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Entrevista

“Seria espetacular se um dia pudesse contribuir para um programa de residência de cardiologia em Portugal”

joao neves

João Neves
Médico veterinário especialista em Cardiologia
DVM MRCVS
ECVIM Resident in Small Animal Cardiology

Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área de especialidade é Cardiologia de animais de companhia. Durante o meu estágio na Universidade do Tennessee comecei a interessar-me pela fisiologia e biofísica do sistema cardiovascular e, quando dei conta, só estudava praticamente Cardiologia. O meu interesse por esta especialidade cresceu ainda mais em Portugal devido ao entusiasmo e à motivação mostrada pela Cláudia Abreu e Inês Fonseca, que foram as minhas primeiras tutoras nesta área. Neste momento adoro tudo em cardiologia, mas as intervenções por cateterizações cardíacas são especialmente desafiantes.

Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?
Em 2012 decidi que queria especializar-me em Cardiologia e a melhor forma seria fazê-lo através do Colégio Europeu/Americano. Assim sendo tive de emigrar e lutar por uma residência. Primeiro fui fazer uma visita à Universidade de Liverpool e acabei por ser aceite como interno em Cardiologia. Este internato foi a alavanca para o resto: ajudou-me a conseguir um internato geral no Dick White Referrals e melhorou bastante as minhas hipóteses quando me candidatei para as residências. Na verdade, só em Setembro de 2014, e depois de duas candidaturas falhadas é que eu consegui a residência em Cardiologia na Universidade de Liverpool. Neste momento acabei o primeiro dos três anos da residência.

 

O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Tendo em conta a inexistência de um programa de residência em Portugal, e a grande competitividade para as pouquíssimas vagas no resto da Europa, tive de procurar a minha oportunidade, em vez de esperar que ela aparecesse. Deixar a equipa do Hospital do Baixo Vouga custou-me muito. Hoje em dia é normal haver 20 a 40 candidatos só para uma vaga de residência, por isso não podia ficar em Portugal. Tinha de ir para fora, ganhar experiência, completar um ou mais internatos, publicar artigos e visitar todas as universidades com residências. Isto tudo para aumentar as minhas hipóteses.

Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Geralmente estou às 08h00 no hospital para tratar dos meus pacientes e fazer as rondas da manhã, que é quando discutimos o plano do dia para os animais hospitalizados. Durante a manhã fazemos consultas e começamos os exames complementares, que se prolongam pela tarde. Ao final da tarde damos as altas aos pacientes e repetimos as rondas.  Depois ainda temos de escrever os relatórios para o veterinário que referiu o caso e, às vezes, ficamos de urgência. Durante o dia ainda temos de supervisionar/ensinar os alunos, tanto a nível prático, como teórico. Os pacemakers, valvuloplastias Amplatzers e outros procedimentos são maioritariamente feitos às terças-feiras. Finalmente, quando chegamos a casa, e se não estivermos muito cansados, ainda temos de estudar para os “journal clubs” e exames.

 

Quais os seus planos para o futuro?
A curto prazo quero acabar a residência, passar os exames e ter o diploma europeu. A médio prazo adoraria regressar a Portugal. A muito longo prazo, outros objectivos hão de aparecer. Mas seria espectacular se um dia pudesse contribuir para um programa de residência em cardiologia em Portugal.

Equaciona voltar a Portugal?
Claro. Por motivos familiares e profissionais. Quando? Não sei, depende também dos planos profissionais nos próximos anos. Mas quero voltar um dia e ajudar a cardiologia praticada/ensinada em Portugal a aproximar-se da cardiologia praticada/ensinada na Inglaterra.

 

Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?

Há ideias que começam a surgir devagarinho. Um projecto inovador com outros especialistas estaria certamente em cima da mesa. Mas também adoraria colaborar com antigos colegas de trabalho, com quem praticar cardiologia nessa altura em Portugal e participar no ensino pré-graduado de Cardiologia numa das Universidades Portuguesas.

 

Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?

Têm que dar o melhor durante estágio! Estagiar fora é sempre uma boa experiência em vários aspectos. Eu nunca teria tido o sonho de ser cardiologista se não fosse para fora. No entanto, em Portugal, a realidade é diferente e nem sempre podemos fazer tudo “by the book”. Por isso também é importante estagiar no nosso pais. Outro conselho é manterem-se sempre actualizados. Ser um bom clinico geral é tão dificil como ser um bom especialista.

Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
É muito diferente. No Reino Unido, o poder económico é mais alto e é raro ver um animal sem seguro. No entanto isto tem o reverso da medalha: donos são mais exigentes e não há a desculpa da falta de dinheiro para não resolver os casos da melhor forma possível. Isto, por sua vez, motiva frequentes referências para especialistas. Já pelo contrário, em Portugal, sinto que ainda existe uma falta de sensibilização e reconhecimento relativamente aos especialistas reconhecidos pelo Colégio Europeu/Americano e isso, infelizmente, vai-nos distanciando cada vez mais da medicina de referência do Reino Unido e outros países europeus. Pelo contrário, acho que seria importante o regresso de alguns especialistas portugueses para que num futuro possamos formar, no nosso próprio país, veterinários especialistas reconhecidos pelo Colégio Europeu/Americano. Por exemplo, este ano, e felizmente, já pude fazer o meu treino em patologia clínica em Portugal pois já temos a primeira especialista europeia nesta área (Nazaré Cunha – Cedivet) a exercer no país.

Qual o seu sonho?

O maior sonho é viajar à volta do Mundo e ter uma família feliz! Já profissionalmente sonho em ter projetos profissionais com amigos de profissão em Portugal. Também sonho (muitas vezes) em trabalhar ocasionalmente como cardiologista em outros cantos do Mundo, pois adoro conhecer diferentes locais e culturas.

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