Queriam marcar a diferença no mundo da Veterinária. Sobretudo no mundo da Medicina Transfusional. Como? Basicamente ao seguir as boas práticas e critérios de qualidade usados em Medicina Humana e parece que o estão a conseguir. Depois de Portugal, o Banco de Saúde Animal, que nasceu no Porto, está já implementado em Barcelona.
“Não há nenhum banco de sangue na Europa que esteja a trabalhar como nós. Quer ao nível do volume de unidades, do controlo de qualidade ou da especialização dos veterinários”. Rui Ferreira, diretor técnico e fundador do Banco de Sangue Animal (BSA), não tem qualquer dúvida sobre a validade do projeto que encetou há quatro anos. Hoje, este doutorado na área das transfusões pelo ICBAS mostra-se visivelmente satisfeito pelo desenvolvimento do empreendimento. Em todos os sentidos.
Para já porque a equipa cresceu. E além de Rui Ferreira, outro profissional está já a terminar o seu doutoramento em hemoterapia, na área de exóticos, mais vocacionado para coelhos e furões. “Está a haver uma especialização dentro do Banco de Sangue que não se vê em mais lado nenhum”, confessou-nos. De facto, os restantes bancos de sangue são bastante mais pequenos, com situações pontuais, dedicados para as suas clínicas. “Com a estrutura que temos, não existe”.
Recetividade dos colegas aumentou
O número de novas clínicas a fazerem transfusões e de profissionais a recorrem aos serviços do BSA tem vindo a aumentar gradualmente, diz Rui Ferreira, que admite que, quando iniciou o projeto, não fazia ideia que ia ter tal adesão: “O que se está a passar em Portugal é que neste momento temos clínicas de pequena dimensão e casuística que fazem mais transfusões do que hospitais em Espanha, por exemplo. Ou seja, já começamos a desmistificar as transfusões”. Como? Através da formação e do contacto direto com os veterinários e, mais do que tudo, no apoio que é dado nas primeiras transfusões que são feitas. “Porque a partir daí os veterinários habituam-se e desmistificam a questão, percebem como as coisas se fazem e tudo fica mais simples”.
Espanha era um passo natural
Após a implantação no nosso país, chegou a vez de Espanha, um mercado onde “há muito a fazer nesta área”. O projeto de internacionalização acaba por ser um passo normal pois o BSA já enviava de forma recorrente unidades de sangue para o país vizinho. Depois bastou um ligeiro “empurrão”: “Houve um convite de um professor da Universidade Autónoma de Barcelona, que foi meu orientador de doutoramento, e que quando me desafiou a fazer em Espanha algo semelhante ao que estávamos a fazer aqui.”.
Tal como com a Universidade do Porto, também em Barcelona existe um protocolo entre as duas entidades que permite, por exemplo, o uso das instalações daquela faculdade. Desde junho que o BSA está em pleno funcionamento na Catalunha, com dois veterinários. “A recetividade tem sido muito boa, já conseguimos a adesão de muitos dos maiores hospitais de Espanha”.
O maior entrave ao crescimento somos “nós”
Para crescer, o maior obstáculo parece não estar muito longe, nem ser muito complicado. Ou não. Para Rui Ferreira, o maior entrave ao crescimento de um projeto como o BSA somos mesmo… “nós”. Neste caso, eles. “Temos de ter capacidade de aceitar e enviar unidades com qualidade para todos os pedidos que temos. Não quero estar a crescer em demasia, a fazer grandes divulgações e depois ter sangue pedido para um dia e não conseguir ter resposta. Ou então, que será pior, responder de uma forma que não seja com a qualidade que pretendemos. O entrave é a nossa estrutura. Daí que não temos qualquer dúvida que queremos crescer, mas de uma forma sustentada. Não posso dizer que não crescemos por falta de dadores. Não crescemos mais devido à nossa estrutura de formação, das pessoas irem ganhando mecanismos de trabalho. Só a partir de aí queremos e podemos crescer mais um pouco”.
E não é por causa do número de dadores de sangue que o projeto não cresce. Rui Ferreira explicou à VETERINÁRIA ATUAL que são vários os donos de animais que regularmente telefonam a perguntar se é preciso sangue. Assim como existe uma lista de potenciais dadores que, a qualquer momento, podem ser solicitados a fazer uma recolha. “Mas é claro que continuamos a fazer campanhas para que essa lista continue a existir, e até a aumentar, o que nos dá uma segurança. Mas neste momento não temos falta de dadores”.
Aliás, Rui Ferreira diz que esta característica é muito “lusitana”. “Há um grande espirito altruísta entre os donos dos animais em Portugal. Confesso que mais do que em Espanha. Noto que as pessoas são mais sentimentais, mais depressa aderem à causa e mais depressa compreendem porque é necessário trazer os seus animais a darem sangue”.
Número de profissionais aumenta
Hoje são cinco os profissionais, dos quais quatro veterinários, que integram a equipa portuguesa do BSA. Rui Ferreira admite que o crescimento em Espanha deverá ser ao mesmo ritmo, isto apesar de ser um país com uma dimensão bastante mais generosa do que Portugal. Por tudo isto, por todo este crescimento ter de ser sustentado, não está previsto que o Banco de Sangue Animal se expanda para mais países. “Espanha é muito grande, já vai dar bastante trabalho. Obviamente que sedear outro banco neste momento está fora de questão, mas continuamos a enviar para onde for preciso. Temos pedidos para Itália de forma bastante frequentes, quer para clínicas, quer para hospitais. Já temos pedidos para Angola, Inglaterra…”.
Hoje a“internacionalização” do sangue, excluindo Espanha que tem negócio próprio, é responsável por cerca de 15% do volume de negócios. “Em Portugal já estamos bastante bem instalados, não me parece que tenhamos o potencial para, por exemplo, duplicar o negócio. Daí que é natural, em termos de volume percentual, que as encomendas vindas do estrangeiro venham a aumentar”.
Apesar de sempre terem assumido o negócio como nacional, antes Porto e Lisboa eram o verdadeiro foco do negócio, sobretudo porque tinham fisicamente centros com sangue. Uma realidade agora alargada a bastantes mais localidades. “Já não é necessário pedirem-nos diretamente o sangue. Trabalhamos com bastantes hospitais, que têm um stock do Banco de Sangue armazenado permanentemente. Temos no Algarve, na zona Centro, Trofa, região de Setúbal”. Hoje são já 25 as pequenas unidades distribuídas em termos nacionais. Ou seja, o stock não pertence ao hospital ou clínica, mas antes ao próprio BSA. “Em vez de termos as unidades armazenadas num grande frigorífico em Lisboa e outro no Porto, temos pequenos laboratórios, da nossa responsabilidade, em cada um dos hospitais. Nós é que fazemos a rotação, etc.”A gestão é feita de forma informática. “Um grande investimento de nossa parte porque foi tudo feito à medida para o Banco de Sangue”.