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Guillermo Couto: “Um cão com cancro não está condenado”

Guillermo Couto: "Um cão com cancro não está condenado"

Durante o VII Congresso do Hospital Veterinário Montenegro, a VETERINÁRIA ATUAL esteve à conversa com Guillermo Couto que abordou várias temáticas, como a elevada taxa de sucesso no tratamento do cancro animal. E a crise financeira, que veio lançar o repto de proporcionar um tratamento acessível do ponto de vista económico.

Qual a principal mensagem que gostaria de deixar aos participantes neste congresso?

Fundamentalmente tentar desmistificar a ideia de que o cancro é uma doença que não pode ser tratada num animal. Para lhe dar uma ideia, na clínica atendemos cerca de 100 pacientes por semana e tratamos a maioria deles. Temos cães que são portadores de cancro há quatro e cinco anos, que em tempos teriam sido eutanasiados, mas que hoje vivem felizes junto da sua família. Creio que a mensagem fundamental é que o tratamento do cancro no animal está tão desenvolvido na medicina veterinária como na humana. Já sabemos que na medicina humana dois em cada três pacientes ficam curados de cancro ou aumentam cinco anos à sua esperança de vida…

 

A meta é então fazer entender que na medicina veterinária se pode passar o mesmo?

Exato. Um dos nossos papéis é precisamente educar as pessoas. E a verdade é que as pessoas têm medo do cancro. É uma doença repugnante e asquerosa, pelo que as pessoas têm de ser educadas de que se o cão ou o gato têm cancro, na maioria dos casos se o diagnosticarmos numa fase inicial é tratável.

 

Como nos humanos…

Exatamente igual. Nenhuma diferença.

 

Além desse desafio, que outros reptos tem a oncologia veterinária?

Pelo menos nos Estados Unidos, outro repto é proporcionar um tratamento que seja acessível do ponto de vista económico. Na medicina humana, tratar um doente com cancro custa entre os 600 mil e os dois milhões de dólares, dependendo do que está a ser tratado. E há fármacos que custam 30 mil dólares a dose e são ministrados a cada 15 dias. Ou seja, valores impossíveis de serem praticados na medicina veterinária. Mas para nós, veterinários, é uma grande oportunidade. Na Ohio State University, por exemplo, uma das coisas que fazemos é desenvolver tratamentos oncológicos que vão ser usados nos cães e nos homens. Ou seja, trabalhamos com o hospital para crianças e com o centro de oncologia humana da universidade. Antes, o processo passava por tubo de ensaio ao rato e do rato ao humano. E se funcionasse no humano utilizávamos no cão. Agora passamos do tubo de ensaio ao rato e ao cão ao mesmo tempo. Atualmente estamos a utilizar tratamentos no cão antes de serem utilizados em pessoas.

 

A atual crise financeira mundial veio de alguma forma alterar as regras do jogo? As pessoas vão menos ao veterinário? A eutanásia é utilizada mais facilmente?

A eutanásia, neste momento, é uma das opções mais atrativas. Mas penso que tudo isto é uma questão de educação. Às vezes, os proprietários pensam que o custo vai ser demasiado alto e por vezes não é assim. É verdade que este ano a receita da clinica, por exemplo, diminuiu. As pessoas até querem continuar a tratar o animal, mas depois quando dizemos que são precisas análises, mais uma radiografia… a resposta é não. E isto acabou por nos ensinar a ser mais conservadores nos gastos.

Mas estamos a falar em quê? Numa versão low-cost da veterinária?

Porque não? No nosso hospital, uma substituição de ancas ronda os cinco mil dólares. Radioterapia entre os três mil e os cinco mil dólares. E recordo que estamos a falar de um hospital universitário. Num privado podemos acrescentar cerca de 50% a estes valores. Mas tem razão no que pergunta. Sei que em Espanha, na Argentina e presumo que mesmo em Portugal as pessoas vão ao veterinário e se o tratamento for mais complicado e mais caro do que pensavam que ia ser, o primeiro que fazem é propor a eutanásia ao animal.

Porque escolheu oncologia para desenvolver a sua atividade?

A oncologia sempre foi um desafio para mim. Porque quando comecei a interessar-me por esta matéria, na Argentina, nos anos 70, não havia nenhum oncologista. E eu na altura só pensava: porque não posso eu tratar os meus doentes quando os de duas patas estão a ser tratados no hospital em frente? E foi quando comecei a interessar-me pela oncologia. Aliás, a oncologia veterinária tem contribuído muitíssimo para a oncologia humana. Por exemplo no cancro ósseo. Toda a investigação usada em crianças veio dos cães. E isso é muito bom, quer para os veterinários, quer para os animais, quer para os donos.

Porquê?

Porque o cão é um modelo aceite para certos tumores na medicina humana. Para lhe dar uma ideia, nos Estados Unidos, este ano, provavelmente mil crianças desenvolvem sarcoma nos ossos, comparativamente com os 25 a 35 mil cães que vão desenvolver a doença, sobretudo os Galgos. E já que que o cão reage da mesma forma que o ser humano à quimioterapia e às novas drogas, é-nos permitido estudar. E uma vez que esses estudos são muitas vezes financiados, podemos dar um tratamento ao animal de 15 mil dólares, por pouco dinheiro.

Então, dificuldades económicas à parte, os donos aceitam que os seus animais façam quimioterapia ou radioterapia?

Sim. Aliás, na nossa clínica devemos lidar com 50 a 60 pacientes por semana com quimioterapia. Um dia ocupado de quimioterapia serão 15 a 20 doentes. A maioria dos tratamentos é feita de segunda a quinta. O importante para os donos é que o cão esteja cómodo, que se sinta bem. Se podemos dar uma boa probabilidade de que o cão não fique doente, isso é excelente. Além de que as doses que usamos de quimioterapia nos cães é muito baixa.

Mas os protocolos são os mesmos?

São muito semelhantes, mas doses são ridiculamente mais baixas. Tão baixas que os oncologistas humanos riem-se do pouco que damos aos cães. Mas é apenas uma questão de qualidade de vida. Se o cão não se sente bem, não estamos a fazer o correto. Não podemos tratar um animal que depois vai começar a vomitar, com diarreia hemorrágica, sangrando, com o pelo a cair… Porque se o cão sofre, sofre a família e logo não estamos a fazer um bom trabalho.

O mais complicado é lidar com a dor do dono?

Sem dúvida. Na nossa faculdade trabalhamos muito com uma assistente social que nos ajuda em tudo o que seja interação com os donos. Temos duas salas especiais para nos sentarmos com os donos, para conseguirmos falar de situações delicadas. Passamos muito tempo a fazê-lo. E, em oncologia, é habitual ver o paciente e o dono uma vez por semana durante seis meses e depois uma vez por mês durante dois ou três anos. Ou seja, acaba por se criar um vínculo muito grande com a família e com o animal.

O tipo de abordagem oncológica feita na Europa é substancialmente diferente da realizada nos Estados Unidos?

Creio que depende. Em Portugal por acaso não sei, mas Espanha está a fazer uma abordagem ao mesmo nível que nós. O mesmo se passa na Alemanha, Holanda, Inglaterra… O problema é que muitas vezes há parcos recursos financeiros. Mas há muita gente formada, bons clínicos que sabem muito bem o que fazem.

O que pensam os profissionais recém-formados da oncologia?

Vou reformular a sua pergunta: que pensam antes de começar e o que pensam quando terminam o curso? O comentário mais comum é pensarem que ia ser deprimente, horrível e desmoralizante e acabam por ficar encantados. Tratamos animais que já deviam ter morrido há cinco anos. E, porque intervimos, o cão continua bem. E todos estes tratamentos, menos os de investigação, são convencionais. Podem ser feitos por qualquer veterinário, em qualquer clínica, em qualquer aldeia do mundo. Não faz falta nada de sofisticado. Nos Estados Unidos, o cancro é o maior fator de morte nos cães, dependendo das raças. Nos Golden Retrivier, por exemplo, a taxa de mortalidade derivada a cancro é superior a 50%. Em Galgos é de 62%, em Boxers 50%. Agora controlamos as doenças renais crónicas e cardíacas… e eles morrem de cancro. Mas é uma oportunidade incrível de tratar estes pacientes e dar-lhes qualidade e quantidade de vida.

As universidades têm formação suficiente nesta matéria?

Têm bastante formação. O sistema dos Estados Unidos é muito diferente. Na clínica, por exemplo, os alunos têm de fazer duas semanas de rotação clínica, onde estão desde as 7 da manhã às 10 da noite. E o paciente está a cargo do aluno, não fica apenas a olhar. Penso que têm formação suficiente para depois adquirirem mais conhecimentos, caso queiram. Nos Estados Unidos, depois de terminar o curso, a especialização em oncologia demora quatro anos. Um ano de internato, três de residência em oncologia e depois ainda têm de passar o exame.

Pessoalmente, na sua carreira, o que gostaria de ainda fazer?

Tudo o que diz respeito ao cancro não me preocupa mais pois tenho uma excelente equipa. Trabalho muito com animais de refúgio, é o que faço nos meus tempos-livres. E gostaria de poder contribuir mais nessa área. Vou três vezes por ano, levo alunos, mas gostava de conseguir fazer mais do que isso. Gostava de encontrar algum multimilionário que patrocinasse um bom refúgio para cães.

 

 

CAIXA: Um currículo invejável

Resumir o currículo de Guillermo Couto não é tarefa fácil. Licenciado em Veterinária pela Universidade de Buenos Aires, hoje faz a sua prática na Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, onde é catedrático do departamento de Ciências Clínicas Veterinárias. Isto além de chefe do serviço de oncologia/hematologia do Hospital da Escola Veterinária, diretor do serviço de transfusão e Banco de Sangue Animal da Universidade de Ohio e diretor do Programa de Bem-estar e Saúde do Galgo. É ainda diplomado pelo American Collage of Veterinary Internal Medicine e diplomado fundador do Colégio Americano de Medicina Interna, especialidade de Oncologia. É presidente da Sociedade Veterinária para o Cancro e possui uma ilustre lista de prémios. É um dos primeiros profissionais a dedicar a sua carreira a esta área.

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