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Entrevista

Nuno Vieira e Brito: “Temos de ser úteis para a sociedade, que tem de nos reconhecer por essa utilidade”

Nuno Vieira e Brito

Quem assistiu à sessão de abertura do Vetbizz 2015 não ficou indiferente ao discurso de Nuno Vieira e Brito. O Secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar falou do respeito que a sociedade deve ter pelos veterinários e no papel destes profissionais nos dias de hoje. Em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, fez um balanço da sua passagem pela DGAV, dos dois anos e meio enquanto secretário de Estado, da intervenção dos veterinários na esfera pública e deixou alguns recados sobre a implementação das especialidades. Numa altura em que já são conhecidos os novos secretários de Estado, publicamos a entrevista de Nuno Vieira e Brito, que se prepara para continuar com o trabalho desenvolvido na secretaria de Estado.

Depois de ter assumido o cargo de Diretor Geral de Veterinária, a 31 de janeiro de 2013 foi nomeado Secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar. Qual o balanço deste período na DGV, depois DGAV e no Governo?

Vai fazer quatro anos, no dia 1 de novembro, que me mudei para Lisboa. O período na DGV teve na realidade dois períodos: primeiro a DGV e depois a DGAV, com a introdução das áreas de alimentação e da fitossanidade. A Direção Geral é uma estrutura muito grande, à data questionava-se se se deveria ou não manter a estrutura vertical, ou ter estruturas centrais e as outras serem alocadas às direções regionais, mais alargadas. Voltávamos à discussão que já tinha existido, de qual o melhor modelo para a Direção Geral. De facto manteve-se, e na minha opinião bem, toda a estrutura verticalizada, que é importante não só para Portugal, como para a representação comunitária e internacional. Para termos um forte apoio na área das exportações é relevante que exista uma cadeia de comando única e toda a estrutura, desde os serviços centrais aos regionais, tem de ser bem estruturada para que se possa ter confiança nos serviços. Esta foi a primeira discussão que tivemos.

 

Quais eram as principais preocupações à data da DGV?

Primeiro não havia dinheiro. Quando cheguei encontrei uma realidade em que existiam grandes dívidas aos laboratórios e uma enorme dificuldade em termos crédito para continuar com processos de segurança alimentar, sob o ponto de vista analítico. Foi necessário negociar quer com os laboratórios, quer com a FVO (Food and Veterinary Office), para que nos fosse dado um voto de confiança pois as análises não tinham sido efectuadas ou as amostras estavam recolhidas há muito tempo nos laboratórios, sem interesse analítico e de segurança alimentar, sendo preferível destruir as amostrar e, então sim, nos fosse reconhecida a capacidade de, a partir desse momento, executar com rigor esta parte estruturante da nossa segurança alimentar. Significa, pois, que tínhamos à data um grave problema de segurança alimentar e um grave problema de financiamento do sistema. Essa foi uma das grandes preocupações à data e que ao longo destes quatro anos conseguimos resolver. Para tal contribuiu o profundo investimento quer no laboratório de Vairão, quer no laboratório de Oeiras, algo que permite que hoje façamos cada vez mais análises em Portugal.

Outra questão na qual era necessário atuar dizia respeito à burocracia: Era necessário, e continua a ser necessário, uma maior desburocratização de procedimentos e processos, uma maior agilização e proximidade ao utente.

E como isso se faz?

Usando cada vez mais a internet e as tecnologias de comunicação através, por exemplo, da certificação eletrónica para exportação, que é um dos modelos que estamos a ensaiar ou da desburocratização das guias sanitárias. 

 

Relativamente às guias sanitárias, a declaração de nascimento passou a ser introduzida à data, e recentemente procedeu-se à informatização de outras guias de transporte que permitiu, ao fim de um ou dois meses, mais de 30% de todas as guias já emitidas online, o que demonstra uma boa adesão a este novo procedimento e que o mesmo está a ser bem acolhido pelos produtores. Por outro lado é preciso uma cultura de proximidade ao cidadão, ao consumidor, ao clínico veterinário. Na minha perspetiva é possível reduzir um conjunto de obrigações que são desnecessárias, a sociedade está cada vez mais consciente e tem de ser cada vez mais responsabilizada pelos seus atos. Não faz sentido que exista um contínuo processo de desconfiança da Administração Pública em todas as fases, como os processos de licenciamentos são bom exemplo. Acho que poderá ser melhorado, agilizado e reduzido, por exemplo, o licenciamento dos CAMV’s, trazendo o ónus da responsabilização a quem o solicita.

O licenciamento das clínicas também pode ser desburocratizado?

Pode ser desburocratizado e deve ser simplificado. O ónus é do responsável pela sua atividade, não pode ser da Administração Pública. Esta tem responsabilidade de produzir os pareceres necessários e fazer as visitas, sendo necessário reduzir os tempos de espera. A Administração Pública tem de ser mais ágil nestas questões e, ao ser mais ágil, maximizar os recursos disponíveis e reduzir taxas, algo que se pode fazer se conseguirmos simplificar os processos.

 

Estão a trabalhar no sentido de reduzir a burocratização do licenciamento de que forma?

Iniciámos com as indústrias agroalimentares, um processo que já está finalizado, mas também no apoio na área da agricultura familiar. Simplificamos questões, tais como, o abate para autoconsumo, permitindo que esse abate fosse feito em empreendimento de turismo rural, publicamos a portaria das pequenas quantidades, reduzindo o número análises necessárias para os pequenos produtores, tornando assim a sua atividade mais competitiva. Atuamos ainda na redução dos constrangimentos na área dos medicamentos veterinários e, sob o ponto de vista da sua simplificação, dos suplementos alimentares. O processo era demasiado simplista, apenas um registo em papel. Informatizamos e tornamos o processo acessível através da Internet para que que toda a população soubesse quais eram os suplementos alimentares que estavam autorizados, até porque é uma preocupação de saúde pública. Aliás suportamos o incentivo para o uso das novas tecnologias na DGAV e no INIAV, entidades que tutelo, através de um conjunto de projetos que estas entidades vão lançar no sentido de fazer a necessária modernização administrativa.

Sou, ainda, muito sensível e tenho feito pressão para que a certificação eletrónica seja uma realidade, isto porque entendo o processo atual moroso e porque acho que as empresas podem elas próprias serem responsáveis pelo processo administrativo. Ao médico veterinário cabe fazer a verificação.

Um outro ponto que considero relevante, já na área da secretaria de Estado, é a corresponsabilização dos organismos ou entidades que representam o sector nos mecanismos de controlo do Estado. Ou seja, a DGAV é uma autoridade competente e como tal tem de ter responsabilidades, mas significa em última análise ter a decisão de aprovar ou não, retificar ou não, valorizar ou não. O recente protocolo feito entre a IACA e a DGAV vem no caminho de que parte das funções técnicas, realizadas pela DGAV, possam ser executadas pelos organismos com interesse nesse sector e que, dessa forma, a DGAV tenha menor intervenção, menos recursos afetos, mas garantindo que a melhor decisão.

Ainda no meu período DGV e DGAV, como o problema era financeiro, uma das soluções passou pela criação da taxa de segurança alimentar que financia o sistema de segurança alimentar, mas também pela redução de custos e pela criação de uma cultura comum na DGAV. A partir do momento em que passou a ser DG Alimentação e Veterinária passámos a ter uma componente profissional de engenheiros agrónomos que vieram da área da fitossanidade e da área alimentar, pelo que era necessário fazer um corpo novo, cada um com as suas competências sem sobreposição de atividades. Há uma vantagem nesta proximidade, na cultura de uma DGAV onde trabalham diferentes áreas de conhecimento, que poderiam ter alguma conflitualidade no sentido da proximidade concorrencial na atividade privada, mas que tem de ser cultivada naquilo que é uma estrutura da Administração Pública.

Outro ponto que na DGAV, e continuada na Secretaria de Estado, tive particular preocupação foi a área da internacionalização. O agroalimentar evoluiu imenso, era necessário olhar cada vez mais para países terceiros e abrir novos mercados, uma vez que a crise financeira na UE estava a comprometer o mercado europeu. Durante muito tempo não houve essa sensibilidade e foi necessário adaptar a DGAV a esta nova realidade através da criação de uma direção de serviços específicos para área da internacionalização que pudesse desenvolver os processos necessários para a habilitação de produtos de origem animal, numa primeira fase, e depois de origem vegetal, quando houve a entrada da área vegetal, para os diferentes países terceiros.

Nuno Vieira e Brito

 

Muitas mudanças, todas ao mesmo tempo?

Sim

Deixou a semente e depois o Diretor Geral que lhe sucedeu continuou o trabalho. Como foi o processo?

Dou muito valor à Profª Maria Teresa Vila de Brito, que me sucedeu, e gostaria de lhe deixar o louvor público porque recebeu a DGAV num período ainda bastante conturbado. Estava um Diretor Geral que durante um ano tentou fazer algumas alterações estruturais e teve a entrada de outras áreas e competências. A Professora Teresa Vila de Brito, num esforço pessoal imenso, não teve subdiretores, tal como eu porque de início achei que deveria conhecer melhor a casa para saber quais as necessidades efetivas. Deparou-se com uma carga muito administrativa, é preciso descentralizar e teve por isso tempos difíceis. Nesta última fase temos o Prof. Álvaro Mendonça, que já tem a sua equipa formada e terá as suas ideias. Trabalhamos com proximidade, a verdade é que há linhas que para a secretaria de Estado são importantes, como a internacionalização, a desburocratização e a proximidade ao cidadão com uma DGAV e um INIAV muito mais abertos à sociedade. É preciso responder às pessoas.

As pessoas têm a ideia de que os organismos públicos são muito fechados?

E eu também tinha essa ideia e por isso fui confirmando ou não essa realidade, mas é necessário que todos trabalhem em uníssono e com um sentido comum. Tem também muito a ver com o perfil de cada um dos diretores, mas esse perfil também tem de ser educado no sentido de perceber que estamos e atuamos com transparência. Venho do ensino e, com toda a abertura que temos com os alunos, se alguém faz uma pergunta temos de dar uma resposta. É preciso uma cultura de maior transparência nos nossos organismos e na nossa estrutura. Com esta direção espero que se consiga, além de se manter as funções de proximidade com todas as classes que estão envolvidas, que haja maior desburocratização e uma redução de custos de contexto. E isso é possível.

Ainda é possível reduzir mais custos?

Ainda é possível reduzir muitos custos de contexto. Muitos. E aí favorecemos a economia, favorecemos os profissionais veterinários. Não se entende porque são precisas tantas taxas, por exemplo, no licenciamento de clínicas ou hospitais veterinários, porquê? Se é um processo que pode ser administrativo e de verificação rápida há certamente possibilidade de reduzir custos de contexto.

Quer alterar esses procedimentos?

Sim, pretendemos que se reduzam custos de contexto e o que pedimos é que seja avaliado pela DGAV. Não acredito que não se queira reduzir custos de contexto no sector, percebendo que há margem para tal. Outras preocupações que vamos transmitindo passam pela área da saúde animal e saúde pública. É importante reduzir os índices de brucelose. É preciso olhar cada vez mais para novos problemas de saúde pública, que estão inerentes e que não são os tradicionais, refiro-me à cinegética, ao problema da tuberculose ou da brucelose. Olhar a sanidade e a saúde animal de uma forma muito mais abrangente é um forte apoio para a área da segurança alimentar porque os consumidores estão cada vez mais exigentes.

Consideramos também com muita atenção a questão do bem-estar animal. Recordo que o meu primeiro dia na DGAV foi dedicado ao bem-estar das galinhas. Lembro-me que iniciamos neste tema e hoje o sector está mais forte e mais exportador. Hoje a sociedade é mais ativa na área do bem-estar, como nos pequenos animais, onde cada vez mais há uma maior sensibilidade. Tem de haver uma preocupação por parte das autoridades competentes para a evolução da sociedade, estar atento ao que se está a passar e intervir quando for necessário. O bem-estar animal é e continuará a ser um dos temas mais importantes que iremos debater nesta nova fase.

Quando aceitou o cargo de Diretor Geral de Veterinária falou em espirito de missão. Foi esse espírito de missão que o fez aceitar o cargo de Secretário de Estado?

(pausa) A mudança para Diretor Geral foi mais pessoal e familiar. Foi mais difícil e complicada do que aceitar ser secretário de Estado, uma vez que que já estava em Lisboa, separado da estrutura familiar. Por outro lado, qualquer lugar da Administração Pública, e ainda mais no Governo, perante desafios intensíssimos, é difícil. Esta é a parte politicamente correta. A politicamente incorreta é que tive muito gosto, deu-me muito prazer fazê-lo e continuo a achar que foram obtidos resultados. Isto é aquilo que mais prazer me dá, porque se fosse politicamente correto continuaria a dizer o sacrifício pessoal é grande. Fiz imensas missões oficiais ao estrangeiro para abrir mercados e promover os produtos agroalimentares portugueses e, nas três áreas que me comprometi a desenvolver enquanto Secretário de Estado, alimentação, investigação e internacionalização, deixo a estrutura montada ajudando, motivando e às vezes liderando o financiamento para os obter. Não posso deixar de destacar a abertura imensa de mercados, bem como o especial gosto pessoal que tive quando fui convidado para falar na OIE, a nossa Organização de Saúde Animal, sendo o único dirigente governamental da Europa a discursar. Fui convidado porque era veterinário e dirigia um sector, mas também porque as pessoas conheciam-me do trabalho que já tinha executado. É bom também ter reconhecimento externo.

Nuno Vieira e Brito

 

Há quem diga que é importante ter a presença de veterinários no Governo para defender os interesses da classe. Neste discurso de abertura do Vetbizz falou do papel do veterinário na sociedade e como querem, como devem e como podem ser reconhecidos e respeitados. Falou varias vezes desta importância do respeito pela sociedade. O papel do veterinário na sociedade não está tão enaltecido como o papel de um médico ou outros profissionais de saúde?

O último médico veterinário a desempenhar funções governativas – sem falar no Prof. Jorge Silva que foi secretário de Estado do Ensino Superior – foi o Prof. Vaz Portugal, à data era meu professor. Formei-me há mais de 30 anos, em 1984 e durante este tempo não houve um médico veterinário com valor? Aquilo que entendo é que os veterinários preocupam-se, e bem, muito com a sua profissão, porque têm de se valorizar e não se preocupam tanto, e mal, com aquilo que é a intervenção social, política e cultural. E a verdade é que bons profissionais são importantes, mas hoje a sociedade necessita de bons profissionais com capacidade de decisão e com capacidade de influência, no sentido positivo. Líderes. Pessoas como referência. Também estive muito preocupado com a minha carreira profissional, digo isto porque reconheço que é bom termos uma boa carreira profissional, mas não chega. Vai chegar um ponto, não digo aos 20 ou 25 anos, mas vai chegar um ponto em que olhamos e perguntamos o que fizemos pela sociedade. Hoje em dia temos de ser reconhecidos como bons profissionais, mas também como bons elementos da sociedade. E nesse aspeto não encontramos muitos veterinários líderes ou reconhecidos na política ou gestão. Era vice-presidente do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e todos achavam estranho o que estava a fazer um veterinário na gestão de um Politécnico. O que tentei fazer com as palavras que disse na abertura do Vetbizz foi transmitir um forte apelo para que a classe olhe além do seu percurso profissional. Não estou a dizer que descure o percurso profissional, mas hoje em dia, alguns, pelo menos, têm de ser mais do que isso. Repare: quantos veterinários deputados temos atualmente? Zero. E na ultima legislatura? Zero. (pausa) Qual é a influência que nós temos, de trazer a nossa visão em temas tão importantes como o bem-estar animal, a produção biológica, a produção sustentável, o meio ambiente, a segurança alimentar. Qual é?

É preciso ter espírito de missão?

É preciso ter espirito de missão relativamente à sociedade, aparecer mais no bom sentido. Não apenas para a fotografia.

Ter um papel mais ativo?

Exatamente. Temos de fazer sacrifícios intervindo na comunidade local. Estou seguro que haverá muitos veterinários que me criticam mas não é essa a minha preocupação, porque em qualquer opção vamos ter críticas. Há classes mais autofágicas que outras, mas isso tem de acabar porque um veterinário tem uma importância social, técnica, profissional tão grande que se não ocupa o seu espaço, se não valoriza o seu espaço, se não tem líderes de opinião que cubram esse espaço, esse mesmo espaço é perdido e ocupado por outros. Por exemplo na segurança alimentar: temos seguramente imensos professores, agrónomos, engenheiros alimentares, bioquímicos, que necessariamente têm proximidades e podem desenvolver as suas competências nessa área.

Hoje em dia há muitos veterinários de pequenos animais, mas há toda uma panóplia de profissões à volta da medicina veterinária que parece que deixaram de existir, que não têm relevância.

Exatamente. A verdade é que os veterinários têm cada vez mais de olhar para essas outras áreas de intervenção – investigação, segurança alimentar, saúde pública, bem-estar, zootecnia, ambiente e recursos silvestres – que estão pouco acompanhados e são áreas que é preciso olhar com alguma atenção. São mais competitivas? Sim porque existem outros profissionais que podem ocupar o lugar, mas hoje em dia estamos numa sociedade competitiva.

Fala-se tanto em excesso de profissionais em medicina veterinária, em fechar cursos, mas neste caso há um excesso de profissionais na área dos pequenos animais?

Eventualmente aquilo que poderá ser repensado, e acho que está na altura de repensar, será um pelouro não do Secretário de Estado da Alimentação, mas seguramente da OMV, é pensar como podemos estimular a presença dos veterinários noutras áreas. Não estou a dizer que a área dos pequenos animais não é importante, mas além dessa há outras áreas onde podemos e devemos atuar. Devem ser avaliadas pela Ordem, reconhecidas e desenvolvidas pela Ordem no sentido de dar outra esperança aos jovens profissionais. Provavelmente é necessário a Ordem promover ao público outras áreas de intervenção. A minha intervenção no Vetbizz passou por chamar a atenção para a necessidade de meditar neste momento, porque vamos ter novos estatutos, vão haver eleições na Ordem, está na altura de olhar numa perspetiva de afirmação do veterinário numa outra análise.

Quando estava a preparar a intervenção para o Vetbizz lembrei-me que, quando terminei o curso em 1984, fui convidado para as jornadas universitárias pela Profª Mariana Marques, filha do célebre Prof. Paulo Marques, e a minha intervenção à data foi sobre a importância de cada vez mais os veterinários olharem para outras áreas de intervenção, outras formas de estar, outras áreas de desenvolvimento. Em 1984 já tinha dado uma chamada de atenção para isto. Até hoje ainda afunilamos mais esta área de intervenção.

O debate das especialidades está na ordem do dia. Acha que pode trazer alguma alteração ao modo de funcionamento dos processos?

Primeiro acho que o que deveríamos fazer era dar a conhecer à população o que somos e o que podemos fazer. Começamos por aí: onde podemos atuar, porque somos importantes, porque somos úteis. Usei muito essa expressão: temos de ser úteis para a sociedade, que tem de nos reconhecer por essa utilidade. Os veterinários estão muito baseados no ato clínico e tem de ser muito mais do que esse o ato e dar a conhecer as suas capacidades e competências em outras diferentes áreas. As especialidades vêm a seguir, desde que existam competências em número e de uma forma útil para a sociedade. Não vamos de todo ser especialistas em alguma coisinha. Os veterinários têm de ter um corpo em determinadas áreas, e não só áreas de pequenos animais, que é o que tenho visto. Podemos ser especialistas em tecnologia alimentar, porque não? E não estejamos novamente a afunilar o percurso de uma profissão em determinadas áreas de intervenção. O meu discurso não é politicamente correto, é sincero. O estatuto não eliminou porque não existiam as especialidades. Vamos ser claros. Porque houve a necessidade de ter agora estes estatutos da Ordem? Porque fez parte do Memorando entre a Troika e Portugal, no que respeita à diretiva de serviços, que entendiam necessário uma reformulação de todas as ordens profissionais. A OMV estava incluída nesse contexto. Numa avaliação do que eram os diferentes estatutos da Ordem, observou-se que não estava implementado na OMV nenhum colégio de especialidades, portanto não podia haver especialidades no estatuto da Ordem. A partir de agora constrói-se, nos novos estatutos, as especialidades que entendermos que sejam úteis ou de valorizar. É preciso uma reflexão de que áreas, quais são as prioritárias, que massa critica temos, o que a sociedade precisa e a partir daí fazer essa análise crítica. Se a ideia passar por todos arranjarmos a nossa ‘especialidadezinha’ canibalizamos o que já está razoavelmente canibalizado, as áreas de intervenção onde cada um encontrou um nicho, mas que vai quebrar aquilo que é, na minha perspetiva, o interesse e a importância do veterinário na sociedade. Não havendo esse interesse da sociedade no veterinário, o respeito não existe. É o momento certo para refletir com calma, perceber que pode haver escalões de tempo, começar com as especialidades A, B e C, depois podem vir a D e E e olhar com a perspetiva das necessidades da sociedade.

E o que a sociedade valoriza no especialista? Tenho gosto em ser veterinário e ter abraçado esta profissão. Se se pensar que veterinário é aquele que faz clínica, sou muito pouco veterinário, mas sou muito veterinário, porque consigo ter capacidade de análise, de diagnóstico, quase de tratamento, capacidade que me foi sendo dada pela minha cultura de formação para um pragmatismo muito forte.

“É o momento certo para refletir com calma, perceber que pode haver escalões de tempo, começar com as especialidades A, B e C, depois podem vir a D e E e olhar com a perspetiva das necessidades da sociedade. E o que a sociedade valoriza no especialista?”

Acabou o discurso a dizer: “o nosso percurso de vida só é útil se dele beneficiar a sociedade”. E pergunto: este é o seu lema de vida?

É! (pausa) Era um professor muito exigente, dou-me mal com o falhanço, próprio e também dos outros. Sou muito exigente com quem trabalha comigo e reajo mal aos erros. Vou contar uma história: o meu pai era médico e quando terminei o curso ele ficou muito orgulhoso e quis apresentar-se ao veterinário de Fafe, onde o meu pai era diretor do Centro de Saúde. O veterinário, um senhor já com alguma idade, olhou para mim e disse: ‘Oh coitadinho! Devia ser médico como o pai’. (risos) Recebi estas palavras de tal maneira que nunca mais me esqueci. Ainda há pouco tempo fui visitar uma exploração de caça em Tomar e contei isto a um jovem que tinha acabado de se licenciar em veterinária e disse-lhe que seja bom na sua área de especialidade porque vai ter um futuro feliz. Acho que estou a ser útil, tenho resultados na Secretaria de Estado e na DGAV, consciente que uns gostaram do meu trabalho, outros não. Fiz um trabalho que era necessário à data e que mostrou que há outros caminhos. Acho que parte do meu percurso de vida ser útil para a sociedade, nalgumas áreas mais do que outras, nesse aspeto estou feliz comigo próprio. Acho que continuarei a contribuir para essa sociedade. Quando ensinamos as pessoas, quando estamos preocupados em fazer Escola estamos a ser úteis.

 

 

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