As otites são uma causa muito frequente de recorrência a consultas de dermatologia e o seu tratamento depende da informação correta por parte do médico veterinário, mas também daquilo que o tutor conseguir fazer em casa. Todos os passos são importantes para evitar recidivas, que também são comuns.
Os maiores avanços em otologia veterinária têm acontecido ao nível dos exames complementares de diagnóstico, como a crescente integração da vídeo-otoscopia com a tomografia computorizada (TAC). Quem o afirma é Diana Ferreira, especialista em dermatologia, diplomada pelo Colégio Europeu Dermatologia. Estas ferramentas e equipamentos têm sido cada vez mais acessíveis na medicina veterinária e têm “revolucionado a abordagem a doenças auriculares, especialmente em casos de otite crónica ou recorrente”, acrescenta a também dermatologista do Hospital Veterinário do Porto, Onevet Group. A opinião é corroborada por Carolina Mesquita, DMV, ESAVS full program, PhD student e responsável pela PeloVet – Serviço de Dermatologia Veterinária que considera que tem havido uma grande mudança nos últimos anos sobretudo no que respeita a estes exames, incluindo também a ressonância magnética (RM), que ajudam “a diagnosticar e saber como abordar e tratar a otite”.
Além do maior acesso a estas técnicas, Carolina Mesquita tem notado uma maior disponibilidade por parte dos tutores, “não só financeiramente, como psicologicamente, para avançar com os exames que são necessários”. Estão também “cada vez mais consciencializados sobre a necessidade de tratar os seus animais e mais predispostos a gastar mais dinheiro porque entendem que alguns exames são essenciais para chegar a alguns resultados, diagnósticos e tratamentos”.
Esta constatação é uma realidade também no Brasil. Cristiane Bazaga Botelho, sócia proprietária da Otoderme (Otologia e Dermatologia Veterinária), professora do curso de pós-graduação em Dermatologia Veterinária na Faculdade Qualittas e Anclivepa, em São Paulo, e coordenadora do curso avançado de Otologia em pequenos animais na Anclivepa, explica à Veterinária Atual que o país está muito evoluído nesta área de otologia. “Temos equipamentos avançados de otoscopia, o que permite uma maior visualização das orelhas.”
  “Existem muitos medicamentos no mercado como antibióticos e antifúngicos que permitem tratar as otites externas e cada vez mais apostamos na educação adequada e continuada dos tutores” – Cristiane Bazaga Botelho, Otoderme
A gestão eficaz da otite crónica requer uma investigação diagnóstica aprofundada, na qual o uso de técnicas de imagem é fundamental. “A TAC permite avaliar com precisão a extensão e a gravidade da otite, identificando, por exemplo, a afetação do ouvido médio, e detetando alterações que podem, inclusivamente, ter impacto no prognóstico daquele quadro auricular, como alterações ósseas profundas nas estruturas auriculares, que são impossíveis de detetar com os exames clínicos normais”, explica Diana Ferreira. Por sua vez, a vídeo-otoscopia, complementa “a TAC ao permitir uma visualização direta e detalhada do canal auditivo, possibilitando não apenas uma avaliação precisa, mas também intervenções terapêuticas imediatas que vão desde a remoção de material exsudativo até à gestão de condições como a otite média ou lesões nodulares auriculares, previamente identificadas pela TAC”, sublinha.
Em conjunto, as duas técnicas tornam-se indispensáveis para o diagnóstico e o tratamento de patologias auriculares complexas, permitindo uma abordagem mais precisa e direcionada, assinala a dermatologista veterinária. E esta combinação é crucial para o sucesso na gestão das otites crónicas e outras condições auriculares, o que permite uma melhoria dos resultados clínicos.
Sérgio Alves, diretor clínico do Hospital Veterinário de Gaia também destaca a TAC e a RM para a identificação de otites médias e internas, mas também, de massas. “A miringotomia eletiva tem sido cada vez mais utilizada para aceder ao ouvido médio, permitindo a colheita de amostra para análise tanto bacteriológica, como citológica. Em termos cirúrgicos, procedimentos como a remoção de pólipos, massas ou ablação do canal auditivo tornaram-se cada vez mais comuns”, explica. Concorda com as colegas quando refere o vídeo-otoscópio como uma ferramenta frequente de diagnóstico e para intervenções menos invasivas. “Por fim, está em estudo uma pesquisa sobre terapia genética, que utiliza a sequenciação de nova geração direcionada ao rDNA 16S e primers qPCR para o tratamento de patologias congénitas”.
Segundo Diana Ferreira, existem vários estudos sobre a prevalência de otites em cães e gatos. “A otite externa (OE), em particular, é uma das condições mais comuns diagnosticadas em cães. A prevalência varia dependendo do estudo e da população analisada, mas em geral estima-se que nos cães ronde entre 5% a 7%.” No entanto, adianta a médica veterinária, alguns estudos sugerem que a prevalência pode ser ainda mais alta, chegando a 20%. Esta percentagem é também indicada por Cristiane Bazaga Botelho que explica que apesar de não existir nenhum estudo específico de prevalência da doença no Brasil, baseado na sua casuística e naquilo que é validado em literatura mundial, o país segue “o mesmo caminho de outros e tem uma média de casos de otites de 20% em atendimentos numa clínica não especializada”. Em clínicas especializadas em dermatologia, “essa casuística sobe absurdamente porque atendemos muitos animais alérgicos e a grande maioria desses animais tem otites como uma das manifestações da doença alérgica”. Acrescenta ainda que cerca de 75% cães alérgicos vão desenvolver otites.
Carolina Mesquita também não cita nenhum estudo específico, mas ao dedicar-se apenas à dermatologia veterinária refere que “30 a 40% dos casos que recebe em consulta são otites”. No que respeita aos casos que lhe são referenciados, a percentagem sobre para 90%. “Nem sempre recebo primeiras otites, mas sim otites de repetição, ou seja, que foram tratadas e são recidivantes.”
Nos gatos, Diana Ferreira assinala que a prevalência de OE tende a ser significativamente menor em comparação aos cães. “A maioria dos estudos aponta para uma prevalência em torno de 3% na população felina.” Estes dados sublinham a importância da vigilância, destaca, “especialmente em animais com condições subjacentes que predisponham para a OE, e do diagnóstico precoce na prevenção de complicações graves, particularmente em cães, onde a condição é mais prevalente”.
No caso das otites externas, “as consultas de reavaliação/rotina são muito importantes para a manutenção de um conduto auditivo saudável. Estes animais requerem sempre um tratamento de manutenção auricular para atrasar as recorrências”, explica Diana Ferreira, especialista em dermatologia
Principais causas
Os cães têm mais problemas de pele do que os gatos e o mesmo acontece no que respeita às otites e isto pode estar “relacionado com a morfologia do pavilhão auricular ou as raças de cães que têm a orelha descaída ou caída e que impede o canal auditivo de respirar”, explica Carolina Mesquita. Outra das causas é a atopia canina, um dos problemas mais frequentes para o desenvolvimento de otites, sublinha. Falamos sobretudo de causas primárias que, se não forem tratadas, podem conduzir à recidiva das otites. Só controlando a causa primária é que é possível ter êxito na prevenção e no tratamento de esta doença. “Por mais que os tutores tenham o hábito de limpar os ouvidos do animal, se a causa primária não for tratada, a otite vai desenvolver-se.” Também o hipertiroidismo em gatos e o hipotiroidismo em cães leva ao aparecimento de otites.
Existem inúmeras causas de OE e fatores predisponentes, explica Sérgio Alves, “como a configuração anatómica (conduto estrito e pequeno canal estenosado, excesso de pelos e orelhas caídas), humidade e temperatura excessiva, irritações iatrogénicas, obstruções por tumores ou pólipos, doenças sistémicas. E, também, uma série de fatores determinantes como sejam corpos estranhos (espigas), parasitas (Otodectes, Demodex, Sarcoptes), bactérias, dermatofitos, Malassezia pachchydermitis, hipersensibilidades (atopia, alergia por contacto, alergia alimentar, endocrinopatias (hipotiroidismo, tumor das células de sertoli, desequilíbrio ovárico)”. Também as doenças autoimunes, como o pênfigo foliáceo, o pênfigo eritematoso, o lúpus eritematoso ou sistémico, a alergia a fármacos, os vírus, a celulite juvenil, os problemas de queratinização, as seborreias, a leishmania e as neoplasias facilitam o desenvolvimento de microrganismos dentro de conduto auricular, acrescenta.
“Nos cães, as causas mais frequentes de otite estão associadas a dermatites alérgicas, principalmente a dermatite atópica e, em menor grau, a alergia alimentar. Embora a alergia alimentar seja uma causa menos comum entre as alergias, ambas podem predispor o animal ao desenvolvimento de inflamações auriculares crónicas”, explica Diana Ferreira. As dermatites alérgicas são responsáveis por uma grande parte dos casos de OE que surgem diariamente na prática clínica. Nos gatos, segundo a veterinária, as causas primárias de otite estão relacionadas com “ectoparasitas, especialmente a otoacariose causada por Otodectes cynotis. No entanto, na consulta de especialidade, raramente surgem casos de otoacariose, uma vez que este problema é geralmente diagnosticado e tratado pelo médico veterinário generalista”.
Em consultas especializadas, surgem com maior frequência casos de OE crónica, frequentemente associada a pólipos auriculares. “Além disso, embora menos comum do que nos cães, os gatos também podem desenvolver otites secundárias a dermatites alérgicas, embora a prevalência seja consideravelmente mais baixa”, explica a especialista em dermatologia.
Também Cristiane Bazaga Botelho refere que a dermatite atópica “é a campeã” entre as causas das otites em cães e denota que “os gatos apresentam otites externas mais parasitárias do que alérgicas em comparação aos cães”. Relativamente à otite média e interna “existe uma comunicação anatómica entre a orelha média e a orelha interna. Quando surge uma inflamação na orelha média, a evolução da doença ascende para a orelha interna e, a partir daí, o animal pode desenvolver alterações neurológicas, como a síndrome vestibular periférica, o nistagmo, entre outras”, acrescenta.
Uma vez que também a médica veterinária trabalha exclusivamente com dermatologia recebe casos referenciados por muitos colegas dermatologistas e também de neurologistas. “Tenho uma casuística muito alta de otite média e interna, com um animal que tem uma otite externa crónica e, por uma questão de pressão, a mesma perfura o tímpano, esse conteúdo chega à orelha média, causa uma inflamação local, ou uma via primária, muitas vezes em braquicefálicos que desenvolvem uma otite média primária e que é silenciosa até desenvolver alterações neurológicas.” A veterinária realiza uma média de 30 otoscopias por mês e considera que o maior conhecimento sobre esta área – até para os colegas veterinários – traz uma maior elucidação, um melhor diagnóstico e em encaminhamento / tratamento mais corretos.
Três classes de otites recidivantes
Por Carolina Mesquita
1 | A otite que dura há dois, três meses, é feito o tratamento e o animal não responde – “Neste caso, podemos estar perante uma resistência bacteriana ao antibiótico, que é cada vez mais frequente e temos de tirar uma amostra e enviar para laboratório para confirmar essa suspeita.” Essa é uma otite que se perpetua no tempo, mas que nunca melhorou, pois, o tratamento que está a ser utilizado não está a ser eficaz nem é o mais indicado.
2 | A otite que recidiva passadas duas semanas – O tutor até identifica uma melhoria, mas o animal tem uma recaída na semana seguinte, e isto significa que o antibiótico prescrito estava a funcionar, mas foi utilizado durante pouco tempo. “Ou seja, as bactérias ainda presentes no ouvido começaram a multiplicar-se e, passado um tempo, a otite reinstala-se. Pode acontecer o tutor parar a administração do antibiótico quando achou que o animal já estava bem.” É sempre importante fazer uma reavaliação antes de se terminar o tratamento para confirmar se está tudo bem e que foi possível matar todas as bactérias do ouvido.
3 | A otite que recidiva passados três ou quatro meses – “Nesse caso, se o ouvido respondeu bem ao tratamento e o animal esteve bem durante esse tempo, já estamos perante uma otite diferente, nem sequer estamos a falar dos mesmos microrganismos e bactérias da classe anterior”. Podemos estar perante uma otite que deriva das tais causas primárias referidas neste artigo ou devido à morfologia do pavilhão auricular – que está muito fechado, extenuado, que tem pólipos, neoplasias, etc. “Aqui, não temos um problema de tempo de tratamento ou de interrupção do mesmo, mas sim de outras questões e causas a resolver.”
Como diagnosticar?
A abordagem diagnóstica da OE varia consoante o caso seja agudo ou crónico. “Nos casos agudos, é essencial realizar um exame auricular completo, incluindo uma otoscopia para avaliar o estado do conduto auditivo e observar o tipo e a quantidade de material ceruminoso ou exsudativo presente”, explica Diana Ferreira. Todos os veterinários entrevistados para este artigo referem a citologia como essencial para identificar e valorizar complicações secundárias. Só assim se podem tomar “as melhores decisões terapêuticas”. É através da citologia que é possível identificar o microrganismo presente no ouvido e que pode ser indicativo para a escolha do melhor tratamento.
“Não aconselhamos a que o tratamento seja interrompido antes de reavaliarmos o animal. Se estiver tudo bem, focamo-nos só nas causas primárias, se existirem. Habitualmente, os tutores são cumpridores e estão mais consciencializados” – Carolina Mesquita, Pelovet
As otites externas crónicas, por seu lado, necessitam sempre de técnicas de imagem como a TAC ou a RM “de modo a identificar possíveis fatores que possam estar efetivamente a perpetuar a otite, como a otite média, ou massas como o colesteatoma, pólipos, adenomas/adenocarcinomas de ceruminosas, entre outras”, explica. Nestes casos, “também é comum a realização de culturas microbiológicas, não só porque há necessidade de tratamento sistémico, mas também porque este tipo de otites envolve com muito maior frequência infeções com bactérias muito menos previsíveis em termos de respostas antibioterápicas”.
A lavagem auricular, idealmente realizada com recurso a vídeo-otoscópio, no caso da otite média assume também um papel fulcral, explica Diana Ferreira, “já que permite uma remoção completa do material exsudativo e uma avaliação muito detalhada do ouvido. A sua utilização ajuda na remoção do biofilme e acelera muitíssimo a resposta terapêutica.
Nos cães, a otite média ocorre frequentemente como consequência de otites externas crónicas ou recorrentes, sendo uma complicação comum nesses casos”. Nos gatos, no entanto, salienta a médica veterinária, “a otite média é normalmente a consequência de quadros respiratórios crónicos, podendo ocorrer sem manifestações clínicas evidentes e, em muitos casos, não é infeciosa”. A otite interna já surge como uma complicação grave e uma extensão da otite média. “A sua prevalência é significativamente menor, ocorrendo com muito menos frequência do que a otite média e a otite externa.”
Sérgio Alves explica que, regra geral, “o diagnóstico da OE é efetuado com recurso a otoscopia e o exame do canal auditivo, citologia e, em alguns casos, cultura bacteriológica”. O tratamento é realizado “com limpeza do canal auditivo e o uso de medicamentos tópicos, como antibióticos, antifúngicos e corticosteroides. Tão importante quanto o tratamento, é o controlo de fatores predisponentes”.
No que respeita à otite média, que o médico veterinário define como a inflamação da ampola timpânica, o que dificulta o tratamento tópico, e como “uma complicação de otites externas não tratadas ou tratadas de forma inadequada”, o diagnóstico pode ser mais complexo e exigir “imagiologia avançada, com recurso a TAC e a RM, para além da otoscopia miringotomia e recolha de amostra citológica”. O tratamento, por sua vez, “inclui antibioterapia (sensível na cultura), corticoterapia e, quando necessário, ablação do canal auditivo”.
É mais fácil diagnosticar uma otite externa do que interna. E o mesmo acontece com o tratamento. Carolina Mesquita defende que, passada uma a duas semanas do diagnóstico, é preciso fazer uma reavaliação. “Não aconselhamos a que o tratamento seja interrompido antes de reavaliarmos o animal. Se estiver tudo bem, focamo-nos só nas causas primárias, se existirem. Habitualmente, os tutores são cumpridores e estão mais consciencializados.” O facto de as otites serem dolorosas e incómodas pode ser mandatório para a escolha do tratamento mais adequado. Há que ter mais cuidado com eventuais tratamentos num ouvido que esteja em dor e sofrimento. Primeiro, há que fazer essa avaliação. Caso contrário, a escolha não será eficaz.
Diana Ferreira assinala três pilares principais para o tratamento da OE: limpezas do conduto, controlo da inflamação e maneio da complicação secundária, seja ela bacteriana ou fúngica com um produto adequado ao organismo envolvido. “As limpezas dão conforto ao animal, removem o material ceruminoso/exsudativo e têm capacidade antissética sendo sempre mantidos mesmo após resolução da infeção.” No que respeita à otite média, requer “a realização de uma lavagem auricular e quase sempre uma antibioterapia sistémica baseada nos resultados da cultura de ouvido médio”.
Cristiane Bazaga Botelho acrescenta que a OE é tratada topicamente, mas que o mais importante é entender os quadros dermatológicos, dar algumas explicações ao tutor e traçar um plano de tratamento. “Eu, em particular, trabalho com otoscopia e o caminho que faço é literalmente através da orelha externa, acesso o tímpano através de um procedimento de perfuração timpânica chamado de miringotomia, coleto material da orelha média para aliviar a pressão nessa região e direcionar o tratamento da otite média e interna.” Uma otite média e interna pode piorar, chegar até às meninges, ao Sistema Nervoso Central, e o prognóstico ser muito mais reservado, alerta.
Nos vários cursos que Cristiane dá, tenta formar os seus alunos para não negligenciarem estes quadros otológicos e para que seja dada a atenção necessária, de forma a conseguir ter uma melhor visualização através de equipamentos adequados. “Existem muitos medicamentos no mercado como antibióticos e antifúngicos que permitem tratar as otites externas e cada vez mais apostamos na educação adequada e continuada dos tutores”, refere.
Como prevenir?
“A consulta de rotina deve sempre incluir o exame do ouvido externo e a otoscopia”, defende Sérgio Alves, diretor clínico do Hospital Veterinário de Gaia. Na profilaxia é indispensável prevenir a recorrência e assegurar a saúde auditiva dos cães e gatos. “É essencial gerir a produção excessiva de cerúmen e eliminar as impurezas do canal, sendo assim importante garantir a manutenção da higiene do canal auditivo, com limpezas regulares com produtos otológicos específicos para o animal e recomendados pelo médico veterinário.”
Para além disso, o controlo de condições alérgicas e parasitárias são vitais “para diminuir a inflamação e, consequentemente, a suscetibilidade a otites.” Por isso, as consultas de acompanhamento tornam-se fulcrais para a aplicação destes conceitos profiláticos e para a sensibilização do tutor, ao mesmo tempo que permitem uma adequada avaliação da saúde.
As otites recidivantes
Os tratamentos dermatológicos podem ser um pouco “ingratos”, refere Carolina Mesquita, porque o tratamento depende muito do tutor e do que ele conseguirá fazer em casa. “Podemos ter casos de tutores que ao terceiro, quarto dia, veem melhorias, param o tratamento, e a doença acaba por reaparecer e também temos os tutores que não viram melhorias na primeira semana e que pararam o tratamento porque achavam que não estava a fazer efeito.” Esta falta de adesão à terapêutica pode ser um entrave ao sucesso terapêutico e pode ditar as otites recidivantes. “Se o tutor não conseguir aplicar o tratamento, temos de arranjar um esquema de vir à clínica e de perceber o que é fazível para aquele tutor e aquele animal. Por vezes, pode não ser o ideal, mas há que perceber o que é possível das circunstâncias de cada tutor e animal.”
Esta opinião é partilhada com Cristiane Bazaga Botelho. “É muito importante olhar o animal como um todo, pensar na doença primária, explicar ao tutor que a otite é uma doença da pele e que faz parte, muitas vezes, da manutenção de longa data. Isso tem de ficar muito claro para que o tutor possa voltar à consulta e entenda que a orelha pode ficar inflamando quando lidamos com situações incuráveis e que precisa de manutenção.”
“Os tutores devem estar sensibilizados para a deteção de sinais de alerta básicos de doença otológica, como a presença de vermelhidão, secreções anormais ou alteração no odor” – Sérgio Alves, Hospital Veterinário de Gaia
As otites recorrentes são muito frequentes e estão normalmente associadas “a uma deficitária gestão da doença de base da otite. É uma realidade comum em cães em que a alergia não está adequadamente gerida, nos quais não há um tratamento antialérgico imunomodulador instituído de forma a manter a condição sob controlo”, explica Diana Ferreira. A inflamação persistente cria um círculo vicioso: “O ambiente do canal auditivo torna-se mais favorável à proliferação de microrganismos, o que agrava ainda mais o quadro inflamatório. Com o tempo, estas infeções repetidas e a inflamação crónica provocam alterações estruturais nos tecidos auriculares como a calcificação dos tecidos periaurais, hiperplasia ou proliferação dos tecidos e o desenvolvimento de estenose”, sublinha. Em casos mais avançados, a inflamação crónica pode conduzir a uma infeção por “bactérias altamente resistentes e lesivas, como Pseudomonas, à perfuração da membrana timpânica, e ao desenvolvimento de otite média, complicando ainda mais o tratamento”.
É importante que os tutores sigam rigorosamente as orientações do seu médico veterinário, especialmente nas fases de manutenção, cujo objetivo é evitar a recorrência da otite, assinala Diana Ferreira. “Também é essencial, em animais com especial predisposição para o desenvolvimento de otites educar o tutor a estar atento a sinais de desconforto auricular e possível otite”, diz. Algumas raças têm uma especial tendência para o rápido desenvolvimento de otite média, como é o caso do buldogue francês. “Nesses casos, é crucial que a educação do tutor comece desde as primeiras consultas do cachorro, enfatizando o risco de desenvolvimento de dermatite atópica e otites associadas.” No caso de animais alérgicos com especial tendência para o desenvolvimento de OE, “as consultas de reavaliação/rotina são muito importantes para a manutenção de um conduto auditivo saudável. Estes animais requerem sempre um tratamento de manutenção auricular para atrasar as recorrências”.
As otites recorrentes surgem em alguns casos do Hospital Veterinário de Gaia e os principais motivos são a utilização de tratamentos inadequados – por falha no diagnóstico citológico, ou terapia por curtos períodos de tempo, que impedem resolução total da infeção. “Para além disso as infeções com bactérias multirresistentes, como a pseudomonas aeruginosa, são um desafio na eliminação total da carga bacteriana e, portanto, um fator de repetição”, salienta Sérgio Alves. O deficiente controlo dos fatores predisponentes, como as alergias, pode levar também à recorrência de otites. Para manter os ouvidos de cães e gatos saudáveis, “é fundamental manter a higiene do canal auditivo, recorrendo limpezas com produtos específicos e adequados ao animal”, acrescenta o médico veterinário.
Cristiane Bazaga Botelho explica que é muito comum surgirem tutores no consultório que se queixam e comentam “que ninguém consegue curar a otite do seu cão”. Na verdade, essa otite pode não ser curável, mas administrável ou gerida, explica. “Temos uma fase reativa, quando o animal está em crise e temos de olhar para ele como um todo, fazer a citologia, a otoscopia, tratar a orelha externa, administrar a pele, entender qual é a doença de base [se for alérgica temos de fazer triagem alérgica] e quando esse animal retorna à consulta, temos de perceber como fazer a manutenção das orelhas. Muitas vezes, isso é feito com medicação tópica, corticoides e eventualmente anti-inflamatórios locais.”
O grande segredo da Otologia, na opinião de Cristiane Bazaga Botelho, é antecipar e pensar nos animais que precisam de manutenção e nos que ficam num círculo vicioso de “inflamar / desinflamar, o que pode causar alterações irreversíveis, como orelhas proliferativas, tecido fibrótico dentro do conduto (calcificação), e que pode encaminhar o animal para cirurgia. Daí que a correta informação ao tutor seja muito importante”.
Sérgio Alves acrescenta que “os tutores devem estar sensibilizados para a deteção de sinais de alerta básicos de doença otológica, como a presença de vermelhidão, secreções anormais ou alteração no odor”. O controlo “da desparasitação, das condições ambientais a que o animal está exposto, de doenças concomitantes e uma boa nutrição são também imprescindíveis para a manutenção da saúde”, conclui.
*Artigo publicado na edição 186, de outubro, da VETERINÁRIA ATUAL