Três décadas de investigação do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos da América revelaram, no início deste ano, que a taxa de suicídio é 3,5 vezes mais alta entre médicos veterinários do que entre o resto da população. O número é assustador, mas permite traçar um retrato da dura realidade vivida por estes profissionais, que sofrem cada vez mais de burnout, síndrome que no início de 2019 foi reconhecido como uma doença profissional pela Organização Mundial de Saúde.
Recentemente, em declarações à VETERINÁRIA ATUAL, Ricardo Reis dos Santos, biólogo e membro do Núcleo Académico de Estudos e Intervenção sobre Luto (NAEIL) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que recentemente promoveu o seminário ‘Suportar o luto do outro – o papel dos profissionais de saúde animal’, explicava que é fácil perceber “que os profissionais de saúde animal, em particular os médicos veterinários, mas também os enfermeiros veterinários e os auxiliares veterinários, são confrontados, quase diariamente, com casos de luto (incluindo casos de luto antecipatório, isto é, casos de animais em fim de vida) e de sofrimento dos seus clientes pela perda do seu animal, e muitas vezes em circunstâncias muito dolorosas”.
“O luto pela perda de um animal de companhia é, ainda, um luto que não é socialmente aceite (do ponto de vista técnico, é designado de ‘luto desautorizado’), ou seja, as pessoas não encontram um espaço de validação e de partilha da sua dor, têm medo de serem ridicularizadas pelo facto de chorarem a perda do seu cão ou do seu gato, sentem vergonha de sentirem o que sentem por um animal, e tudo isto contribui para que o seu processo de luto se complique, envolvendo muito sofrimento por parte destas pessoas”, explicou ainda o biólogo.
Esta é apenas uma das razões pelas quais, nos EUA, está a nascer uma nova profissão – os assistentes sociais veterinários. De acordo com o The Washington Post, “os assistentes sociais veterinários interagem com os médicos veterinários e os tutores nos CAMV em quatro áreas distintas: quando existe violência entre humanos e animais; perda e luto; interação na assistência animal; e gestão de compassion fatigue [fadiga de compaixão], característica de profissões de prestação de cuidados e uma das principais causas de mal-estar emocional e mental na classe veterinária e considerada, por alguns estudiosos, como uma forma de stresse pós-traumático secundário provocado pela exposição contínua e repetida a situações de trauma e sofrimento vividas por outros.
O jornal explica que estes profissionais têm o papel de facilitar a comunicação ao longo dos tratamentos e nas decisões de eutanásia do animal, trabalhando diretamente com os tutores para explicar as opções, responder a questões e oferecer apoio emocional.
Atualmente, não se sabe ainda ao certo quantos profissionais já desempenham a função, mas a Universidade do Tennessee, nos EUA, criou em 2002 o primeiro programa de formação para a função naquele país.
“Existe cada vez mais consciencialização em relação à saúde mental dos médicos veterinários e eu acho que isso motivou os veterinários a reconhecer que não conseguem fazer sempre tudo sozinhos. Estão mais dispostos a trabalhar interprofissionalmente, para que não tenham de ser psicólogos e médicos veterinários ao mesmo tempo”, diz ainda ao jornal Elizabeth Strand, fundadora do programa de formação para assistentes sociais veterinários na Universidade do Tennessee.