Entrevista a Brigite Pedro, Especialista em Cardiologia Veterinária
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área de especialidade é Cardiologia de animais de companhia. Desde o Secundário sempre foi a minha área preferida. Lembro-me de fazer os trabalhos de ciências sobre o sistema cardiovascular. Mas a verdade é que, na minha opinião, é uma área onde tudo faz sentido, tudo tem a sua lógica, desde que se tenha uma boa base de fisiologia. Além disso é uma área muito completa: tem uma vertente muito importante de medicina, imagiologia (uma vez que temos como base a ecocardiografia e radiologia torácica) e até mesmo cirurgia (correção de ductos e estenoses valvulares, pacemakers). Para não falar de casos de arritmias, que torna tudo ainda mais interessante.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro e onde está a trabalhar neste momento?
Estou a trabalhar na Universidade de Liverpool, a terminar a residência de Cardiologia. Quando comecei a concorrer a residências, concorri para vários centros de referência e tive a sorte de ter sido aceite aqui. Parte do meu estágio e o meu internato já tinham sido realizados em Inglaterra, o que certamente tornou tudo mais fácil.
O que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
O meu estágio foi feito em Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, em locais de referência com especialistas em diversas áreas, onde tive acesso a uma realidade bastante diferente da nossa. Desde essa altura decidi que era esse o caminho que gostaria de seguir e vi-me obrigada a emigrar. Primeiro para fazer o internato geral, depois a residência. Além disso, de certa forma estou a seguir o exemplo dos meus pais. Também eles foram emigrantes em busca de melhores condições. Isto para não falar dos meus tios e primos. Deve ser de família!
Como é um dia de trabalho normal? O que faz?
O meu dia começa por volta das 8h00 e nunca se sabe bem quando acaba. Em geral 12-13h por dia, muitas vezes com apenas dez minutos para almoço. Começa-se com as rondas aos internados, depois consultas externas e internas com exames complementares. À tarde dá-se alta aos pacientes e depois de se ter o trabalho todo feito começa o trabalho de secretária (muitas vezes só depois das 17h00). No meio disto temos que falar com donos e veterinários que nos ligam porque querem discutir algum caso ou precisam da nossa opinião. Sem esquecer que estamos num hospital universitário e uma das nossas principais funções é o ensino: há discussão dos casos, seminários diários, rondas de manhã e à tarde (entre alunos, internos, residentes e especialistas) para que o aluno saia para o mundo do trabalho com o máximo de preparação possível.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Apesar de muitos dos meus amigos dizerem “Tu é que estás bem lá fora”, na realidade nem sempre é fácil. Todos nós que estamos ‘lá fora’ tivemos que renunciar a muitas coisas, mas são opções. Apesar de estar longe, em 2-3 horas de avião consigo chegar ao Porto, o que é uma vantagem. Pessoalmente tive a sorte de trabalhar num sítio onde temos um ambiente de trabalho excelente, com pessoas de praticamente todos os países da Europa, o que torna a integração mais fácil. Os colegas de trabalho passaram a ser primeiro amigos e depois quase da família (o que é bastante comum quando se está longe de casa). Além disso, a ideia que se tem do povo inglês ser “frio e distante”, pelo menos no que me diz respeito até agora nunca se confirmou e os ingleses sempre me fizeram sentir bem-vinda nos sitios onde estive.
Quais os seus planos para o futuro?
Boa pergunta! Acho que pela primeira vez na vida não tenho planos para o futuro, o que para quem me conhece bem é algo inédito! De momento, o meu único objectivo é passar o exame final e depois logo se vê!
Equaciona voltar a Portugal?
Claro que sim, só não sei ainda quando. A voltar seria para continuar a trabalhar nesta área, para oferecer ao público português o mesmo que se oferece ao público inglês. Para oferecer aos colegas de clínica geral portugueses o mesmo tipo de serviço e respeito que se oferece aos colegas ingleses. Infelizmente em Portugal, ao contrário de Inglaterra, as verdadeiras especialidades (reconhecidas pelo colégio europeu e americano) ainda não são bem reconhecidas, o que torna um possível regresso algo complicado.
Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
A voltar seria para continuar a trabalhar na minha área e possivelmente com alguns colegas que partilham este interesse tão específico comigo. Acho que um centro de referência, mais cedo ou mais tarde (dependendo da famosa crise), seria uma opção. Acho que a realidade portuguesa vai acabar por se cruzar com a do resto da Europa. O caminho ainda é longo, mas já se vê alguma mudança na mentalidade de alguns colegas. O respeito mútuo entre especialistas e veterinários de clínica geral tem que estar na base desta mudança. Tem que haver regras muito claras de forma a haver espaço para ambos, o que vai acabar por beneficiar ambas as partes e, acima de tudo, a qualidade dos cuidados prestados. Gostaria também de continuar a estar envolvida no ensino. A interação com os alunos aqui tem uma dinâmica completamente diferente, o que é algo bastante gratificante e que serve também como forma de autoaprendizagem contínua!
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Se estão nesta área porque realmente gostam e é isto que querem fazer, o importante é não desistir! Na parede do meu escritório tenho penduradas todas as cartas que me enviaram a dizer “não” e por fim aquela que me fez chegar até aqui! O importante é continuar a tentar e fazer algo que vá contribuindo para a nossa formação, sem nunca parar. Outro conselho, principalmente nos dias de hoje: tentar algo diferente, inovador, que marque a diferença em relação a todos os outros recém-licenciados que estão na mesma situação.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Os veterinários de clínica geral em Portugal são tão bons como em Inglaterra, mas a grande diferenca está no facto de em Inglaterra poderem facilmente referir os casos mais complicados para verdadeiros centros de referência, uma vez que os donos (e acima de tudo os seguros) estão dispostos a pagar os custos. O reconhecimento da profissão pela sociedade é diferente, a mentalidade e o poder económico também. Este último acaba por ter um impacto significativo no que nos é permitido fazer a nível clínico.
Qual o seu sonho?
Sonho?! Tirar uns meses de férias e fazer uma viagem a volta do mundo! O resto são objectivos: quero ser uma boa profissional, quero continuar a minha formação em algumas das áreas que mais me interessam dentro da cardiologia, mas ao mesmo tempo quero também passar a ter mais tempo para mim, para a família e para os amigos. Quero começar a privilegiar a vida pessoal, coisa que até aqui tem ficado para segundo plano por força das circunstâncias.
Entrevista publicada na edição de setembro de 2015 da revista VETERINÁRIA ATUAL