A APIFVET, criada em março do ano passado, junta as maiores empresas a atuar na área dos medicamentos veterinários e tem como objetivo ser uma voz autónoma e independente da indústria farmacêutica veterinária nacional. Ter um diálogo com as autoridades nacionais e europeias para debate das diferenças legislativas e regulamentares entre o setor de saúde animal e saúde humana, e ser o principal interlocutor junto de diversos stakeholders, promovendo o cumprimento de aspetos legais, éticos e deontológicos, são algumas das metas já em curso. Entrevistámos Jorge Moreira da Silva, presidente da direção da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica de Medicamentos Veterinários (APIFVET) para saber quais as maiores lutas da indústria farmacêutica de medicamentos veterinários.
O que levou à criação desta associação?
O que esteve na génese da APIFVET foi o facto de querermos ter mais autonomia. A maior parte das empresas fazem parte de uma comissão dentro da Apifarma e quisemos maior poder de decisão. Na Apifarma, ninguém nos representava na área do setor animal. Além do mais, Portugal era o único país sem uma associação da indústria de medicamentos veterinários. Foi também por isso que decidimos avançar. Antes de o fazermos, fizemos um inquérito “boca a boca”, todas as empresas gostaram da ideia e quando percebemos que tínhamos massa crítica suficiente, decidimos avançar.
Quantos associados têm no momento?
Até hoje [data de fecho desta edição], somos 17 empresas de indústria farmacêutica, quer nacionais, quer internacionais. Estamos no processo inicial para a entrada de mais uma empresa.
Atualmente, a APIFVET é também membro da AnimalhealthEurope. Que mais-valias traz esta sinergia?
A reação da AnimalhealthEurope foi a de saudar a iniciativa e afirmar que finalmente Portugal está independente da medicina humana. De igual modo, as entidades nacionais também manifestaram agrado com a criação desta associação, nomeadamente, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que desde a primeira hora demonstrou um grande contentamento pela nossa iniciativa. Desde aí, temos tido uma colaboração muito mais estreita com a DGAV em tudo o que se relacione com o medicamento veterinário.
Temos também uma posição comum junto do Parlamento Europeu e das instâncias europeias. Temos de pensar que as leis deste País são decididas a partir de Bruxelas e não de Portugal. Tendo nós uma associação, temos posições comuns junto de todas as autoridades nacionais. Temos trabalhado muito bem para que haja um caminho para o medicamento veterinário, tanto no âmbito das autoridades, como da indústria veterinária. Temos uma saudável convivência e um estreitar maior de relações em comparação com o que havia no passado. Caminhamos muito bem em paralelo e cada um faz a sua parte.
Que constrangimentos sentiam anteriormente e o que muda na prática a criação desta associação?
Na prática, temos maior liberdade e poder de decisão. Atualmente, podemos ser ouvidos por diversas entidades, desde que a direção assim entenda. Só temos de prestar contas aos nossos associados.
Quando a APIFVET debate com os parceiros europeus tem o cuidado de alertar para a necessidade de ter em consideração as especificidades de Portugal quando se criam as leis, porque, por vezes, existem lobbies do norte da Europa em relação ao sul. Neste momento, estamos a tentar chegar a um consenso relativamente à criação de uma tabela de antibióticos críticos, em que os mesmos vão ser classificados quanto ao seu uso. Já estamos a discutir isso. Os mais críticos são os que podem criar mais resistências na medicina humana. Pessoalmente, não antevejo o surgimento de novos antibióticos, nos próximos anos, para a medicina veterinária, tanto no que respeita a animais de companhia como a animais de produção. Temos de pensar nos animais como um todo e queremos que os medicamentos sejam usados de forma correta, uns a nível profilático, e outros a nível terapêutico. Apresentamos resultados e discutimos porque é que há um consumo exagerado de determinados antibióticos, por exemplo.
Os associados acabam por ser concorrentes entre si mas as preocupações são transversais a todos?
Somos todos concorrentes entre nós, mas, nos nossos estatutos, estamos proibidos de falar de práticas comerciais, tanto nas reuniões como nas assembleias-gerais. Temos um grande cuidado com isso. Falamos de temas gerais e regulamentares e é isso que nos une. Regemo-nos através de um código deontológico, e se há um sócio com algum problema em particular, ou se temos de denunciar produtos ilegais no mercado, por exemplo, a associação funciona como porta-voz junto das entidades competentes.
Que atividades foram desenvolvidas neste primeiro ano de associação?
Já fizemos formação para os nossos associados e estamos numa fase muito crítica e que nos vai ocupar daqui para a frente, e que consistirá na ajuda da DGAV na implementação da nova diretiva dos medicamentos veterinários a nível europeu. Será uma nova etapa na indústria da medicina veterinária e estamos confiantes no nosso poder de decisão, no poder político que estamos a criar… Fomos já recebidos pela Comissão de Agricultura e Mar e todos os partidos políticos demonstraram satisfação e apoio à criação de uma associação da indústria de medicamentos veterinários.
Temos um grupo bilateral de trabalho com a DGAV a propósito desta diretiva e é este o nosso foco de trabalho para os próximos tempos. Criámos grupos de pessoas que se voluntariaram para os vários capítulos desta diretiva.
Quais são atualmente as grandes lutas da indústria farmacêutica de medicamentos veterinários?
É uma luta conjunta com a DGAV e que se relaciona com a redução do uso dos antibióticos. Não é a eliminação, mas sim a redução, porque os antibióticos também têm o seu papel. Já fomos convidados a participar em vários painéis sobre o assunto. Não vamos diabolizar estes fármacos porque, em determinados contextos, não há arma mais eficaz do que os antibióticos.
O tema da vacinação também é importante para nós, porque há uma tendência de não vacinar que pode levar ao reaparecimento de doenças que já estavam erradicadas. Se deixarmos de vacinar os animais para a esgana ou a parvovirose, que estão erradicadas e são altamente infetocontagiosas nos cães, podem voltar a aparecer. Deparamo-nos com alguns mitos sobre a vacinação semelhantes aos da medicina humana. Neste caso, os donos passam para os animais aquilo que fazem na sua própria vida: se acham que não devem vacinar os filhos, também não o vão fazer relativamente aos cães e aos gatos.
Neste momento, o mercado do cão e do gato é o que mais cresce e para o qual há maior investimento, em várias áreas, desde a alimentação para os animais, à indústria propriamente dita. Mas tem de se pensar que, se um dono quer ter um cão ou um gato, tem de vaciná-lo. É fundamental que a medicina preventiva seja uma aposta para os donos dos animais.
As questões fiscais também unem todos os sócios. Existem diferenças no IVA em alguns produtos, como os suplementos alimentares, o que para nós não faz qualquer sentido, ainda que tenhamos noção que seja uma luta inglória.
Estão programadas algumas atividades para os próprios médicos veterinários?
Nós queremos ter as maiores relações com a Ordem dos Médicos Veterinários (OMV). Ainda não conseguimos agendar uma reunião com a OMV, mas será um parceiro fundamental para a associação. De qualquer forma, a indústria está sempre presente nos congressos do setor e somos nós que apoiamos a realização dos mesmos. Posso assegurar que toda a formação em medicina veterinária no nosso País é financiada por sócios da APIFVET.
Qual o papel da investigação em Portugal?
A indústria farmacêutica é muito incipiente a esse nível em Portugal, mas os nossos associados procuram trazer rapidamente para Portugal todas as inovações existentes no mercado europeu.
Faz sentido criar sinergias com outras associações nacionais?
Temos de ter a consciência que temos de usar medicamentos de medicina veterinária para cães e para gatos. Defendemos a receita eletrónica, uma das lutas da OMV que nós também apoiamos, tal como já existe na medicina humana, que está um passo à frente em relação ao nosso setor. O esmagamento de preços em medicina veterinária pode levar ao desaparecimento de alguns medicamentos em Portugal, e isto pode ser um fator crítico muito em breve, talvez daqui a um ano ou dois anos.
A farmácia já tem interesses cada vez maiores na medicina veterinária por uma estratégia própria. Tivemos uma reunião com a Associação de Distribuidores Farmacêuticos e a farmácia começa a ser um canal privilegiado de medicamentos veterinários. É um mercado muito interessante e dinâmico. Temos uma reunião solicitada com a Associação Nacional das Farmácias, porque faz sentido criar sinergias com outras associações.
Como estão a dar a conhecer a vossa associação?
Temos um site, que foi criado muito recentemente e é a nossa porta de entrada para quem nos quiser conhecer, onde vamos publicando as nossas atividades. Estamos a criar agora uma área reservada para os associados. Tencionamos também fazer divulgações para o público em geral através das redes sociais. Ainda não demos esse passo, mas é algo em que vamos querer apostar em breve. Faz parte da nossa estratégia comunicar para o público em geral, mas estamos a dar prioridade à comunicação com a classe médico-veterinária.
Que mensagem gostaria de partilhar aos profissionais do setor?
Somos uma associação jovem e queremos dar um passo de cada vez. A APIFVET existe em Portugal essencialmente para ajudar os profissionais do setor a confiar na indústria dos medicamentos veterinários. Queremos ter mais e melhor indústria.