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Animais de Produção

Mastites bovinas sob controlo, mas ovinas e caprinas preocupam

Mastites bovinas sob controlo, mas ovinas e caprinas preocupam
“Há sempre espaço para melhorar, mas sabemos que a taxa de mastites nas vacas leiteiras se tem reduzido”, assegura-nos Adelaide Pereira, presidente do Conselho Português para a Saúde do Úbere (CPSU). Já a situação nos ovinos e caprinos de leite ainda preocupa os médicos veterinários com quem falámos, havendo muito trabalho a fazer.

A incidência de mastites em vacas de leite tem vindo a reduzir gradualmente, resultado de muito trabalho dos médicos veterinários dedicados à qualidade do leite, em conjunto com os produtores, desde há muitos anos, e cujos frutos agora são evidentes. Claro que o facto de a indústria pagar diferenciadamente o leite de acordo com a sua qualidade, analisada pelo contraste leiteiro e, nomeadamente, o número de células somáticas, também não é alheio a esta situação.

Todavia, com as mastites infeciosas sob controlo, as ambientais começam a ganhar relevância, alerta a presidente do Conselho Português para a Saúde do Úbere (CPSU): “Elas já existiam, mas agora têm margem para se desenvolverem porque já não temos as outras.”

 

Quanto às ‘armas’ para combater as mastites, tanto Adelaide Pereira (também da Segalab), como Ricardo Bexiga (da Serbuvet) salientam a importância das vacinas, mas também, mais recentemente, da possibilidade de fazer culturas microbiológicas na própria vacaria (on-farm cultures). “É um sistema fácil de usar, fiável e rápido, permitindo ao produtor avançar rapidamente com o protocolo estabelecido pelo médico veterinário”, afirma Ricardo Bexiga, acrescentando: “E esse protocolo implica, cada vez menos, o uso de antibióticos porque sabemos que as taxas de cura nas mastites moderadas são idênticas com e sem antibiótico.” Isso beneficia também o produtor, porque assim grande parte do leite pode ser utilizado, adianta o médico veterinário.

Confiança é fator-chave

 

A médica veterinária – abordando um dos temas dos Encontros Ibéricos de Qualidade do Leite, que decorreram em maio, a par da Conferência Anual do CPSU – salienta que: “Para se conseguir implementar um programa de qualidade do leite a confiança é o fator-chave. Tenho explorações que estão há 18 anos comigo e a minha visita já é uma rotina, mas para se iniciar temos de definir objetivos exequíveis pelo produtor.”

Mastites bovinas sob controlo, mas ovinas e caprinas preocupam

 

Para a redução das mastites no setor dos bovinos de leite, a presidente do CPSU salienta a importância da vacinação, a mudança no maneio, imposta pelas leis de bem-estar animal da União Europeia, mas também pela própria indústria, e a formação aos colaboradores, nomeadamente no uso correto das máquinas de ordenha. Mais recentemente, as on-farm cultures ajudam igualmente a detetar o problema muito mais precocemente e, consequentemente, a resolvê-lo também mais rapidamente, quase sempre sem recurso a antibióticos, com menores consequências para a saúde do animal e para o produtor, em termos económicos.

Adelaide Pereira refere também à VETERINÁRIA ATUAL que “o aumento de ordenhas robotizadas tem sido uma vantagem muito grande, porque a vaca é ordenhada quando quer, mais vezes por dia e, principalmente, elimina-se o fator humano, contribuindo assim para uma menor incidência de mastites”.

 

Deficitários em leite de ovelha e cabra

Luís Pinho, da SVA – que trabalha há muito em programas de qualidade do leite em bovinos –, tem sido agora chamado a aplicar a sua experiência nos pequenos ruminantes. O médico veterinário salienta que “todo o leite que existe é absorvido, porque somos altamente deficitários em leite de ovelha e cabra”, e adianta que a taxa de mastites ainda é elevada, por isso é importante haver incentivos para os produtores mudarem o seu maneio e apostarem na prevenção desta doença e redução das células somáticas.

Luís Pinho cita o exemplo da Queijaria Guilherme, de Serpa, com quem tem trabalhado. Antes das campanhas, tem sido feito um trabalho de limpeza e afinação das máquinas de ordenha, bem como de formação aos colaboradores sobre a sua utilização de forma correta.

Foram feitos também workshops sobre o melhor maneio e regras de bem-estar, que ajudam igualmente a baixar a incidências de mastites. A queijaria paga depois diferenciadamente o leite dos produtores incluídos neste ‘programa’ e com menor contagem de células somáticas.

O médico veterinário sublinha que “tem de ser feito um trabalho específico para os pequenos ruminantes, mesmo separadamente para ovinos e caprinos, porque não podemos transpor muito do conhecimento e tecnologia dos bovinos para os pequenos ruminantes porque são espécies diferentes, com fisiologias e secreções diferentes”.

Mas, em todos os casos, os fatores a considerar são idênticos: ambiente, bem-estar animal, máquina de ordenha, rotina de ordenha e epidemiologia e imunidade de cada animal.

Células somáticas: valor indicativo alto

Quanto às células somáticas dos pequenos ruminantes, Luís Pinho explica que “o valor indicativo são 1,5 milhões de células somáticas, mas este valor tem sido discutido”, por ser considerado demasiado alto.

A Queijaria Guilherme paga melhor o leite com menos de um milhão de células e o médico veterinário afirma que “nas ovelhas deveria ser abaixo de 750 mil células, isso já é um rebanho bom”. Quanto aos caprinos, defende que esse valor deve estar abaixo de um milhão, “idealmente também abaixo de 750 mil”.

Já Rita Cruz, médica veterinária da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da Estrela (ANCOSE), diz que os maiores problemas têm surgido em quem optou por máquina de ordenha, uma fatia ainda curta de produtores, na sua zona.
Já Ana Rita Simões, médica veterinária coordenadora da Associação de Agricultores do Campo Branco, refere que “aqui as explorações de caprinos de leite ainda trabalham de forma muito ‘caseira’ e como o leite não é pago de forma diferenciada, os produtores não têm incentivo para apostarem na qualidade, mas esse é o nosso objetivo”.

Animais de carne também têm mastites

Ricardo Bexiga lembra que as mastites não afetam só os ruminantes de leite, mas também os de carne, “com consequências sobre os vitelos, borregos ou cabritos, embora a incidência nos animais de leite seja francamente maior pelos fatores de risco serem muito mais elevados: há maior densidade, estão num ambiente confinado, mais sujeitos a agentes infeciosos”.

O médico veterinário frisa que, igualmente, do ponto de vista metabólico são muito diferentes porque, principalmente no caso das vacas, elas são selecionadas para a produção de leite. E acrescenta: “A produção de uma vaca de leite hoje em dia daria para alimentar dez vitelos, vai muito além da natureza, por isso as exigências metabólicas são enormes e os animais ficam mais frágeis.”

Ricardo Bexiga defende que “há espaço de manobra para o uso seletivo dos antibióticos”, mas alerta: “Os produtores têm de estar preparados para a secagem seletiva.”

Produtores apostam na prevenção

Do lado dos produtores, o presidente da Associação de Produtores de Leite de Portugal (APROLEP), Jorge Oliveira, assegura que: “Cada vez mais o próprio produtor de leite tem necessidade de apostar na prevenção, para cumprir as exigências da União Europeia (UE) em termos de bem-estar, mas também para ter maior rentabilidade, porque a indústria exige muito mais do que está determinado pela EU.” O limite máximo permitido é de 400 mil células somáticas, mas “a indústria está a trabalhar com 200 mil, por isso as mastites são um problema a que os produtores estão muito atentos”, adianta o responsável.

Durante muitos anos foram implementados programas de qualidade do leite e hoje existem explorações em que o médico veterinário já não tem de fazer um acompanhamento contínuo a esse nível, que apostam na vacinação e têm um índice reduzido de mastites, afirma Jorge Oliveira, mas “ainda há algumas vacarias que têm de recorrer a estes programas”.

Mastites bovinas sob controlo, mas ovinas e caprinas preocupam

O presidente da APROLEP afirma ainda que “no tratamento das mastites são usados cada vez menos antibióticos, porque há uma enorme restrição, mas, principalmente, porque assim o leite pode ser aproveitado e as margens são tão curtas que se não se for eficiente no final não sobra nada”. Oliveira conta que as normas de bem-estar animal têm ajudado muito na melhoria das condições de vida dos animais e, consequentemente, na redução de doenças, salientando que: “Isso é evidente na redução da venda de medicamentos na cooperativa de que faço parte [Trofa / Santo Tirso].”

Serpa: grande redução dos ovinos de leite

Voltando aos pequenos ruminantes, a VETERINÁRIA ATUAL falou com Paulo Orelhas, por indicação da coordenadora veterinária do ADS de Serpa, Ana Luísa Pereira, por ter clientes produtores de ovinos de leite. Porém, o médico acabou por dizer que já não trabalha com ovinos de leite, porque estão quase a desaparecer na região. “Há cerca de 20 anos, estes animais rondavam os 20 mil e hoje o número andará pelos 3 500”, pondo em perigo, nomeadamente, a produção de Queijo DOP Serpa.

Daí a decisão da Queijaria Guilherme de trabalhar com os produtores, valorizando o leite pela sua qualidade e assegurando assim a produção daquele produto certificado da região.

No Campo Branco, também há trabalho a ser feito: “Estamos a começar a fazer trabalho de qualidade do leite nos caprinos, com produtores mais jovens, que se preocupam com esta questão e já nos enviam o leite mensalmente para fazer contagem de células somáticas”, diz Ana Rita Simões. Estes produtores realizam trabalho de maneio e bem-estar, além de formação do uso da máquina de ordenha, mas a médica veterinária reconhece que há ainda “muito trabalho pela frente”.

Também Rita Cruz, da ANCOSE, fala em muito caminho a percorrer, mas salienta que, como os produtores da região ainda são muito artesanais, “os problemas não têm sido muito graves”, adiantando que os maiores casos têm surgido em quem já tem máquina de ordenha. “Tenho mesmo alguns casos fora de controlo, em que já fiz de tudo, mas o problema é que são máquinas que não são submetidas a monitorização”, explica.

A médica veterinária refere, todavia, que “os produtores estão muito mais sensíveis para este problema”. Apesar disso, acredita que a indústria deveria começar a incentivar a melhoria da qualidade do leite para que a situação pudesse melhorar de forma significativa.

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