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Caso 'Amélie'

Caso ‘Amélie’: O que pensa a classe veterinária do assunto

Depositphotos  original

Tem sido o tema mais debatido durante a semana no universo veterinário. A polémica começou com o post da atriz Maria João Bastos sobre a morte da sua cadela Amélie. A VETERINÁRIA ATUAL falou com três médicas veterinárias sobre eventuais riscos relacionados com a destartarização ou qualquer outro procedimento médico-cirúrgico.

O post em que a atriz denuncia o Hospital Veterinário Vasco da Gama por alegada negligência foi publicado no passado dia 11 de abril e conta já com mais de 15.500 partilhas. No dia seguinte, o Hospital emitiu um comunicado em sua defesa, onde lamenta a perda da cadela e explica os procedimentos efetuados, condenando “o comportamento acusatório prematuro” que considera “difamatório da instituição e seus colaboradores e que poderá ser alvo das diligências necessárias ao esclarecimento e reposição da honra e bom nome do hospital e seus colaboradores”.

Também a Ordem dos Médicos Veterinários já se pronunciou indicando que “não pode pactuar com ‘julgamentos públicos’, seja qual for o médico veterinário ou a situação em causa. Para o esclarecimento de qualquer tipo de situação existem procedimentos estabelecidos, aos quais qualquer cidadão pode recorrer”, pode ler-se no comunicado oficial.

 

A VETERINÁRIA ATUAL falou com Beatriz Sinogas, médica veterinária e diretora clínica da Clínica Veterinária das Avencas, sobre o tema. “Quando se faz uma destartarização pode ser necessário extrair dentes. Quando se extrai um dente, principalmente do maxilar, podem existir fístulas oronasais. Quando se tira um dente é porque o dente está podre e a abanar, e normalmente já existe uma rarefação do osso. Pode haver comunicação entre a boca e o nariz. Normalmente, essas fístulas oronasais são suturadas quando são muito grandes. Quando são pequenas coloca-se um penso hemostático e as mesmas fecham sozinhas em dois, três dias, para não sangrarem. Quando isso acontece, normalmente, os donos são alertados para só dar de comer e beber água se o animal quiser comer ou beber sozinho. Não se deve forçar porque tal atitude pode provocar a entrada de água dentro do nariz e o animal pode não engolir, mas sim aspirar a água”, afirma.

Depois de uma destartarização é “normal haver dor e o animal pode não querer comer nem beber por mais que se façam analgésicos ou anti-inflamatórios”. A médica veterinária explica ainda que o Chihuahua (raça da Amélie), por si só, “é um cão muito problemático a nível encefálico porque pode ter hidrocefalia que é, normalmente, uma alteração congénita no caso desta raça, provocando alterações no encerramento dos ossos do crânio”.

 

No caso de o animal ter a chamada “moleirinha aberta”, isto é, fontanela aberta, a anestesia tem de ser mais cuidada, pois os animais com esta patologia podem apresentar sinais clínicos neurológicos. Não sabemos se foi isto que aconteceu neste caso, provavelmente não. Com sinais clínicos neurológicos, o animal não acorda de forma normal, pode demorar mais tempo a acordar e pode não andar normalmente, entre outros sinais neurológicos. O animal só tem alta quando vai pelo próprio pé, em Portugal e em qualquer parte do mundo”, acrescenta a médica veterinária.

O veterinário assistente “avisa desde logo os riscos associados a estes animais, mesmo no ato da compra ou da aquisição dos mesmos. Não sei se esta cadela teria ou não esse defeito congénito porque não conheço o animal. O normal é os donos serem logos avisados para que saibam que tipo de raça estão a adquirir. Quando existem estes problemas congénitos são também alertados para os eventuais riscos de alguns procedimentos, incluindo a procriação. Há que avaliar o que é mais grave: ter uma boca com uma infeção tão grave que possa provocar uma pericardite, abcessos recorrentes, retração gengival, entre outras patologias graves ou arriscar na anestesia cuidada e controlada, para evitar que o animal venha a ter problemas com estas patologias”, afirma.

 

Riscos associados à anestesia

No que respeita à anestesia propriamente dita, a médica veterinária da Clínica Veterinária Aniaid, Margarida Serrano, explica que “qualquer procedimento que envolva uma anestesia tem riscos associados que deverão ser transmitidos aos donos, para que estes tomem sempre uma decisão informada. Não existe nenhum procedimento cirúrgico livre de riscos, nem no Homem, mas uma correta avaliação do paciente e boas práticas de medicina e de anestesia tornaram os procedimentos cirúrgicos e anestésicos de hoje em dia mais seguros do que antigamente”, afirma optando por não fazer mais comentários “por não estar na posse de todos os dados”.

 

Também Patrícia Gayan, médica veterinária do Hospital Veterinário São Bento, afirma que o procedimento “é genericamente seguro”, sendo que os riscos estão associados fundamentalmente ao facto de “o animal ter de ser necessariamente sujeito a uma anestesia geral”. Esta implica riscos variáveis que são influenciados por diversos fatores, tais como: a idade, patologias associadas, constituição corporal, entre outros”, defende, considerando que “não é igual submeter um animal sem qualquer patologia associada a um tratamento oral e a uma anestesia, ou se for insuficiente renal, cardíaco, obeso, geriátrico, etc.” Os donos devem ter essa noção”, reforçando que à luz das boas práticas e do conhecimento atual, não se deve cair no “logro de subverter as boas práticas com o receio do insucesso, porque então estaremos, aí sim, a assumir um mau desempenho. O protocolo para minimizar os riscos deve incluir uma avaliação prévia do animal, em consulta pré-cirúrgica e exames e analítica complementar, mais ou menos extensos em função da patologia associada”.

Aguarda-se o resultado da necrópsia

O facto de o animal acordar e conseguir sair da clínica pelo próprio pé é mandatório para que seja dada alta. “O único stresse que este animal poderia ter seria a dor associada ao procedimento. Nestes casos, os donos ficam muito aflitos e têm alguma tendência para forçar a comer e a beber”. No caso de existirem “fístulas oronasais perfeitamente normais numa situação deste género, se a cadela bebeu água, provavelmente desenvolveu uma pneumonia por aspiração. Os donos são previamente avisados para não forçarem o animal a beber água. Isto não está relacionado com a destartarização ou os procedimentos médicos, mas sim com a abordagem da dona em relação à cadela… No entanto, não conheço a história por completo e apenas o resultado da necrópsia fornecerá o resultado final”, defende.

No que respeita às acusações via Facebook, refere que “acidentes acontecem e mesmo os colegas da área que preferem não comentar o tema, ou colocarem-se à margem, consideram que não houve negligência por parte da Susana Vítor ou do hospital”. Consideram, contudo, que “a forma como o assunto foi abordado é completamente condenável porque esta situação poderia acontecer a qualquer um de nós. As destartarizações são das intervenções mais realizadas em animais pequenos porque têm uma grande tendência de desenvolver doença periodontal”.

O Hospital Veterinário Vasco da Gama pede “discernimento” a alguns dos utilizadores que têm feito comentários acusatórios na sua página de Facebook solicitando que “se aguarde pelo relatório da necropsia para clarificar a causa da morte” confirmando ainda “a existência de exames clínicos que comprovam que a Amélie estava bem na altura da alta”.

 

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