A Pfizer é a única que fala abertamente em proteccionismo da parte do Governo. A farmacêutica, em entrevista ao “DE”, diz não concordar com «medidas que configurem discricionariedade e proteccionismo».
Quanto à possibilidade de recorrer ao tribunal, a empresa diz não ver «necessidade de recorrer a instâncias europeias», «desde que as regras estabelecidas sejam cumpridas».
A reacção da Pfizer, e não só, surge na sequência do aumento dos preços de venda ao público pelo Governo, que aceitou a solicitação, efectuada em Abril, por 15 laboratórios, dando assim uma preciosa ajuda a 14 laboratórios nacionais e a um estrangeiro, nomeadamente, o italiano Baldacci.
Com efeito, a Direcção-Geral das Actividades Económicas tem vindo a receber inúmeros pedidos de aumento de preços dos medicamentos – a Pfizer, por exemplo, tem 28 medicamentos à espera de verem os preços revistos.
Para a Merck Sharp & Dohme (MSD), a subida de preços significa que o Governo ainda tem margem para não precisar de descer mais o preço dos medicamentos. «Uma iniciativa desse cariz revela que o sistema público de comparticipação no preço dos medicamentos detém sustentabilidade para acomodar este tipo de medidas e, ao mesmo tempo, permite esperar alguma estabilidade num futuro desprovido de medidas isoladas de contenção de custos».
As declarações de José Almeida Bastos, que funcionam como um recado para o Governo, indicam que se é possível aumentar preços, então a Indústria não será penalizada com mais descidas de preços.
Na lista de medicamentos que subiram de preço em Junho, a esmagadora maioria pertence a laboratórios nacionais. A Bial e a Edol são os mais beneficiados, cada uma com 31 apresentações de medicamentos a subirem de preço, numa lista onde também constam a Tecnifar, os Laboratórios Azevedos e a Atral Cipan.
Já o secretário de Estado considera não «haver nenhuma razão especial» para 14 das 15 empresas que puderam aumentar os preços serem portuguesas.
Francisco Ramos lembra que houve «240 pedidos» de revisão de preços e que o Governo «entendeu que as propostas faziam sentido em cerca de 120 casos, embora nem sempre com os valores propostos pelas empresas».
O problema maior era que se essas empresas retirassem esses produtos do mercado significaria para os doentes adquirir medicamentos mais caros, fazendo subir a factura do Estado e dos doentes.
Empresas de genéricos preparam acção em tribunal
No caso dos genéricos, a contestação continua. «O Estado não deve ter uma atitude claramente discriminatória, por isso vamos esperar pela reunião que temos pedida com o secretário de Estado da Saúde para depois avaliar se avançamos com uma queixa em tribunal», contou ao “DE” o presidente da Associação Portuguesa dos Medicamentos Genéricos.
Paulo Lilaia considera que a descida de 30% no preço de todos os genéricos, a entrar em vigor partir de Outubro, terá um «impacto muito severo» nas empresas do sector, especialmente porque, em Portugal, há 60 laboratórios a vender genéricos, metade em exclusivo.
Para a APOGEN, «o mais lógico, se há dificuldades orçamentais, seria descer o preço de todos os medicamentos em 6%, o que traria a mesma poupança». Mas o problema é que, segundo o responsável, «as mais afectadas serão as empresas portuguesas, que têm menor dimensão».
É o caso da Bluepharma, cujo director-geral da empresa diz já ter dispensado «20 pessoas por causa das medidas do Governo». Para Paulo Barradas decretar administrativamente uma descida de preço de 30% «é uma falta de respeito pelas empresas portuguesas que apostaram na criação de empregos quando as multinacionais estavam a sair do país».
Por sua vez, a situação da Generis tende a ser ainda mais grave. «Vamos fechar uma das duas fábricas que temos, o que implica a saída de metade dos nossos 150 trabalhadores», avançou o director-geral da farmacêutica portuguesa de genéricos.
Contudo, existe outra visão do problema.«Há muitas empresas portuguesas que não produzem verdadeiramente, apenas compram medicamentos já aprovados na Europa [através do sistema de reconhecimento mútuo, que permite que um medicamento aprovado num país da UE o seja para todos os outros] e pedem para os introduzir cá», disse uma fonte do sector ao “DE”, destacando que um dos efeitos da medida é «arrumar o mercado, acabando com estas pequenas empresas que apenas vendem sem produzir».
Contactado repetidamente pelo referido jornal, o Governo não quis comentar o tema.
Apoio ou proteccionismo?
Para o economista Pedro Pita Barros, a dificuldade subjacente a estas questões controversas subsiste em fazer cumprir equilibradamente dois objectivos de forma simultânea, disse ao “Diário Económico”.
De um lado, a obtenção de preços mais baixos para quem paga e para quem usa os medicamentos, nomeadamente o Estado e a população. Por outro, a adopção de uma política industrial de apoio às empresas nacionais, sendo o aumento dos preços uma forma de garantir esse apoio.
Uma solução aparentemente fácil é aumentar os preços dos medicamentos vendidos pelas empresas nacionais, as valiosas para a política industrial, e obrigar a redução de preços nos restantes. Contudo, esta prática peca por ser discriminatória, e dificilmente será aceite.
Duvida-se que o apoio à Indústria Farmacêutica nacional possa ser feito de forma duradoura nessa base. É necessário usar outros mecanismos, mais próprios do Ministério da Economia. Ter a política do medicamento para dois objectivos é a melhor forma de não alcançar qualquer deles de modo satisfatório.