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Prémios Veterinária Atual 2018

Ângela Martins e António Ferreira: quando a ciência faz milagres

Ângela Martins e António Ferreira:

Durante a cerimónia de entrega dos Prémios Veterinária Atual, que decorreu no passado dia 10 de outubro, Ângela Martins foi distinguida com o Prémio Veterinária do Ano – Pequenos Animais. Durante o seu discurso de agradecimento, a médica veterinária referiu o desejo de entregar o troféu a António Ferreira, o que aconteceu recentemente. Quisemos perceber o porquê deste gesto.

“Porque tudo tem uma história. Quando fui para a Fisioterapia, ao fim de três anos intensivos na fisioterapia, desmotivei-me. Via resultados, mas não os que eu queria. Estou licenciada há 27 anos e o que via com as técnicas de Fisioterapia é que realmente elas ajudam, mas aqueles que provavelmente sem elas, e com mais tempo, iriam chegar a um objetivo. E esse objetivo era funcional. No fundo ia ajudar os animais, mas não ia ser definitiva e objetiva numa diferenciação entre vida ou não vida, entre eutanásia ou não eutanásia. E a ciência tem de evoluir no sentido de criar soluções para aqueles que não têm soluções”.

 

E foi aqui que Ângela Martins decidiu estudar medicina. “Estudei muito e formei-me na medicina humana, onde toda esta ciência está muito mais evoluída: não se aceita uma pessoa paraplégica. Pretende-se que ela volte a andar, nem que seja de uma forma ajudada, com exoesqueletos. Há uma biomecânica e uma bioengenharia diferente. É muito difícil transpor isto para os animais, mas tentei fazer um intercâmbio”.

Ângela Martins falou com vários professores, entre os quais António Ferreira. “Já o conhecia, foi meu professor e era uma referência na área. Já quando estava a fazer Fisioterapia vinha falar com o professor, ele já sabia o meu percurso, as minhas ideias. Há uma parte que envolve áreas complexas de neurociência e que ainda têm de ser provadas. No dia-a-dia vemos resultados, mas há coisas que a nível de neurociência nem na medicina humana se consegue explicar”.

 

Neuro-reabilitação pioneira em Portugal e no Mundo

Foi nesta área que António Ferreira deu uma ajuda preciosa. “Orientou-me, deu-me força e trabalhamos intensivamente há quatro anos. Trabalho com o Professor neste sentido de investigação e de promover a neuro-reabilitação, que é pioneira tanto em Portugal, como no mundo. O que fez com que gradualmente seja convidada internacionalmente para dar palestras. E nunca vou tomar uma atitude de consultar o Professor, que me orienta a nível internacional porque é a área dele. Quem me convida são neurologistas, heads of departments de algumas universidades. Neste projeto sinto-me como uma discípula”.

 

Para António Ferreira, o prémio é de Ângela Martins. “O trabalho é dela e foi desenvolvido por ela. Agradeço muito, mas o mérito é dela. Acho um trabalho excecional porque quem trabalha nesta área da neurologia sabe que operamos os cães e depois tínhamos um gap. Sentíamos que alguns animais precisavam não só de fazer a cirurgia, mas depois funcionalizar um tecido nervoso que foi afetado por uma determinada lesão. Era preciso alguém que conseguisse essa funcionalização do tecido e fazer com que ele voltasse a funcionar dentro dos parâmetros normais”.

E é aqui que Ângela Martins intervém. “Operamos os animais, mas alguns que não recuperavam porque faltava o trabalho que ela faz: funcionalizar o tecido nervoso que fica ainda viável. Ela vai fazer com que esse tecido seja capaz de fazer a função que aquele que morreu – onde já nada podemos fazer – funcione novamente, que o animal passe a ter funcionalidade e uma vida normal. Passe a movimentar-se e a ter uma vida normal com o dono”.

 

Ângela Martins e António Ferreira:

Progressos visíveis

Para António Ferreira os progressos são claramente visíveis. “Não tem nada a ver com o que era há dez anos, em que perdíamos animais porque fazíamos a cirurgia, que até corria bem, mas depois faltava algo para recuperarem. E agora não. Temos os casos, enviamos para a Ângela, e quando os animais vêm para a nossa reavaliação têm uma funcionalidade que não tem nada a ver”.

“Antigamente, animais já sem sensibilidade profunda estavam praticamente perdidos. Hoje em dia operamos e depois, com uma boa funcionalização do tecido, consegue-se o movimento. O animal não consegue comandar com a cabeça o movimento das patas de trás, mas consegue com as patas de trás, e independentemente das da frente e da cabeça, movimentar-se. Antigamente esses animais não se mexiam. Hoje em dia se vir o cão a andar pode parece estranho, porque anda de forma diferente com as patas dianteiras e traseiras, mas anda! E está funcional, o esfíncter funciona. Era uma coisa que há quatro anos não acontecia”.

O tecido nervoso regenera-se?

Segundo António Ferreira, “explica-se porque existem interconexões e o tecido do sistema nervoso tem propriedades próprias. Uma delas é a neuro-plasticidade, uma capacidade de voltar a regenerar-se. Durante anos dizia-se que o tecido nervoso não se regenerava, mas não é verdade. Regenera-se, mas é preciso provar isso”.

Para ver essa regeneração temos de ir a nível celular e em medicina humana já existem vários estudos. “Em veterinária estamos a tentar fazer, mas numa base clínica, ou seja, através dos nossos doentes. O que não permite que se estude mais profundamente, porque não é em laboratório. A verdade é que a eficácia, em estudos com estatística, aponta para 87% a 94% de funcionalidade”, explica Ângela Martins. “Há muitas variáveis e temos de continuar a estudar, a publicar a nível internacional”.

“Isto do tecido nervoso é engraçado”, avança António Ferreira, “porque as células nervosas não regeneram. Se nós os três formos três células nervosas, cada um faz uma função. Se eu (tecido nervoso) morrer, vocês as duas que são células que têm funções distintas, que não as minhas. O que a Ângela consegue fazer é colocar vocês as duas a fazer as funções que já faziam mais as minhas, que já não sou capaz porque morri. Funcionalizando. É este o trabalho dela”.

Milagres que não são milagres

“Consigo através de repetições para ensinar o sistema nervoso e depois fazer a memorização”, explica Ângela Martins. “Mas isto tudo não chega. Podemos ensinar e o sistema nervoso vai fazer correntes não controladas, que é o que acontece com pessoas com Parkinson e Alzheimer. Têm movimentos que são bons, mas são descoordenados. Então temos de modelar o movimento e no cão isso torna-se complexo porque temos de modelar o movimento com os movimentos torácicos. Isto porque têm uma locomoção quadrúpede, o que se torna tudo ainda mais complexo. Estamos a conseguir milagres, que não são milagres. Os milagres não têm justificação e isto tem tudo uma justificação, mas o caminho ainda é muito longo”.

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