Quando o animal de companhia adoece, por norma, é uma questão que diz respeito e que afecta o dono. Porém, quando um animal de produção fica doente, em última instância, é uma questão que poderá dizer respeito a todos, pois poderá tornar-se num problema de saúde pública.
As principais doenças que podem decorrer de uma má nutrição são inúmeras e muito variáveis consoantes as espécies. «De uma forma muito geral, nos monogástricos as principais doenças por causas nutricionais são provocadas por deficiências em oligoelementos, como minerais e vitaminas», esclarece Nuno Palma. Porém, o docente de Nutrição e Alimentação Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (FMV – ULHT) considera «que é difícil de ocorrer hoje em dia devido aos alimentos industriais devidamente suplementados». Nos ruminantes, «para além de algumas carências específicas naqueles elementos que representam entidades patológicas específicas, há que ter em atenção desequilíbrios entre a parte forrageira e concentrada da dieta (parte forragem e parte ração) e os seus teores respectivos em amido e compostos azotados, que são muito frequentes e que dão origem a problemas recorrentes como acidoses e acetonémias, entre outros», explica.
A solução destes problemas passa «por um correcto diagnóstico da situação e pela subsequente correcção, normalmente reformulando o alimento ou a dieta». Todavia, Nuno Palma alerta que nem sempre é fácil, visto que «a disponibilidade e preços de algumas matérias-primas, que seriam importantes para melhor o fazer, nem sempre o permite».
Optimizando a produção
A função dos animais de produção, tal como o nome indica, é produzir. E quanto mais produzirem melhor, só que este “melhor” não deve perder de vista o alvo da qualidade. Neste sentido, os avanços da ciência permitiram racionalizar a alimentação, pois actualmente já se conhecem “fórmulas”, que devem ser aplicadas dependendo do animal e do “tipo de produção”.
«A grande preocupação é optimizar a produção e isso é variável consoante o "tipo de produção"», salienta o professor da FMV-ULHT, ou seja, «se estivermos a falar de animais, como frangos de carne e suínos e novilhos de engorda, isso significa "fazer" mais carne com menos quilogramas de alimento (ração). Por outras palavras, com um índice de conversão o mais baixo possível (quilogramas de alimento necessários para produzir um quilograma de carne)». Mas, por outro lado, segundo o médico veterinário, se em questão estiverem «galinhas poedeiras ou reprodutoras, significa procurar mais ovos produzidos, ou melhor, massa de ovo (peso dos ovos x percentagem de postura) no tempo de vida útil do animal e com o menor consumo de alimento possível». No caso dos animais produtores de leite, «há que procurar obter a maior produção deste e com melhor qualidade, ao menor custo», sublinha Nuno Palma, alertando que, todavia, «é algo que se "complica" com o facto de estes animais (vacas e ovelhas ou cabras) serem ruminantes e, por isso, a alimentação ter uma complexidade maior; já que não se resume apenas a uma ração, mas a uma dieta que conjuga esta com uma alimentação de base forrageira». Ora, acontece que «muitas vezes, o próprio pasto é difícil avaliar, não só o seu custo, como também o nível de ingestão diária pelos animais».
O custo da alimentação toma particular importância pois significa, dependendo dos tipos de exploração, «entre 60% a 80% dos custos de produção, pelo que é fácil entender a sua importância e o seu peso nos custos finais».
Não obstante, a primeira preocupação no que diz respeito à alimentação dos animais é que satisfaça as necessidades nutricionais. «Em termos gerais tem, todavia, de satisfazer as necessidades nutricionais de manutenção dos animais e só depois as necessidades de produção». Ainda de acordo com o docente, deve ser equilibrada, «de modo a não provocar desequilíbrios gastrointestinais e permitir o bem-estar dos animais, pois só assim poderão expressar o potencial produtivo que lhes é conferido pela sua genética».
O equilíbrio é a chave
A dieta deve, assim, ser equilibrada e ajustada às necessidades nutricionais dos animais. Tendo em conta que os animais de produção só comem o que lhes é administrado, deve ser formulada para satisfazer as necessidades de manutenção e de produção dos animais e proporcionar um equilíbrio das funções digestivas e gastrointestinais, «de modo a evitar um trânsito intestinal demasiado rápido ou demasiado lento», dado que, para o médico veterinário, esta situação estaria na origem de problemas «que impediriam o animal de produzir convenientemente». Isto consegue-se com um balanço adequado entre «os nutrientes que têm mais implicação directa na resposta produtiva, energia e proteína, mas também com níveis adequados de fibra, nas suas várias componentes, e de uma suplementação adequada de cálcio, fósforo e outros elementos minerais e vitamínicos».
Esta é uma situação geral, não obstante Nuno Palma realçar que, por outro lado, «há uma grande diferença na fisiologia digestiva entre monogástricos e ruminantes e o "equilíbrio" que se deve procurar nas dietas para uns e outros é substancialmente diferente na composição relativa dos vários nutrientes». Na prática, por exemplo, «a fibra bruta pode aumentar o trânsito intestinal num monogástrico e proporcionar o oposto num ruminante».
Na produção industrial actual «utiliza-se muitas vezes o alimento como veículo de determinados aditivos que são factores preventivos de determinadas situações», sublinha ainda o professor, acrescentando que, «embora nos últimos anos a retirada, por imposição legal, dos antibióticos promotores de crescimento tenha reduzido essa utilização, continuam a utilizar-se nalgumas situações específicas, carecendo de ser prescrito pelo médico veterinário».
A diferença entre leite e carne
Falando agora especificamente de bovinos, a alimentação dos animais produtores de leite difere substancialmente dos produtores de carne. «Embora haja alguns países em que a alimentação de bovinos de carne e leite se assemelhe mais, de um modo geral, no Sul da Europa, os animais de carne são alimentados com um concentrado muito energético e uma componente forrageira muito reduzida, o que leva por vezes a desequilíbrios na relação entre ambos com consequências graves para os animais», explica o docente da FMV-ULHT. No que toca à produção de leite, «os animais têm normalmente uma alimentação forrageira mais cuidada e forçosamente com maior peso percentual no total da dieta, dado que isso torna-se imperativo, não só para o equilíbrio digestivo e metabólico das vacas, mas também para a qualidade – e sua valorização em termos de custo – do leite», acrescenta.
Ainda assim, o tipo de dietas administradas, «especialmente da componente forrageira, depende muito da zona e da disponibilidade sazonal de matérias-primas», refere o médico veterinário, salvaguardando que, «também é certo que, presentemente, as explorações leiteiras procuram garantir uma uniformidade ao longo do ano na disponibilidade e na qualidade das matérias-primas fundamentais para alimentar os animais – nomeadamente a silagem de milho – para precisamente garantir um equilíbrio nutricional dos animais e a produção de um leite de qualidade».
As diferentes fases de vida
A alimentação deve ser ajustada às diferentes fases das vida dos animais, «satisfazendo em primeiro lugar as necessidades de manutenção e só depois as de produção», reitera Nuno Palma. Todavia há outras necessidades que têm de ser preenchidas, «caso o animal se encontre em lactação e, ao mesmo tempo em gestação, o que acontece, por exemplo, nas vacas de leite». Nestas circunstâncias, «o alimento tem de contemplar essa necessidade acrescida de nutrientes». Contudo, a esta equação (lactação mais gestação) pode ainda adicionar-se mais um termo: crescimento. O animal «pode estar nas duas fases anteriores e estar ainda a crescer e assim terá de ser, igualmente, contemplado mais este acréscimo de nutrientes», menciona Nuno Palma, alertando que «tudo isto poderia parecer fácil – dotar o alimento deste acréscimo de nutrientes necessários ao preenchimento das necessidades acrescidas – se não tivesse o animal uma capacidade de ingestão limitada e que ainda é mais limitada porque o animal ainda não atingiu o peso e tamanho de adulto e ainda mais se está gestante e com parte da cavidade abdominal "ocupada" por um feto a crescer, que "rouba" necessariamente espaço à dilatação ruminal». Resumindo, «são aspectos que concorrem em sentidos opostos, por um lado as necessidades nutricionais aumentadas, por outro a capacidade de ingestão dos animais, o que complica a tarefa do nutricionista», conclui o docente.
No relativo a outras espécies, de uma forma geral, «obviamente, quando o animal está a crescer tem necessidades nutricionais acrescidas por esse facto, o mesmo acontece quando está na fase de gestação, já que o feto também tem necessidades nutricionais e que aumentam muito no último terço da gestação, uma vez que é quando se dá o seu maior crescimento». Nuno Palma refere ainda que «as necessidades do animal em lactação são, igualmente, muito aumentadas para suprir as enormes necessidades nutricionais para a produção de leite que, como se sabe, é muito rico em energia, proteína, cálcio e fósforo, o que obriga o animal que o produz a necessidades nutricionais muito acrescidas, que devem ser supridas pelo alimento e muitas vezes, na insuficiência deste, pelas reservas corporais do próprio animal».