Existem algumas doenças que poucas pessoas, para além dos profissionais de medicina veterinária, sabem que também afectam os animais. Quando se fala, por exemplo, em anorexia, provavelmente, a primeira imagem que surge na mente está relacionada com humanos e mais especificamente com mulheres, apesar de ser uma doença que também aflige os homens. O mesmo acontece com a diarreia e os vómitos. Contudo, estes problemas também são característicos dos animais e traduzem distúrbios do foro da gastroenterologia.
As doenças gastrointestinais são frequentes na rotina clínica de pequenos animais, sendo a diarreia uma das manifestações sistémicas mais consistentes e que pode levar à morte. Sendo assim, no caso da diarreia do cão e do gato podem identificar-se dois tipos, visto que têm, normalmente, causas diferentes. Quando o problema é ao nível do intestino delgado, a diarreia caracteriza-se por ser muito líquida, sem presença de sangue vivo, o aumento do número de defecações é pouco marcado e é bastante debilitante. É, várias vezes, acompanhada de vómitos e perda de peso. Já quando o que está em questão é o intestino grosso, a diarreia caracteriza-se por fezes mais moldadas, presença de muco e/ou sangue vivo, tenesmo. O animal continua activo, muitas vezes com apetite e há um aumento muito significativo do número de defecações.
É então que, com frequência, aparecem nos centros de atendimento médico veterinários animais com vómitos e diarreia, sendo que os proprietários nem sempre não dão a devida importância o que conduz, algumas vezes, a situações irreversíveis.
«Normalmente, os donos costumam reagir bem ao diagnóstico de uma doença gastrointestinal até porque, quando chegam à consulta, a maior parte deles sabe que o seu animal sofre de um distúrbio deste tipo, visto que os sintomas (vómitos, diarreia ou anorexia) são facilmente perceptíveis», diz Cláudia Cortes, da Clínica Veterinária de Santo Onofre, em Elvas. Todavia, a médica veterinária ressalva que a atitude do proprietário varia consoante a doença em causa. «Dependendo da patologia assim será a reacção do dono, pois é bastante diferente saber que o seu animal tem uma gastroenterite por causa de uma lata em más condições do que ter um adenocarcinoma de prognóstico reservado».
Múltiplas causas
Segundo Luís Montenegro, director clínico do Hospital Veterinário Montenegro, as principais doenças agudas e crónicas verificadas nos órgãos do sistema digestivo vão desde as gengivites/estomatites, esofagites, gastrites, passando pelas torções de estômago, gastroenterites, intuscepções, colites, doenças inflamatórias crónicas do intestino, até aos tumores.
«Em termos de ocorrência, a doença gastrointestinal aguda ou crónica, é uma das principais causas de consulta veterinária», reitera Cláudia Cortes, acrescentando que «existem numerosas patologias gastrointestinais cujas causas são variadas». Neste sentido, podem ter «causas infecciosas (virais ou bacterianas), parasitárias, químicas (alimentos deteriorados, intolerância alimentar, administração de medicamentos ou tóxicos), funcionais (anomalias do esvaziamento gástrico, hipomotilidade intestinal, ileo paralítico, megacólon, anomalias congénitas como os shunts porta-hepáticos), e metabólicas (distúrbios e insuficiência hepáticas, pancreatites agudas, insuficiência pancreática exócrina). Podemos ainda referir as neoplasias (linfomas, adenocarcinomas, leiomiosarcoma) e a doença inflamatória (gastrite, enterite linfoplasmocíticas…)».
Porém, há mais um factor a ter em conta na hora de diagnosticar uma patologia de foro gastrointestinal: a idade do animal. «Na nossa prática clínica, as principais causas deste tipo de doenças variam consoante a faixa etária do animal. Assim, em animais jovens (com menos de um ano de idade) as principais causas são as infecciosas, parasitárias, indiscrições alimentares e corpos estranhos». Já no relativo aos adultos, a médica veterinária da Clínica Veterinária de Santo Onofre sublinha que, «para além de todas estas causas, surgem muitas alterações de origem metabólica com doença gastrointestinal secundária a hepatopatias ou nefropatias».
Operar ou não
Dependendo das suspeitas do médico veterinário, o «raio X abdominal, a ecografia abdominal, a endoscopia ou as análises bioquímicas gerais podem ajudar no diagnóstico», sublinha Luís Montenegro.
Uma vez que o tratamento destas patologias varia consoante a sua causa, Cláudia Cortes é da opinião «que se torna, realmente, fulcral a execução de um exame clínico cuidados e da execução de provas de meios complementares de diagnóstico como análises sanguíneas e imagiologia para se obter um diagnóstico preciso e correcto».
A seguir ao diagnóstico, o passo seguinte é o tratamento, sendo que, «dependendo do problema, pode ser necessário realizar uma cirurgia», refere o director clínico do Hospital Veterinário Montenegro, «ou apenas tratamento de suporte com fluidoterapia, protectores gástricos, anti-eméticos, pró-entéricos ou mesmo antibióticos». Quando é necessário recorrer ao procedimento cirúrgico é porque foi detectada a presença de corpos estranhos, que precisam de ser removidos. Mas também se opera devido a «dilatações/torções gástricas (para destorcer e fixar o estômago à parede abdominal), intuscepções intestinais (para “desencarcerar” o intestino e/ou remover a zona afectada) e laparotomias exploratórias (para efectuar um diagnóstico)», explica Luís Montenegro.
A questão da alimentação
Neste tipo de patologias, a alimentação assume um papel de relevo. Segundo o médico veterinário do Hospital Veterinário Montenegro, «assim como nas pessoas, nos animais a dieta para o tracto gastrointestinal, quer à base de uma ração comercial ou de arroz com frango cozido, é bastante importante e faz parte do tratamento e da prevenção de recaídas».
Cláudia Cortes tem uma opinião semelhante, pois argumenta que «a alimentação é essencial, tanto na prevenção como na recuperação de um animal. Uma alimentação equilibrada à base de uma ração bem formulada com proteínas de alta qualidade favorece o desenvolvimento de um trato gastrointestinal saudável».
No tratamento e recuperação, «é indispensável o papel das dietas específicas que quando destinadas a doença gastrointestina normalmente possuem na sua formulação os fructo-oligossacarideos e os manano-oligossacarídeos responsáveis por, respectivamente, promover o crescimento da flora intestinal benéfica e a neutralizar as bactérias patogénicas. Para além disso, têm um coeficiente ajustado de ómega-6 e ómega-3 responsáveis pela redução da resposta inflamatória intestinal e ainda ingredientes de elevada digestibilidade e baixo teor de gordura, promovendo uma melhor absorção dos nutrientes e diminuindo o risco de diarreia», explana a médica veterinária de Elvas.