas ou se isso não passa de uma ilusão. As condições de custo de vida lá fora também são diferentes” – Clara Ferreira, Torres Pet
As universidades preparam os futuros profissionais?
Beatriz Sinogas é muito crítica relativamente a este tema. “Temos faculdades onde os recém-licenciados saem sem saber nada da prática clínica. Julgo que há faculdades, cujos profissionais deveriam fazer testes de admissão à Ordem dos Médicos Veterinários.”
Clara Ferreira confessa que está um pouco alheada dos planos curriculares atuais, mas do que conhece, considera que as faculdades não preparam os futuros profissionais para a prática clínica. “Se não tiverem bons estágios vão ter muita dificuldade porque têm pouca representação prática, sobretudo em lidar com o cliente, na gestão de objeções, em questões psicológicas e inclusive na gestão económica. É sabido que os médicos e enfermeiros veterinários também têm muita dificuldade de cobrar e eu percebo isso porque já fui essa pessoa.” Os alunos que saem das universidades não vêm preparados para lidar com o público e “chegam sem qualquer autonomia”.
João Araújo também partilha desta opinião. “Pode ser por estar um pouco desligado do que se passa nas universidades atualmente em Portugal, mas visito muitas instituições de ensino em diversos países europeus − por causa da European Veterinary Emergency and Critical Care Society (EVECCS) − e vejo uma realidade muito distante daquela que tinha quando estudava.” Tem assistido a uma realidade em que “a universidade é o fim de linha, onde estão a maior parte dos melhores especialistas de determinadas áreas. Não acredito que isso se passe em Portugal, com uma ou outra exceção. Creio que o serviço dado pelos privados é na sua maioria muito superior ao que é dado nos hospitais universitários”.
João Paulo Costa destaca o facto de a esmagadora maioria dos alunos ter interesse em exercer clínica de animais de companhia. “Esta é a vocação maioritária das opções dos recém-licenciados. Eventualmente, poderia considerar-se a possibilidade de manter, por exemplo, os três primeiros anos em comum e haver depois a possibilidade de optar por dois ou três grandes ramos de diferenciação profissional.” No que respeita a matérias curriculares, considera que a maior carência está ao nível da “preparação em gestão, finanças e contabilidade, empreendedorismo, psicologia, sociologia, comunicação e gestão de conflitos pois, nestas matérias, a formação curricular é quase nula.”
O diretor clínico da Trás-os-Vet considera que a abertura massiva de universidades nos últimos anos contribuiu para “este cenário caótico já que inicialmente levaram a um aumento enorme na oferta de profissionais e a um crescimento desmesurado de clínicas, num mercado não regulado. Neste contexto, a guerra concorrencial fez o seu papel e a consecutiva perda de rendimento das famílias portuguesas faz o resto, em especial nas zonas economicamente mais débeis”.
Considerando este “mercantilismo de ensino com vista à formação de técnicos que irão, em grande parte, exercer as suas funções no estrangeiro, à semelhança do que já ocorre, há alguns anos, com outras profissões”, João Paulo Costa demonstra a sua grande preocupação com o facto de, no mundo rural, “a prestação de serviços veterinários a animais de produção, se revestir de particular gravidade, atendendo à progressiva e cumulativa carência de oferta. Os jovens licenciados não têm qualquer apetência por trabalhar em zonas do interior, distantes dos grandes centros e muito menos para exercer clínica de animais de produção”.
*Artigo publicado na edição 173 da VETERINÁRIA ATUAL, de julho-agosto de 2023.