As campanhas de esterilização são fundamentais para a redução de ninhadas indesejadas e para um maior controlo da acumulação de animais errantes. Mas ainda não existe uma estratégia única que permita modificar o panorama do País. Por outro lado, a burocratização de candidaturas por parte dos municípios a verbas para promover este procedimento e a consequente sensibilização dos detentores também leva ao adiar da resolução deste problema que é nacional.
As recomendações para a realização de campanhas de esterilização de animais de companhia já não são propriamente uma novidade. O PAN apresentou no início de novembro de 2020 uma nova recomendação especificamente para os animais de companhia em Lisboa e defende, em comunicado, que na cidade, “apenas os que são abrangidos pelo programa CED (Capturar, Esterilizar e Devolver) beneficiam deste apoio, deixando outros de fora. Porém, outros municípios, como por exemplo em Sintra, através de regulamento, entendem executar programas de apoio social a famílias de estratos sociais desfavorecidos, promovendo uma articulação com os serviços da Segurança Social local e com as entidades e instituições que integram a rede social”.
Lembre-se que o grupo municipal do PAN tinha apresentado, em fevereiro de 2018, a recomendação 12/2019 com o intuito de ser criado um hospital veterinário, também em Lisboa, para auxiliar os detentores que comprovadamente auferissem de baixos rendimentos nos tratamentos médico-veterinários dos seus animais de companhia. Esta estrutura deveria ainda responder às necessidades das associações de proteção animal com sede na área do município de Lisboa que não têm por atribuições a prestação de cuidados médico-veterinários. “O hospital municipal, entre outras valências, permitiria acautelar a esterilização de animais de companhia, atribuindo ao município um maior controlo sobre a sua densidade populacional, em estreita articulação com a Casa dos Animais de Lisboa”, defendia o grupo.
Antes da proposta do PAN, já a Provedoria dos Animais de Lisboa debatia estas questões. “Em 2018 e 2019, já tínhamos feito recomendações neste sentido que tinham sido aprovadas, nomeadamente, a criação de um hospital veterinário municipal e de uma campanha de sensibilização e de esterilização que decorre da própria lei 27/2016 regulamentada pela portaria 146/2017”, explica à Veterinária Atual, Marisa Quaresma dos Reis, provedora municipal dos animais de Lisboa. A 27 de fevereiro de 2018, foi também realizada uma recomendação à Câmara Municipal de Lisboa (CML) pela implementação de um serviço municipal público porque a provedora sabia que a autarquia não estaria sensível para a criação de uma nova estrutura. Prefere então falar de “um serviço nacional público assente na aplicação de taxas mais reduzidas ou tendencialmente gratuitas destinada a associações de proteção animal, famílias carenciadas e até ao socorro de animais em situação de negligência médica como forma de combate ao abandono e redução drástica de animais doentes”, sublinha.
  Marisa Quaresma dos Reis defende a criação de “um serviço nacional público assente na aplicação de taxas mais reduzidas ou tendencialmente gratuitas destinada a associações de proteção animal, famílias carenciadas e até ao socorro de animais em situação de negligência médica (…)”
A provedora municipal não esconde a frustração. “Até hoje, nada aconteceu”, comenta. E acrescenta: “O provedor tem um papel muito importante na sensibilização da comunidade, nas pontes que estabelece entre a autarquia e a sociedade civil e se for bem aproveitado pela própria autarquia tem o poder de coadjuvar no desenvolvimento de políticas de bem-estar animal. Se não for esse o caso, acaba por tornar-se num cargo sombra e sem grande utilidade. Se os pareceres e as recomendações não são tidos em conta – e esse é o grande papel do provedor – o cargo deixa de fazer sentido.”
Desafio constante
As campanhas de esterilização já são uma realidade em muitos municípios do País. “Em Vila Nova de Cerveira existe um regulamento para um regime especial de esterilização de animais de companhia em que o município suporta na totalidade o procedimento dos animais retirados da rua e para os quais se encontra depois um detentor e também aqueles que pertencem a agregados com carência económica. Esse regulamento foi publicado a 9 de maio de 2017 em Diário da República e nessa data não havia apoio à esterilização por parte do Ministério da Agricultura, como aconteceu em 2019 e 2020. Era uma ideia suportada pela Câmara Municipal com base na legislação em vigor e nas recomendações da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV)”, esclarece Ricardo Lobo, presidente da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM).
Mas este não é caso único. Muitos outros municípios têm realizado campanhas semelhantes. “É uma decisão que cabe a cada município que decide fazer as suas próprias campanhas concretizando-as de variadas formas”, explica o responsável que tem vindo a acompanhar esta situação. “De facto, o grosso das esterilizações que suportamos em Vila Nova de Cerveira são através de uma associação de proteção animal que faz a recolha dos animais, o encaminhamento e todo o procedimento. E, depois, o dinheiro é-lhes entregue sobre a forma de um subsídio. Não existem muitas pessoas a requerer este apoio de forma individual e fica muito aquém do que poderia ser”, defende, criticando a burocracia das candidaturas como principal entrave. Considerando que as campanhas de esterilização são positivas porque além de suportar os procedimentos incentivam os detentores a esterilizar os seus animais, defende que “o que se pretende no futuro e que é diminuir as ninhadas indesejadas e de animais errantes”, explica.
Para Susana Santos, médica veterinária municipal da Amadora, todas as contribuições para a minimização da problemática do controlo das populações e dos animais errantes são bem-vindas. Neste município, existe desde 2018, a possibilidade de esterilização e obtenção de consultas gratuitas para cães e gatos pertencentes a famílias com carências económicas, no âmbito de um protocolo de colaboração celebrado entre o município e a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal (LPDA). O referido protocolo inclui outras valências de colaboração, designadamente, as esterilizações de animais pertencentes ao Centro de Recolha Oficial de Animais do Município da Amadora (CROAMA), bem como colaboração na gestão das colónias de gatos assilvestrados, no âmbito dos programas CED/RED.
“A esterilização ajuda a evitar eventuais abandonos e indiretamente pode contribuir para a diminuição do número de animais que deambulam nas artérias dos municípios. O que ainda não é consensual é eventualmente aplicar aos cães os programas CED que se aplicam aos gatos. Por lei, os programas CED não se aplicam aos cães. A lei prevê que os municípios promovam a recolha de cães, mas, efetivamente, os municípios não têm capacidade para acolher todos os cães”, salienta a médica veterinária. Na prática, a aplicação dos programas CED aos cães “não resolve os problemas de saúde e segurança públicas, apenas minimizará a procriação dos animais que se encontram em estado de abandono”. Considera, no entanto, que esterilizar os cães não chega. “É preciso encontrar uma estratégia integrada, para a resolução da questão da sobrepopulação, no âmbito de um programa, a nível nacional.”
É preciso encontrar uma estratégia integrada, para a resolução da questão da sobrepopulação, no âmbito de um programa, a nível nacional” – Susana Santos, médica veterinária municipal
As campanhas de esterilização resultarão num menor número de nascimentos, mas uma medida avulsa não conseguirá obter os resultados necessários para a resolução alargada do problema. “A questão da sobrepopulação de animais nas vias públicas nacionais carece de um controlo integrado, em que a esterilização é apenas uma das medidas”, assinala Susana Santos, defendendo a realização de campanhas nacionais para promover a adoção responsável e promoção da esterilização. “Terá de existir ainda mais sensibilização nas escolas de todo o País, promovendo o bem-estar animal e preparando as gerações futuras para terem uma visão diferente de como tratar os animais. Mas, também, promover ações de sensibilização para esterilização e fortalecer as ações de fiscalização ativa e passiva, por parte das autoridades policiais”, afiança. Marisa Quaresma dos Reis tem uma opinião unânime no que respeita à necessidade de investir muito na educação dos mais novos. “Aí sim teremos uma campanha de sensibilização eficaz porque chega aos pais e aos avós.”
Campanhas de esterilização devem ser nacionais
No passado dia 6 de julho de 2020, foi publicado um despacho pelo governo que determinava a constituição de um “Grupo de trabalho para o bem-estar animal” com o objetivo de avaliar a implementação da Lei n.º 27/2016, relativa aos centros de recolha oficial de animais e a proibição de abate de animais errantes, e da lei n.º 69/2014 de 29 de agosto, que visa a criminalização de maus-tratos a animais, proteção aos animais e alargamento dos direitos das associações zoófilas. O grupo integra um representante da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) para coordenação do grupo, da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), da Procuradoria-Geral da República (PGR), da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) e da LPDA como representante das associações de proteção animal. Maria do Céu Sampaio, presidente da LPDA tem participado nas reuniões deste grupo. “Quanto a situação de Santo Tirso aconteceu, saiu em decreto, a criação deste grupo de trabalho para identificar as necessidades que havia em todo o País e quantos animais se encontram em todas as câmaras municipais e fazer um levantamento e um estudo da situação atual do País para promover uma campanha de sensibilização a nível nacional em que os parceiros principais são os centros de recolha oficial”, diz.
Com base na realização de inquéritos a todas as associações de proteção animal e às câmaras municipais, será redigido um documento que reúne o consenso para a tal campanha nacional. “Ao longo da experiência de 30 anos, já me tinha apercebido que o governo não tem uma noção clara da real dimensão do problema. O PAN tem tido um papel importantíssimo na medida em que está dentro dos projetos mas quando apresenta algumas propostas, os outros partidos, que desconhecem a realidade do País, muitas vezes, votam contra. Criar este grupo de trabalho foi importante porque veio dar força àquilo que temos vindo a afirmar desde há muitos anos e penso que pode vir a mudar a situação”, refere a presidente da LPDA.
Ao longo da experiência de 30 anos, já me tinha apercebido que o governo não tem uma noção clara da real dimensão do problema” – Maria do Céu Sampaio, LPDA
A médica veterinária Susana Santos também tem alguma esperança que este relatório do grupo de trabalho contribua para “minorar os problemas decorrentes da sobrepopulação animal, mediante o estabelecimento de uma estratégia nacional para os animais errantes”.
Para o bastonário da OMV, Jorge Cid, o que se pretende é que o governo disponibilize verbas às câmaras municipais para serem aplicadas nestas campanhas de esterilização. “Caso contrário, vão ser obrigadas a tirar do seu orçamento camarário municipal uma verba que, para muitas, já está no limite e que faz falta noutros lados.” Além da maior sensibilização para a causa animal por parte de alguns autarcas, a questão monetária é sempre um entrave. “O problema tem sido sempre o mesmo. Há municípios que conseguem fazer grandes campanhas através do seu próprio orçamento porque têm muito dinheiro, mas esta não é a realidade universal de todo o País. Há outros que não estão tão sensibilizados para esta causa e aqueles que, mesmo estando, não têm verbas para alocar a esta matéria.”
O problema tem sido sempre o mesmo. Há municípios que conseguem fazer grandes campanhas através do seu próprio orçamento porque têm muito dinheiro, mas esta não é a realidade universal de todo o País” – Jorge Cid, bastonário da OMV
Mais recentemente, foi aprovada no parlamento, a 24 de novembro de 2020, uma proposta do PAN que prevê a transferência de 10 milhões de euros para a administração local para apoiar os canis e a esterilização de animais a partir do próximo ano. A medida, votada em sede de especialidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), determina que “o governo transfira para a administração local a verba de dez milhões de euros, sendo sete milhões para investimento nos centros de recolha oficial e no apoio para melhoria das instalações das associações zoófilas legalmente constituídas”.
Da verba a transferir, 1,8 milhões de euros são para melhorar a prestação de serviços veterinários de assistência a animais pertencentes a famílias carenciadas e associações zoófilas, através de protocolos com os hospitais veterinários universitários. “Nós já estamos habituados a que sejam anunciadas medidas que muitas vezes não se concretizam. O que defendemos é que é preciso desburocratizar um pouco esta matéria porque o que as câmaras municipais alegam é que o processo de candidatura é extremamente burocrático e que não compensa o trabalho tendo em conta que as verbas são muito exíguas”, comenta Jorge Cid. Maria do Céu Sampaio corrobora esta afirmação e é da opinião que “as câmaras municipais não podem ser todas tratadas de igual maneira. Os grandes municípios têm um maior número de abandono. Ou seja, nestes casos, vão receber maiores verbas para esterilização, mas isso não é correto porque as grandes cidades têm mais poder económico ao contrário das pequenas aldeias em que as autarquias não têm forma de suportar estes procedimentos. E, nesses casos, na minha opinião, as verbas são tao pequenas que as mesmas nem chegam a concorrer”.
Relativamente à criação de um hospital veterinário municipal em Lisboa, o bastonário considera que não faz sentido ter uma estrutura local, sublinhando o interesse de desenvolver medidas equiparadas em todo o país. “Se houver vontade política para implementar as medidas que OMV advoga como as mais adequadas a nível nacional, os cães abandonados vão constituir uma situação residual até daqui a dez anos. E depois, gasta-se imenso dinheiro com estas estruturas megalómanas para não funcionarem e não terem utentes. Acho que é muito mais lógico que se invista dinheiro na esterilização maciça com várias campanhas e com verbas distribuídas democraticamente por todos os concelhos e por todas as clínicas inscritas a nível nacional através do cheque veterinário, estando os médicos veterinários disponíveis para dar o seu trabalho pro bono para uma causa que é de todos”, defende.
Ricardo Lobo tem dúvidas quanto à ideia da criação de um hospital municipal. “Um hospital veterinário tem muitas despesas e gastos e precisa de uma gestão muitíssimo criteriosa. Já o nosso Serviço Nacional de Saúde para medicina humana tem as insuficiências que se conhecem… No limite, não consigo encontrar uma solução que tivesse essa pretensão e que correspondesse a um serviço de qualidade porque isso é extremamente caro e não estou a ver o Estado a fazê-lo e com uma abrangência nacional.”
O que também já propus em várias sedes é que, de futuro, se capitalize a atuação das associações e que todas elas fossem aglomeradas numa única instituição regulada, que respeitassem um código de honra e não fomentassem a cultura do ódio” – Ricardo Lobo, ANVETEM
Apesar de considerar que a esterilização é uma das medidas mais importantes para evitar ninhadas indesejadas, Ricardo Lobo alega que a sensibilização para uma detenção responsável é a uma medida essencial para diminuir o número de animais errantes. “Uma pessoa consciencializada e sensibilizada para uma detenção responsável não precisa que lhe expliquem os benefícios da esterilização. Mas há que ter em consideração que as pessoas adotam por impulso, são disponibilizados cães e nem se aferiu se os candidatos têm as condições ideais e competências para a detenção de um animal, o que só perpetua o ciclo da desresponsabilização”, defende.
Na opinião de Marisa Quaresma dos Reis, “a esterilização não é uma intervenção inócua. Não é a melhor, é a menos má pois estamos a interferir na função biológica do animal, o que levanta muitas questões morais, mas obviamente que quando a alternativa é ter animais a nascer nas ruas, a serem atropelados, a acabarem em canis para o resto da vida e a adoecerem, a esterilização é necessária e vai reduzir muito o número de animais que provavelmente iriam viver nestas condições, o resto da vida”.
Para Rodrigo Livreiro, presidente da direção da Animalife, “o risco de doença a que os animais não esterilizados estão expostos, nomeadamente do aparecimento de tumores, contribui de forma significativa para aumentar o número de abandono nas clínicas veterinárias ou a acumulação despesas médico-veterinárias por liquidar, sobretudo quando os agregados familiares não têm capacidade financeira para tratar convenientemente os seus animais”. A associação, acrescenta, “luta diariamente para diminuir este tipo de situações”.
Com dois programas de apoio social dirigidos diretamente a uma população mais fragilizada, nomeadamente, o apoio a famílias em situação de carência económica comprovada e a pessoas em situação de sem-abrigo com animais a cargo, a Animalife presta ajuda com alimentação animal e procedimentos médico-veterinários, como a desparasitação, a vacinação, a esterilização e a identificação eletrónica. “No fundo, o objetivo passa por ter uma vertente animal-social, procurando apoiar, não só os animais, mas também as famílias por eles responsáveis, contribuindo para a sua capacitação e apoiando no acesso aos recursos sociais existentes”.
Uma das áreas onde esta associação também atua é com os designados “acumuladores de animais” e, nesse sentido, a Animalife coopera “em conjunto com os médicos veterinários municipais e com os delegados de saúde, sinalizando os casos e definindo uma estratégia que permita encontrar as melhores formas de garantir o bem-estar dos animais que estas pessoas têm a cargo, ao mesmo tempo que informa os serviços sociais para a necessidade de acompanhamento psicológico destes indivíduos”, salienta Rodrigo Livreiro.
A pandemia de covid-19: que impacto nas adoções e no abandono?
Nos últimos meses de 2020, o número de pedidos de ajuda à Animalife disparou e chegou por várias vias: “Por parte de associações que viram os seus donativos cair e as suas reservas de ração esgotar; por parte de cuidadores de colónias que ficaram sem meios para alimentar os animais a seu cargo; por parte de pessoas comuns que, de um dia para o outro, se viram sem trabalho e deixaram de conseguir assegurar a alimentação e os cuidados médico-veterinários dos seus animais de companhia”. Foi preciso procurar soluções alternativas para apoiar quem depende de ajuda. Rodrigo Livreiro considera fulcral a esterilização “para diminuir o número de ninhadas indesejadas que tanto contribuem para o aumento do número de animais abandonados, para reduzir o risco de doença e melhorar o comportamento animal”, sublinha.
Rodrigo Livreiro considera que a esterilização é essencial “para diminuir o número de ninhadas indesejadas que tanto contribuem para o aumento do número de animais abandonados, para reduzir o risco de doença e melhorar o comportamento animal”
Marisa Quaresma do Reis denotou que houve um aumento das adoções durante o confinamento. “Muitas associações até foram muito criteriosas por terem medo de ser uma adoção por impulso e de conveniência e que deixasse de fazer sentido para o adotante depois do confinamento. Não senti que houvesse em Lisboa um receio de contágio de covid-19 por parte dos animais de companhia até porque a OMV esclareceu muito bem as pessoas e os detentores sobre a eventual capacidade e contágio por parte de cães e gatos a seres humanos.” Mas, denota, o aumento de problemas no campo de saúde mental e de índole financeira que muitas famílias acabaram por vir a sofrer.
Especificamente no município da Amadora, não se tem sentido um acréscimo do número de cães abandonados. “Aliás, as adoções de animais (cães e gatos) no CROAMA mais que duplicaram no ano de 2020. O desafio é estarmos em constante mudança e adaptação, adequando o nosso trabalho à realidade pandémica, à semelhança de outras profissões que carecem de trabalho em equipa, e que, como lidam com vidas, não pode parar”, assinala Susana Santos. A medicina veterinária não se coaduna com a solução de teletrabalho. Pontualmente, o município teve de lidar com casos de internamento de pessoas com covid-19 e teve de agilizar no sentido de recolher os animais para o CROAMA, tomando os devidos cuidados.
Da parte da OMV, foi feito um trabalho para orientar os CAMV a nível nacional no que respeita às medidas de higienização e segurança decorrentes da luta contra a pandemia e as clínicas apenas adiaram os procedimentos não urgentes e que foram retomados quando se começou a desconfinar dando prioridade às situações de urgência. “Correu tudo bem. Demos assistência e auxílio a todos os animais que precisaram dela, quer a nível de grande porte, quer de pequenos animais”, garante Jorge Cid.
Por outro lado, o bastonário da OMV também denota que houve mais pedidos de adoção durante o primeiro Estado de Emergência e o primeiro confinamento. “As pessoas estavam mais em casa, mais sensibilizadas e com mais tempo para ter um animal.”
É urgente regulamentar a atividade das associações protetoras dos animais
Também no que respeita ao papel das associações defensoras do bem-estar e dos direitos dos animais, a opinião é unânime. “As associações têm o seu lugar e têm feito um trabalho muito meritório. Mas é preciso que sejam regulamentadas e uniformizadas. Não podemos ter a atuação anárquica e desregulada que temos tido até aqui, a maioria delas, com pouquíssima transparência na sua atuação, nomeadamente, no que respeita à angariação de donativos. O que também já propus em várias sedes é que, de futuro, se capitalize a atuação das associações e que todas elas fossem aglomeradas numa única instituição regulada, que respeitassem um código de honra e não fomentassem a cultura do ódio”, defende Ricardo Lobo.
Confessa que o panorama não é o mais positivo para quem vive a medicina veterinária diariamente. “As pessoas que trabalham nas associações fazem-no por altruísmo e, muitas delas, sem qualquer formação em bem-estar animal e com a melhor das intenções, amontoam-se animais uns em cima dos outros em espaços exíguos e depois temos uma série de situações que vão desde a abrigos que não cumprem os requisitos de bem-estar animal a casos como os que tristemente conhecemos, como foi o caso de Santo Tirso e outros que por aí há”, sublinha.
O sistema que a OMV também defende é semelhante ao que existe em Inglaterra em que há uma espécie de movimento que reúne as várias associações e que se pauta por regras comuns para que trabalhem de forma correta. “O caso de Santo Tirso veio destapar um pouco o véu de muitas associações que ainda existem no País, que trabalham menos bem e que têm de ser orientadas e recicladas. Mas há muitos casos como o de Santo Tirso em Portugal”, defende Jorge Cid. “O que nós advogamos é que haja uma espécie de elencar de todas as associações existentes no país e que se crie um conjunto de diretivas de funcionamento de maneira a que todas possam prestar o melhor auxílio possível a esta causa. A própria OMV está disponível para fazer ações de formação a todas as associações que realmente queiram trabalhar bem”, deixa como sugestão.
*Artigo publicado originalmente na edição de dezembro de 2020 da VETERINÁRIA ATUAL.