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ICBAS organiza III Ciclo de Conferências de Saúde Pública Veterinária

ICBAS organiza III Ciclo de Conferências de Saúde Pública Veterinária

A sociedade preocupa-se cada vez mais com a saúde animal e, consequentemente, com a qualidade dos alimentos que ingerimos. É «essencial que possam ser dadas garantias aos consumidores, por isso precisamos de sistemas que sejam verificados e auditados», afirmou José Niza Ribeiro, professor e membro da organização do III Ciclo de Conferências de Saúde Pública Veterinária. O responsável admite que a saúde animal é uma área onde é preciso actuar mais, uma vez que «trabalhar a intervenção também se vai traduzir numa melhoria da higiene e saúde dos próprios alimentos».

“Saúde Animal e Saúde Humana, uma única Saúde” foi o mote do III Ciclo de conferências de Saúde Pública Veterinária, organizado pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Numa altura em que a sociedade começa a despertar para a importância das questões da saúde animal, até pelo aparecimento de casos mais mediáticos, como a gripe das aves, o tema parece encaixar-se como uma luva. José Niza Ribeira, um dos organizadores do encontro e professor do ICBAS, revela que o objectivo é «prevenir e proteger a saúde pública humana, garantindo uma boa saúde a nível dos efectivos pecuários e mesmo dos animais de companhia». Mas, para isso, é «essencial que possam ser dadas garantias aos consumidores. Por isso precisamos de sistemas que sejam verificados e auditados». O organizador realçou que as autoridades veterinárias fazem esse esforço e pedem que as empresas trabalhem de acordo com determinados princípios para garantir a melhor qualidade. Isto não esquecendo que «as próprias empresas têm o maior interesse em dar garantias adicionais», referiu Niza Ribeiro. Daí a importância de questões como a certificação e a acreditação debatidas durante o encontro.

Entidades certificadoras credibilizam sector

 

Luís Fonseca, assessor da administração da Apcer – Associação Portuguesa de Certificação, explicou que as entidades certificadoras e acreditadoras apareceram com o objectivo de «dar resposta à necessidade de demonstrar, com credibilidade, que as organizações cumprem os requisitos das normas de gestão aplicáveis». Acrescentando que no caso específico do sector alimentar «é possível identificar um conjunto significativo de riscos que podem afectar a segurança dos alimentos e a confiança dos consumidores», dando como exemplos a falta de requisitos legais, o bioterrorismo, o uso de pesticidas ou os riscos de infestações e contaminações. Contudo, Luís Fonseca explicou que o que difere uma empresa nem é tanto a certificação, mas «um bom sistema de gestão que inclua uma melhoria contínua». Isto apesar de, para o representante da Apcer, «a maior parte dos empresários já começarem a compreender que o certificador final é o cliente». Niza Ribeiro concorda que a questão da certificação é uma questão central: «em muitos países da Europa, nomeadamente em questões de saúde animal, mesmo as próprias instituições de produtores, até por questões do mercado interno, deram já passos que aqui em Portugal ainda não foram dados. Penso que aí temos de ganhar algum terreno», referiu o professor à Veterinária Actual, à margem do encontro.

Embora as questões de segurança alimentar estejam a ganhar cada vez mais importância, Niza Ribeiro referiu que continuam a existir assuntos mais técnicos que passam despercebidos à sociedade, como outras doenças de grande importância, e «nessas áreas também tem de se continuar a trabalhar no sentido de melhorar as garantias». O organizador considera que nas áreas de segurança alimentar ou da inspecção já se faz um grande esforço para garantir que os alimentos, quando chegam à mesa do consumidor, são seguros. «Quando olhamos para algumas dísticas de saúde vemos efectivamente que os problemas de segurança alimentar continuam a ser um assunto para o qual é necessário prestar atenção», alertou Niza Ribeiro. Mesmo que o problema não seja percebido como uma crise.

 

Portugal dá passos lentos mas seguros

Segundo o organizador, em Portugal têm sido dados passos seguros, apesar de não deixar de dizer que muitas vezes se podia ir mais depressa, assim como fazer mais. «Mas penso que temos de olhar também para o que se vai conseguindo, quer ao nível das empresas, quer ao nível das garantias que o Estado pode hoje dar relativamente à segurança dos alimentos, por exemplo». Niza Ribeiro salientou também que a saúde animal é uma área onde é preciso trabalhar mais, uma vez que «trabalhar a intervenção também se vai traduzir numa melhoria da higiene e saúde dos próprios alimentos».

 

Paulo Martins da Costa, professor do ICBAS, lembrou que o uso de antibióticos em espécies pecuárias é uma importante ferramenta para a promoção da saúde, produtividade e bem-estar. No entanto, este uso acarreta «riscos de natureza ambiental, química e microbiológica». Segundo o convidado, «a irradiação de resistências a partir de explorações pecuárias para a população humana representa uma ameaça crescente à saúde pública». A produção pecuária pode assim ter um papel muito significativo, «não só na emergência de “novas” resistências antibióticas, mas também na devolução ao Homem de resistências seleccionadas no domínio humano, isto é, com origem antropogénica, em virtude da elevada frequência de resistência à rifampicina», explicou.

A salmonelose é uma das principais doenças veiculadas por alimentos no mundo, referiu Carla Gomes, professora do ICBAS. Além das implicações humanas, a salmonela é um agente patogénico de importância significativa na produção animal mundial e a emergência de estirpes resistentes a antibióticos, devido sobretudo ao uso de antimicrobianos terapêuticos em animais, é uma ameaça à saúde humana e animal, explicou Carla Gomes. Aliás, o controlo da salmonela na produção animal tem sido alvo de uma atenção crescente pelos sistemas de segurança alimentar, uma vez que a maior fonte de surtos em humanos provêm dos alimentos ingeridos, referiu a professora. Sendo que os meios utilizados em diferentes países com sistemas de controlo do agente implementados variam, tal como varia a sua eficácia.

 

«As medidas a implementar para controlar o agente vão depender da prevalência das explorações, da estrutura do sector, e do tamanho e volume de abate do matadouro para serem eficazes em termos de custo / benefício», afirmou a oradora, não esquecendo de salientar que se deve fazer «uma avaliação prévia de cada medida de controlo antes de ser implementada, devendo todo o sector produtivo estar envolvido neste controlo». 

Avicultura também está contemplada

Fernando Bernardo, da Direcção-Geral de Veterinária, adiantou que «em Portugal, à semelhança de todos os outros Estados-membros da União Europeia, existem planos de controlo que são aplicados ao sector da avicultura». Os resultados são analisados em espaços temporais pré-determinados tendo em vista a criação de um espaço de segurança e de confiança nestes sectores produtivos.

De acordo com Fernando Bernardo, os planos em execução em Portugal têm cumprido satisfatoriamente as metas estabelecidas, «aguardando-se actualmente a elaboração de regulamentação comunitária para os sectores dos perus e dos suínos», explicou.

Outro problema de saúde pública é a campilobacteriose. A Campylobacter tem «assumido um papel cada vez mais relevante, tendo mesmo ultrapassado a salmonela como a zoonose mais reportada na União Europeia e noutras regiões», afirmou Cristina Lobo Vilela, da Faculdade de Medicina Veterinária, da Universidade Técnica de Lisboa.
Embora existam muitos dados sobre a Campylobacter, estes raramente contêm informação comparável. «Torna-se assim urgente que seja efectuado um levantamento dos dados existentes que permita uma análise de risco quantitativa, a fim de determinar qual o impacto de Campylobacter sobre a saúde humana, a resistência a antibióticos, nomeadamente a fluoroquinolonas, e avaliar quais as medidas de controlo que se revelarão mais eficazes», explicou Cristina Lobo Vilela.

Para o estabelecimento de políticas de segurança alimentar coerentes e eficazes, é importante conhecer o grau de incidência da campilobacteriose humana causada por alimentos específicos, mas também qual a fracção atribuível a outras fontes de infecção, como a exposição ambiental ou o contacto directo com os animais, como explicou a convidada.

«A campilobacteriose é um excelente exemplo de como a doença propriamente dita é, como as suas consequências são heterogenias, sendo assim fundamental que as políticas de controlo se baseiem numa combinação de dados alargados, fidedignos e comparáveis», afirmou Cristina Lobo Vilela.

Veterinários podem ser agentes catalisadores

O objectivo do encontro foi sensibilizar os médicos veterinários para a importância que a certificação ganha perante estes problemas, porque «os médicos veterinários, dentro das empresas, podem ser um agente catalisador destas ideias», referiu Niza Ribeiro. Dai que o ciclo de conferências tenha sido dirigido sobretudo aos médicos veterinários.

João Sameiro Sousa, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, concorda que a actuação do médico veterinário na certificação animal é hoje entendida como um conceito alargado. «Compete ao médico veterinário a responsabilidade, como agente certificador, de possuir uma visão alargada de todas as condicionantes envolvidas na cadeia produtiva. Um dever que o obriga a envolver-se com todos os agentes que nela participam, de forma a preservar e garantir o cumprimento das regras estabelecidas. Não só na vertente básica de saúde animal como também nos aspectos de bem-estar animal e segurança alimentar, que confiram igualmente à sua actuação a participação activa na defesa da saúde pública», afirmou o bastonário durante o encontro. Acrescentou ainda que «a certificação, sendo um acto de enorme responsabilidade, terá que conferir ao veterinário um estatuto de total independência na sua actuação, não podendo por isso permitir interferências que possam pôr em causa a sua conduta ética e deontológica».

Todavia, Niza Ribeiro reforça que «muita gente se deve envolver na promoção da importância deste assunto», uma vez que «existe trabalho a fazer e que deve ser feito paulatinamente». As conferências acabam por ser apenas uma das formas de criar sensibilidade para o tema mas as universidades também têm um papel na formação. Contudo, o profissional admite que «as universidades são instituições muito credíveis mas o processo de acomodação às novidades, por vezes, é lento».

O ICBAS é um instituto multidisciplinar, onde existem o ensino veterinário e o ensino da medicina humana, por isso «as questões de saúde pública têm para nós um enfoque especial», afirmou Niza Ribeiro.

As conferências de saúde pública já vão no seu terceiro ano, embora o responsável admita que talvez tenham passado mais despercebidas em anos anteriores, talvez porque eram mais espaçadas. «Este ano decidimos juntar num só momento e dar uma outra visibilidade, o que nos permite também passar a mensagem clara que as questões de saúde pública são para nós muito importantes», afirmou.

Quanto ao balanço final, Niza Ribeiro mostrou-se satisfeito, mesmo porque a assistência era constituída por médicos de todo o país. «Penso que é uma área em que os médicos veterinários ainda se precisam sensibilizar um pouco mais», conclui.

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