Se é verdade que os cães podem ajudar os seus tutores a lidar com o stresse no local de trabalho ou em situações traumáticas, os tribunais dos Estados Unidos da América já os utilizam até como apoio emocional para as vítimas, especialmente em casos mais complicados, como o abuso sexual de menores ou outros crimes violentos.
No início deste mês, dia 1 de julho, entrou em vigor no Colorado a lei HB19-1220, mais conhecida como a ‘lei de Pella’, que permite a utilização de cães de apoio às vítimas durante os seus testemunhos em tribunal.
Pella é uma cadela arraçada de golden retriever e labrador que trabalha como cão de apoio emocional nos tribunais estado-unidenses desde 2012. Até ao momento, é o único animal a prestar estes serviços no estado do Colorado, mas a lei que entrou agora em ação pretende encorajar a utilização de animais como Pella nas instalações judiciais.
A cadela trabalha em Arapahoe, proporcionando conforto às vítimas – especialmente menores de idade – quando estas são interrogadas pelos investigadores, juízes ou advogados. O seu modus operandi é tão enternecedor quanto eficaz: Pella deita-se aos pés das testemunhas enquanto estas prestam os seus depoimentos, ajudando a acalmá-las e facilitando o seu relato dos acontecimentos.
“Ela não é uma mascote. É um cão de serviço que faz com que as pessoas sorriam ao vê-la, talvez porque pensam na forma como se ligam aos seus próprios animais de estimação”, disse Amber Urban, responsável por Pella e investigadora do Distrito Judicial 18 do Colorado, citada pela publicação Animal’s Health. Segundo Urban, o treino da cadela custou 60 mil dólares.
A lei, que foi aprovada em maio deste ano, permite que cães treinados por organizações acreditadas participem nos julgamentos e outras instruções judiciais desde que “não causem distrações” e não influenciem “impropriamente o juiz”, que nunca vê os animais. Trata-se de uma lei diferente da que permite a presença de cães de assistência nos tribunais e que é regulada por leis federais, destinando-se ao auxílio de pessoas com deficiência.
Num gesto simbólico, Amber Urban e Pella estiveram presentes quando a lei foi assinada e aprovada.
Já em 2017, o estado da Califórnia havia aprovado uma lei que permite cães de apoio emocional junto das testemunhas em tribunal. Um desses cães ficou recentemente debaixo dos holofotes mediáticos – Raider, o primeiro e único cão do género em Riverside County, na Califórnia, que esteve presente no julgamento de David e Louise Turpin, o casal estado-unidense que ficou conhecido pelos piores motivos e cuja sentença foi conhecida em abril deste ano. Sentenciados a prisão perpétua, David e Louise torturaram e abusaram de 12 dos seus 13 filhos, declarando-se culpados em fevereiro num caso que chocou o mundo.
A história foi acompanhada pelos órgãos de comunicação social dos dois lados do Atlântico, mas foi Raider quem consolou os filhos do casal durante a investigação e quando estes tiveram de testemunhar em tribunal em frente aos pais. Tal como Pella, o labrador foi treinado pela instituição Canine Companions for Independence.
“Raider é capaz de usar o treino que recebeu na Canine Companions for Independence para se sentar calmamente aos pés das crianças ou adultos que tenham de recordar pormenores dolorosos em frente a uma sala repleta de estranhos”, disse à Fox News Erin Lennox, um dos tratadores do cão. “Colocamo-lo calmamente ‘debaixo’ do púlpito e deixamo-lo fazer o seu trabalho. É um cachorro intuitivo e já observámos crianças pequenas que colocam gentilmente os seus pés em cima ele e que se seguram ao seu colete enquanto falam das suas experiências traumáticas”, acrescentou.
No caso Turpin, foi uma das crianças do casal que perguntou se o cão poderia estar presente durante o seu testemunho em tribunal.
A utilização de cães de apoio emocional em tribunais nos EUA e Canadá já é testada desde 2003, mas o seu uso tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Segundo a Courthouse Dogs Foundation, em Washington, citada pela agência de notícias Associated Press (AP), em 2018 existiam mais de 155 cães “de instalações judiciais”, que trabalhavam em 35 estados estado-unidenses, comparativamente a 41 cães em 19 estados em 2013.
No entanto, apesar da aprovação destas leis, nem todos dentro do sistema judicial apoiam a utilização de cães de serviço. Na verdade, muitos juízes e advogados de defesa são contra, por considerarem que aumentam imediatamente a credibilidade da vítima e causam preconceitos contra os arguidos. “Acho que distrai os jurados do seu trabalho, que é determinar a verdade do testemunho. Tende a implicar ou a inferir que houve alguma vitimização. Tende a engendrar simpatia. É altamente prejudicial, disse Christopher Decker, um advogado de defesa de Denver que se opõe à medida, citado pela AP.
Apesar das críticas, pelo menos oito estados dos EUA tinham em 2018 leis que permitiam a utilização de cães para conforto emocional de crianças e outras testemunhas vulneráveis nos tribunais. A aprovação de leis semelhantes estava pendente em mais quatro estados, incluindo o Colorado, cuja aprovação chegou em maio.
Porém, a utilização destes animais é também limitada pela dificuldade em integrar novos cães na tarefa, não só pelo custo e duração do treino, mas também porque, diz Amber Urban, responsável por Pella, estes são cães muito especiais. São “cães com olhos que veem desde a alma”, disse. “Ela [Pella] proporciona conforto e amizade num sistema em que estas coisas tipicamente não existem.”