Embora se tenha tratado de um encontro científico que, como o título enuncia, também foi promovido a pensar nos médicos veterinários, para o coordenador geral, Eduardo Gomes, o facto de se sensibilizar os alunos para as patologias comportamentais «é já uma mais-valia, uma vez que, quando estes chegarem à clínica, vão saber que há uma soluções para os casos com que se deparam». A escolha do lema “abordagem clínica à doença comportamental” teve que ver com «a grande falta de informação» que se faz sentir nesta área. «Muitas vezes a questão é que o veterinário sabe que o animal tem uma patologia comportamental, consegue identificá-la, mas não a sabe resolver», afirmou Eduardo Gomes.
O encontro, que contou com o apoio da revista VETERINÁRIA ACTUAL, teve início no dia 11 de Abril no Campus Agrário de Vairão, onde decorreu a «parte prática», e prosseguiu nos dias 12 e 13 com a apresentação do programa científico na Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto.
Comportamento e envelhecimento
Com um currículo distinguido a nível internacional, na sua primeira comunicação do encontro Gary Landsberg falou sobre as doenças comportamentais que afectam os animais no fim das suas vidas. É o caso da disfunção cognitiva, ou seja, «a deterioração do cérebro do animal à medida que este envelhece». De uma forma genérica, esta patologia «traduz-se num declínio em relação aos estímulos», mas também «em relação à aprendizagem e à memória».
Segundo o especialista, «a única forma de diagnosticar esta doença é através da eliminação da possibilidade de outras patologias que podem causar os mesmos sinais», daí a importância do diagnóstico de exclusão. «Qualquer alteração a nível comportamental no animal de companhia pode dever-se a um problema médico, cognitivo, neurológico, comportamental e, especificamente no cão sénior, a muitos problemas. Só porque tem artrite ou problemas renais, não significa que não tenha disfunção cognitiva. A dificuldade está em fazer a separação». O especialista aconselhou a realização de questionários a donos de animais de companhia mais velhos: «o importante é perguntar», sublinhou. E deixou a indicação de fontes de informação sobre clínica veterinária, como o portal www.vin.com, que apresenta a revisão de procedimentos apresentados em conferências, e onde podem ser deixadas questões também por estudantes, cujo acesso é gratuito.
A companhia dos animais
Seguiu-se a apresentação de Jon Bowen, sobre o efeito do ambiente doméstico no comportamento do gato. O director do Serviço de Referência em Medicina Comportamental, do Royal Veterinary College, começou por referir que, enquanto os cães foram domesticados há mais de 40 mil anos, «para, ao que se sabe, servir de entretenimento e de alimentação», os gatos associaram-se voluntariamente aos grandes aglomerados de pessoas onde podiam encontrar roedores.
Esta é uma das razões por que este felinos mantêm os comportamentos dos seus ancestrais: são caçadores solitários, alimentam-se sozinhos e gostam de apanhar presas vivas, o que «tem consequências, por exemplo, ao nível do metabolismo, logo da terapêutica». Não sendo animais realmente domesticados, muito do seu comportamento é selvagem: «o que é extraordinário neles é que as mudanças ao nível do ambiente doméstico podem produzir alterações profundas no seu comportamento».
O especialista aproveitou para deixar recomendações que podem ser transmitidas pelos médicos veterinários nas consultas: é importante existir mais comida do que aquela que é necessária, já que os gatos comem entre dez a quinze vezes por dia; todos os recursos que compõem o seu território devem estar distribuídos de forma a terem acesso imediato; em média, os gatos passam 12 horas por dia a descansar, sendo por isso importante garantir um ambiente confortável. Estes felinos sentem-se seguros em ambientes altos e, regra geral, procuram lugares individuais para descansarem.
Nutrição “como terapêutica”
Margarida Tomé falou sobre os sinais de dor associados à dificuldade de mobilidade no cão e no gato e na forma como esses mesmos sinais clínicos são manifestados. A temática do painel eram as patologias osteoarticulares que, segundo a médica veterinária, são «a principal causa de dor crónica nos cães». Mas ao passo que neste animal de companhia é mais fácil perceber alterações de comportamento, no caso do gato a dificuldade aumenta, daí a importância da aplicação de questionários de mobilidade; depois existe a imagiologia, que poderá comprovar, ou não, o diagnóstico.
No caso de este se confirmar, a veterinária aconselhou a utilização de dietas baseadas na nutrigenómica, que já estão disponíveis no mercado. Uma vez que a cirurgia não é aplicada nestes casos, «esta pode ser uma opção para minimizar a dor e melhorar a qualidade de vida do animal», defendeu.
Educar comportamentos
O último painel foi um diálogo entreindivíduos que lidam com o cão: o dono, o veterinário e o instrutor. A discussão girou em torno da importância da educação do animal no contexto da doença, uma ideia «que esteve presente em todo o encontro», e que foi sublinhada pela regente das disciplinas de Etologia do curso de Medicina Veterinária do ICBAS, Liliana de Sousa. «O ensino das regras deve ter início logo no primeiro segundo em que o animal entra em casa. Controlar o local onde o cão faz as micções, por exemplo, é um objectivo que pode ser alcançado em apenas três dias», sublinhou, por seu lado, o treinador e instrutor canino Hugo Roby.
Os oradores identificaram problemas que exigem uma intervenção mais complexa junto dos cães, como é o caso das patologias associadas «às agressividades», as quais «representam a principal causa do número de eutanásias destes animais», alertou Liliana de Sousa. E embora as soluções dependam dos casos, passam quase invariavelmente pela «mudança do ambiente doméstico» ou pela forma como se comunica com o animal, e que tem que ver com aspectos como «o olhar, a postura e a linguagem gestual», disse Hugo Roby.
A importância da estimulação dos sistemas sensoriais do cão e do incentivo à socialização como forma de prevenir fobias foi outro aspecto discutido. «A partir do momento em que o cão entra na puberdade, o que acontece por volta dos seis meses, torna-se muito difícil reverter a fobia. Até essa altura, ela pode ser tratada com sucesso em mais de 90% dos casos», disse Mónica Roriz, responsável pela Puppy School, do Hospital Veterinário do Porto. «Os cães que têm grande sensibilidade a sons domésticos, por exemplo, podem ser sujeitos a um tratamento de dessensibilização ao som».
A terminar, Liliana de Sousa lembrou o papel «quase político» que o veterinário deve ser capaz de assumir, no sentido em que «tem muitas vezes de convencer o dono a mudar de atitude perante o animal e a dar-lhe formação», a «saber o mais possível sobre o criador» e, no caso de estar perante uma patologia, «aconselhá-lo a procurar instrutores».
A Professora do ICBAS felicitou ainda os estudantes pela capacidade de organização e «pela realização de um congresso sobre um tema que não é comercial».
De referir que, além dos oradores já mencionados, intervieram no encontro Fátima Silva, no painel “Casos Clínicos de Cães e Gatos”; Isabel Santos que falou sobre a “Cistite Idiopática Felina”; e Sue McDonnell que, além de ter acompanhado os casos práticos sobre cavalos, apresentou as prelecções “Is it Physycal or Psycological”, “Equine Cognition – How do Horses Think and Learn?”, e “Five Most Common Behavior Problems in Horses – Evaluation and Therapy”.
Objectivos cumpridos
O encontro conseguiu “superar”, em termos de adesão, os anteriores. «A cada ano que passa o número de participantes tem vindo a aumentar. No ano passado foram 180 e, nesta edição, 220», sublinha o coordenador geral Eduardo Gomes. As inscrições para as sessões práticas com cães e gatos esgotaram logo no primeiro dia e, para cavalos, no segundo. Já com os olhos postos no próximo ano, o estudante antecipou a possibilidade de incluir a temática dos bovinos, que ficou excluída deste evento por «poder alargar demasiado o âmbito do programa científico».