As boas práticas para abordar um conflito exigem “coragem e foco no processo”, sendo condição essencial que “ambas as partes estejam verdadeiramente interessadas em encontrar uma solução que sirva, acima de tudo, o ‘animal primeiro’, pilar de qualquer negócio veterinário”.
O conflito é parte integrante da vida dos seres humanos e, por isso, a sua existência “não é prejudicial, antes pelo contrário, promove o crescimento e desenvolvimento”, salienta Alexandra Seixas. Neste sentido, a professora auxiliar da Universidade Lusófona e CEO do Grupo EdenVet argumenta que a anulação ou a inexistência do conflito “não seriam de modo algum benéficas quer para os indivíduos, quer para as organizações”.
Nos centros de atendimento médico veterinários (CAMVs), conflitos com clientes “existem todas as semanas, desde pequeníssimas ocorrências em que não se corresponde exatamente à expetativa do cliente, até a situações mais graves que chegam a gerar reclamação formal”, especifica Ricardo Almeida, diretor-clínico da Clínica Vet Póvoa, em Póvoa de São Martinho do Bispo (Coimbra). Já conflitos na equipa “ocorrem ocasionalmente, mas são muito mais complicados de resolver. Isto porque os seus membros têm de trabalhar em conjunto durante muito tempo, em ambiente potencialmente stressante”, acrescenta.
Atentando, como exemplo, ao caso da Torres Pet – Clínica Veterinária, em Torres Novas, Clara Ferreira explica que “na equipa que temos neste momento existem muito poucos conflitos; todas as situações que possam causar problemas tentam ser antecipadas e as que não são, são facilmente resolvidas entre todos em conversa ou reunião”.
Quanto aos clientes, aquilo que geralmente ocorre, de acordo com a diretora-clínica, são “questões pontuais de gestão de expectativas, principalmente aquele dono que acha que fazemos milagres e no fim o animal morre”. Nestas situações “tentamos sempre antecipar porque geralmente são alturas em que o cliente está muito emotivo e torna-se difícil explicar que tinha expectativas demasiado altas para o caso”. Outro motivo que termina em conflito com frequência é “a falta de pagamento, esta geralmente depois de uns telefonemas acaba no advogado”, revela Clara Ferreira.
A origem dos conflitos
Os conflitos gerados com os clientes, de acordo com Ana Amaral, consultora de gestão e negócios da VetBizz Consulting, “devem-se principalmente a falhas de comunicação e falta de empatia com o cliente”. Porém, “a falta de tolerância e/ou paciência no atendimento” são outros dos fatores que podem potenciar cenários difíceis.
Quanto à equipa existem diferentes motivos para o conflito. Ana Amaral destaca “a falta de diálogo como base para a iniciação dos conflitos, seguido por divergências na visão da gerência e da restante equipa, em que o conflito é mais hierárquico e leva muitas vezes à falta de reconhecimento”. Associado a este problema, o estilo de liderança de cada diretor-clínico tem um peso significativo na resolução ou minimização deste problema. “É empírico que um estilo de liderança autocrático não funciona. Fazer reprimendas em público e elogios em privado é contraproducente. Ambos devem ser medidos e acautelados”.
Porém, há também no seio da equipa conflitos derivados “da falta de confiança no trabalho dos colegas, da rotatividade permanente da equipa, dos conflitos interpessoais, da falta de espírito de equipa e de grupo sociais que se formam em equipas maiores, sendo que a gerência se apercebe da sua existência, mas por vezes não consegue, nem pode interferir”.
Por fim aponta-se a dificuldade na definição de tarefas e de funções específicas para cada colaborador. Ana Amaral indica que “os conflitos gerados por não haver um responsável por determinada tarefa levam a boa vontade de quem faz ao limite e a restante equipa não se apercebe ou não valoriza”. Nestes casos, “a anarquia instala-se e temos um membro da equipa desmotivado”.
O impacto
Os conflitos impactam o (bom) funcionamento do CAMV. “Sempre e quando os colaboradores não conseguem ultrapassar as suas diferenças, os confrontos resultantes destroem a produtividade, a qualidade de serviço e a capacidade de inovar e adaptar”, alerta a médica veterinária Elisabete Capitão, acrescentando que conflitos “mal resolvidos, ou varridos para baixo do tapete, minam não só os envolvidos, mas têm um impacto colateral minando todos os outros com atrasos, atos de sabotagem, tensão no trabalho, etc., que comprometem seriamente os resultados e levam à perda de outros colaboradores válidos que não querem fazer parte destes filmes”.
Já no respeitante aos clientes, os conflitos “cada vez mais têm um impacto superior com as redes sociais. Há um buzz digital desnecessário e quebras na notoriedade já criada. O impacto pode ser imediato, mas é uma questão de tempo para as pessoas esquecerem”, alerta Ana Amaral.
Saber gerir e solucionar conflitos é crucial. Neste sentido, a abordagem com os colegas e com os clientes deve ser distinta. Se, por um lado, no primeiro caso “a frontalidade e diálogo devem ser pontos primordiais, no segundo deve privilegiar-se a escuta ativa e manter a calma”, explica consultora da VetBizz Consulting, alertando que “é sabido que comportamento gera comportamento, por isso se nos apresentarmos stressados ou com um tom de voz mais agressivo, o cliente ou colega adotará a mesma postura. Assim sendo, independentemente do conflito, a calma, a escuta ativa e o discurso assertivo devem imperar”.
No que toca à resolução de conflitos com o cliente, para Ricardo Almeida “chamá-lo para uma conversa pessoal para tentar entender o seu ponto de vista, e resolver a questão o mais prontamente possível, consegue minimizar os estragos na grande maioria dos casos”. O médico veterinário acredita que “a formalização de procedimentos, e boas práticas de controlo de qualidade minimizam o conflito, evitando-o de forma natural”. São processos até muito simples. Por exemplo, “a formalização de estimativas de custos impede o cliente de reclamar o valor cobrado pelos procedimentos à posteriori. O cliente está cada vez mais informado e com a oferta brutal de serviços e produtos à sua disposição, tem vindo a ganhar poder negocial. O único problema que vejo no conflito é quando o cliente não tem qualquer tipo de razão”.
No grupo EdenVet foi mesmo criada a figura de ‘responsável pela gestão de conflitos e gestão de clientes’. Alexandra Seixas explica que “a pessoa responsável da gestão de conflitos recebeu formação em gestão interpessoal e em gestão. Pois tudo se resolve por um método ordeiro de trabalho e de abordagem ao problema”. Assim sendo, a CEO considera que “a arte da psicologia pessoal, na empatia pelo outro, cria os laços suficientes para todos se sentirem ouvidos e permite a responsabilização individual de cada um pelas suas ações diárias no local de trabalho”.
Reiterando que existem “situações suscetíveis de originar conflito no seio de uma organização, nomeadamente a interdependência de funções, regras mal definidas e diferentes perceções relativas à cultura da empresa”, Alexandra Seixas refere que “não há inconvenientes em ter uma pessoa focada na gestão de conflitos; aliás esta pessoa é fundamental para clarificar todos os movimentos que sejam estratégicos da empresa, estratégicos a nível de recursos humanos, ou sobre a abordagem na comunicação ao cliente”. Neste sentido, a médica veterinária defende que “os grandes problemas surgem quando existe a indefinição dos protocolos, dos processos e da cultura empresarial”.
Olhando para a parte prática, no Hospital Veterinário EdenVet “realizamos um work-lunch uma vez por semana para que toda a equipa se reúna e sejam levantadas as questões mais pertinentes. São de igual modo realizados testes individuais a cada colaborador de forma a aferir o estado de motivação, aspirações futuras, maiores receios atuais ou disponibilidade para abordar novas temáticas dentro da instituição. Sendo que existe alguma informação que é partilhada e outra que é confidencial”.
Prevenir para não remediar
As boas práticas para abordar o conflito exigem, no fundo, “coragem e foco no processo, mais do que no culpado ou conteúdo. É condição essencial que ambas as partes estejam verdadeiramente interessadas em encontrar uma solução que sirva, acima de tudo, o ‘animal primeiro’, pilar de qualquer negócio veterinário”, alerta Elisabete Capitão.
Mas mais do que remediar é preferível prevenir “um acompanhamento das expectativas dos colaboradores, promover bom ambiente de trabalho, nomeadamente com eventos de teambuilding ou almoços e/ou jantares regulares, e falar individualmente com os colegas sempre que se justificar são algumas formas de prevenir conflitos”, expõe Ana Amaral.
A consultora salienta ainda que “o líder nem sempre deve interferir em conflitos entre os colegas. Ao invés deverá observar e mediar ‘à distância’, de forma subtil, devendo interferir de uma forma mais ativa se considerar que o conflito está a elevar os níveis de tensão”. Por outro lado “é totalmente desaconselhável que o líder faça ‘queixinhas’ ou fale mal de um colaborador a um outro, pois nem sempre se conhece a verdadeira relação (trabalho/amizade) que une (ou não) ambos os colaboradores”, conclui.
Boas práticas
Elisabete Capitão aponta algumas boas prática a seguir para gerir um conflito:
– Contra factos não há argumentos. Rever todo o percurso do problema, retendo apenas factos e evitando pontos de vista pessoais ou emoções.
– Aprimorar o potencial da comunicação é crítico e valorizar o direito de expressão dos outros é ouro. Permita que as partes falem, sem interromper, emitir criticas ou ironias. Cuidado com a sua linguagem corporal que pode denunciá-lo e terminar com a negociação. Ninguém tem o monopólio da verdade, não presuma.
– Depois de escutadas as partes, resuma os factos e as consequências ou impacto no trabalho e negócio (uma vez mais com factos).
– Convide as partes a elaborar uma solução conjunta e termine com um compromisso e data de follow-up para retocar algum tema que seja necessário.
Prevenir conflitos
É importante compreender que toda e qualquer falta de harmonia no trabalho tem um motivo, “mesmo que pouco razoável, fútil ou fruto de mal-entendidos e falhas de comunicação”, refere Elisabete Capitão, acrescentando que “detetar sinais precoces é uma competência que conduz ao sucesso do negócio, mas prevenir alguns conflitos é possível e tornam as equipas mais flexíveis, ágeis e criativas”.
Como?
– Estabeleça expectativas claras: defina para onde quer ir com o seu negócio. Defina também como cada membro da equipa pode contribuir com a sua função. Não permita a frustração e para isso as expectativas devem estar alinhadas deste o primeiro dia.
– Adote boas praticas de comunicação: não existe tal coisa como excesso de comunicação e lembre-se que nada substitui uma conversa franca e assertiva. Partilhe informação de maneira imparcial, não desperdice o tempo das pessoas com reuniões recorrentes, não preparadas e sem objetivo de negócio. Saiba escutar e procure soluções sempre com ética e compromisso.
– Mantenha a coluna vertebral: é esperado de um líder que seja intolerante com atitudes destrutivas ou pouco corretas entre os membros da sua equipa. Dê feedback individual nesses momentos. Walk the talk. Dê o exemplo.
– Não ceda ao favoritismo: é assumido que existem colaboradores com os quais se simpatiza mais ou são de maior confiança porque fazem parte da equipa há muito tempo, mas isso não significa de que possa favorecer abertamente e esperar ser compreendido. Mais do que beneficiar um, fará os outros sentirem-se menosprezados e arruinará o trabalho em equipa.
– Evite a medida mais popular: encontrar uma solução para uma disputa requer tomar decisões, muitas vezes bem difíceis. Mantenha o pulso e dê razão a quem a tem. Não há motivos para usar a diplomacia, até porque isso é um ‘penso’ a curto prazo. Decida de forma justa, consistente e transparente baseando-se em factos e impacto no negócio e na sua missão.
Situações passíveis de gerar conflito
– A interdependência de funções – trabalhamos em equipa para gerar um serviço e, sem sequer notarmos, existem pequenas pedras na engrenagem que desafiam este trabalho: os nossos estilos de comunicação, muitas vezes tão diferentes que possibilitam mal-entendidos infindáveis; os julgamentos apressados e por vezes infundados, que fazemos acerca do carácter e competência dos nossos colegas e a forma como cada membro da equipa gere as suas emoções perante o stress, desacordos e conflitos.
– A indefinição das regras do jogo – grande parte do conflito advém daqui: total ausência de comunicação das regras de trabalho em equipa, das funções e expectativas para o trabalho de cada um, das normas de comportamento esperadas para manter os standards de serviço que se pretende e dos objetivos e rumo do negócio a curto e médio prazo.
– Os recursos – Frederick Herzberg, no livro “A Motivação para Trabalhar” – já falava de fatores higiénicos (condições físicas no ambiente de trabalho e ferramentas de trabalho) que por si só não motivam, mas a sua ausência ou má qualidade desmotivam um colaborador. O programa de gestão que está sempre a bloquear ou ir abaixo ou lento, o material que necessito para uma consulta que não está no lugar correto, a lâmina da máquina de tosquia que nunca corta, a não existência de uma tabela de preços definida, e tantos outros…E desmotivação é só um primeiro passo para esquecer o cliente e a qualidade de serviço e daí à propensão para o conflito é um ápice.
– Os sistemas de recompensa competitivos – a falta de clareza e objetividade nas condições de recrutamento e os sistemas de avaliação e recompensa nada claros, às vezes obtusos e competitivos, corroem qualquer relação de confiança, com quem lidera e dentro da equipa.
– A mudança – toda e qualquer mudança, por pequena que seja, desafia-nos a deixar uma zona de conforto e a nossa primeira reação é rejeitar a mudança, por medo de não corresponder às novas expectativas. Mas se há coisa mais real nos dias que correm é a mudança constante dentro do sector e das nossas clínicas a uma velocidade muitas vezes difícil de acompanhar, mas necessária para a sustentabilidade do negócio. Contudo, a mudança aqui é outra: é o mudar constantemente as regras do jogo de acordo com humores e interesses, os horários e turnos em cima da hora que obrigam colaboradores a viver em função do que há de vir, é o hoje vamos para a esquerda e amanhã para a direita transmitindo uma falta de norte e de confiança que enfraquece as equipas.
Fonte: Elisabete Capitão