O Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), criado pelo Governo em maio deste ano, entrou hoje em vigor, mas as dúvidas persistem. Por um lado, a questão do registo e de quem o paga, e por outro, as queixas das juntas de freguesias de que vão perder receitas caso deixe de ser obrigatório o pagamento de licença nas autarquias. A VETERINÁRIA ATUAL falou com a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e com Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) para esclarecer ainda (mais) dúvidas.
O SIAC foi criado com o objetivo de responsabilizar os detentores de animais e prevenir o abandono. Resulta de uma fusão das anteriores bases de dados, há muito defendida pela Ordem dos Médicos Veterinários: o Sistema de Identificação de Caninos e Felinos (SICAFE), criado em 2003, e o Sistema de Identificação e Recuperação Animal (SIRA). O primeiro era gerido pela DGAV e o segundo pelo Sindicato Nacional de Médicos Veterinários (SNMV).
A gestão da nova base de dados SIAC será efetuada por uma entidade privada (a mesma que geria o SIRA, ligada ao SNMV). Mas, para tal, o animal tem de estar registado. Este registo é pago e tem um custo definido por lei, para os anos de 2019-20, de 2,5 euros. Deste valor, 85% servirá para pagar o trabalho da entidade privada e os restantes 15% (0,375 euros) serão entregues à DGAV.
Explica esta entidade: “A gestão da base de dados SIAC será efetuada por uma entidade privada, assim, de acordo com o ponto 3 da referida Portaria, o valor da taxa é de 15% do valor referido no ponto 1 (0,375 euros). O detentor pagará ao médico veterinário que lhe regista o animal no SIAC esta taxa e o serviço de registo na base de dados, valor que varia consoante o número de registos que o médico veterinário adquiriu previamente à entidade gestora da base de dados.”
Surge aqui a primeira questão – há uma “economia de escala” no que diz respeito à compra de registos? A resposta é sim: “Correto, existe economia de escala na aquisição de acessos à base de dados SIAC, com o valor da taxa sempre de 0,375 euros”, explica Pedro Vieira, chefe de identificação, registo e movimentação animal da DGAV. Isto porque, de acordo com a entidade, “os médicos veterinários têm de comprar acessos de registo (primeiro registo do animal), cujo preço varia consoante a quantidade adquirida de cada vez”. O que não varia, esclareceu Pedro Vieira, é o valor da taxa.
Colocação de microchip é “ato clínico”
Segundo o bastonário da OMV, Jorge Cid, tal já acontecia com o SIRA: os veterinários compravam créditos no SIRA para realizar os registos. O mesmo sucede agora com o SIAC. Tal, acredita, não implica uma disparidade, embora admita que “os veterinários com menos clientes acabam por pagar mais”.
Por outro lado, há a perspetiva do detentor, já que é pouco provável que os clientes paguem apenas o valor do registo. Segundo Jorge Cid, nem tal seria expectável, já que o registo implica quase sempre (exceto em animais já microchipados) a colocação de um microchip, o que significa que “está a ser realizado um ato médico-veterinário”, ato esse que, diz o bastonário, “não é tabelado, à semelhança de outros procedimentos obrigatórios, como a vacina da raiva”.
Jorge Cid acrescenta: “Cada um cobra o que quer. O veterinário já pagava quando comprava créditos e pagava a taxa, taxa essa que debita ao cliente, mas também debita o seu trabalho. Não se trata só do registo, há a aplicação do microchip, que é um ato clínico, e ainda o trabalho de preenchimento de base de dados.”
Questionado se será justo para os detentores pagarem 25 ou 60 euros pelo mesmo procedimento, o bastonário responde: “É evidente que seria salutar haver um parâmetro consensual no País, mas nem podemos sequer sugerir o preço que cada médico veterinário vai cobrar.” Além disso, diz, as condições nas clínicas podem ser diferentes, assim como o trabalho requerido por cada animal durante a colocação de microchip (Os gatos podem exigir sedação, por exemplo, o que levou a OMV a sugerir uma alteração à proposta inicial do Governo, que previa a colocação do microchip até 90 dias depois do nascimento ou de presença em território nacional. A OMV contrapôs com seis meses, por forma a coincidir com o período em que muitos animais são esterilizados e, consequentemente, anestesiados, ou seja, altura ideal para se colocar também o chip. O Governo não aceitou, mas cedeu, e a lei em vigor prevê agora 120 dias.).
Contudo, para os detentores de cães já microchipados e com licenças válidas emitidas pelas autarquias, mas que não tenham sido registados nas plataformas existentes, a DGAV vai realizar gratuitamente o registo. Para tal, basta que o detentor envie uma cópia da licença ativa para o anterior endereço eletrónico do SICAFE, que continua ativo (sicafe@dgav.pt).
A questão das licenças é exatamente outro dos focos da polémica. Primeiro, surgiram queixas das juntas de freguesia de que iriam perder receitas, já que, segundo a DGAV, o novo registo do SIAC iria eliminar a necessidade, para alguns animais, de se fazer o registo e pagamento de licença nas juntas de freguesia. Para alguns animais, mas não todos. Ainda segundo a DGAV, “existem outras licenças que continuam em vigor: por exemplo são obrigatórias as licenças para os cães potencialmente perigosos e perigosos, de acordo com o Decreto-Lei n.º 315/2009”.
Mas, voltando às juntas de freguesia. Enquanto a DGAV defende que a necessidade de licenciamento se mantém apenas para os cães potencialmente perigosos e perigosos, a Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) emitiu ontem, 24 de outubro, um parecer que dava conta de que a nova legislação não implicaria o fim do licenciamento anual obrigatório para cães de companhia. Foi Pedro Cegonho, presidente da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), quem veio hoje esclarecer a questão, em declarações ao jornal Público. Afinal, as dúvidas só serão esclarecidas numa portaria que coincidirá com o início dos trabalhos da atual legislatura, ou seja, o caso só vai ser totalmente clarificado pelo novo executivo, depois de ouvir a Anafre sobre a matéria.
Em declarações à VETERINÁRIA ATUAL, Jorge Cid confirmou que a situação “não é clara”, mas garantiu que a OMV “vai fazer todo o lobbying possível para que essa obrigação [de pagar licença] desapareça”. Segundo o bastonário, “já havia juntas de freguesia que não cobravam licenças por opção própria”.
“Pessoalmente, tenho feito campanha há anos para acabar com licenças. Se não têm verbas, as juntas de freguesia têm de propor ao Governo a transferência de verbas. Questiono até que execução é que as juntas de freguesia fizeram do dinheiro que recebiam com as licenças, se foi algo aplicado em benefício dos cães ou qualquer outra intervenção no espaço público”, questiona.
Microchips só vendidos a médicos veterinários
Ainda segundo o bastonário da OMV, a Ordem teve duas grandes lutas ao longo de todo o processo: não só a defesa da fusão das duas bases de dados que deram origem ao novo SIAC, mas ainda que o processo de colocação de microchip seja obrigatoriamente realizado por médicos veterinários. Outra reivindicação, que Cid espera ver respondida já em 2020 pelo novo Executivo, é a colocação em decreto-lei de que os microchips terão de ser seriados e só vendidos a médicos veterinários. “Temos garantia de que será implementada em 2020, não houve tempo para implementar a medida agora”, explicou o bastonário.
Recorde-se que, de acordo com o decreto-lei que estabelece as regras de funcionamento do SIAC, “os cães, gatos e furões nascidos após 25/10/2019 devem ser marcados com microchip e registados no SIAC até aos 120 dias de idade. Os cães nascidos antes de 1 de julho de 2008, que não eram obrigados a estarem identificados eletronicamente, têm 12 meses para regularizar a identificação e registo no SIAC. Os gatos e furões nascidos antes de 25/10/2019 têm 36 meses para regularizar a identificação e registo no SIAC”.
Em caso de incumprimento, as multas podem ir até 3 740 euros para as pessoas singulares e até 44 890 para coletivas. Já o valor mínimo é das sanções previstas é de 50 euros.