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Médicos Veterinários

Luto: como apoiar os tutores e as equipas veterinárias?

O conceito de trabalho social veterinário ainda não está muito divulgado na Europa, mas no outro lado do Atlântico é um ramo de atividade que tem vindo a crescer em paralelo com o cada vez maior laço emocional entre tutores e animais de companhia. Angie Arora é veterinary social worker e explica como este trabalho pode ajudar os tutores no luto pelo animal de companhia, mas também auxiliar as equipas a lidar com as novas e crescentes necessidades dos clientes.

“O meu trabalho é apoiar as necessidades das pessoas associadas às relações entre humanos e animais de companhia”, foi desta forma que Angie Arora, investigadora da Seneca College, se apresentou na sessão sobre as melhores práticas para apoiar os tutores no luto no WSAVA Congress 2023.

 

O facto é que o animal de companhia é, cada vez mais, encarado pelas famílias como mais um membro do clã e, aquando da partida desse elemento não humano, é necessário que as equipas de medicina veterinária estejam devidamente apetrechadas com ferramentas que possibilitem apoiar os clientes nesse momento. Afinal, frisou Angie Arora, “os tutores merecem ter o apoio de que necessitam depois de perderem o animal de companhia”.

Esta foi a área de especialização de Angie Arora, uma especialista em serviço social do Canadá, que se tornou aquilo a que no país da América do Norte se denomina de veterinary social worker. Uma das áreas de trabalho de Angie Arora é ajudar as famílias dos animais de companhia no processo de luto e também dar aos profissionais de medicina veterinária as ferramentas para que eles consigam acompanhar as famílias nesse processo.

 

“Quando sabem que vão ter de comunicar um diagnóstico de doença terminal não haverá forma de ter uma consulta mais prolongada uma vez que, muito provavelmente, vão ter uma reação emocional da parte do tutor a que também terão necessidade de responder? O pior que nos pode acontecer é ser-nos despejada uma má notícia de forma apressada” – Angie Arora, veterinary social worker

 

Na palestra, a especialista abordou as necessidades dos clientes tanto antes da partida do animal, nomeadamente durante os períodos de doença prolongada e terminal, como depois do falecimento. Sendo certo que os clientes reagem de forma diferente perante situações idênticas, dependendo do laço que existia com o animal, é indiscutível que “as relações que os vossos clientes têm com os animais estão a alterar-se dramaticamente” e se há 15 anos um animal era apenas isso mesmo, “um animal, um item de que se era proprietário, se pensarmos hoje a maioria dos clientes trata o animal como o seu bebé, o seu filho, a sua família”. A visão da oradora, referiu, é baseada apenas no trabalho que realiza com clientes da América do Norte, Canadá e Estados Unidos da América, mas, acredita, este é um paradigma que se tem vindo a alterar um pouco por todo o mundo.

Indiscutível é que esta mudança nas relações entre tutores e nos animais de companhia “tem um impacto significativo na prática clínica” das equipas de medicina veterinária, que também têm de alterar a forma como lidam com os clientes e com os animais.

 

A valorização da empatia e da comunicação

Se o paradigma da relação tutor/animal tem vindo a sofrer alterações, é natural que a forma como os clientes vivem o luto seja, hoje, diferente. O impacto do luto depende muito da história individual de cada pessoa, mas o que os estudos têm demonstrado é que a rede de apoio desempenha um papel importante nos momentos de perda e, por isso, “se a pessoa está sozinha, não tem amigos ou família por perto vai afetar negativamente a forma como vai vivenciar o luto”, explica a oradora, assim como as experiências passadas de perda e a forma como o animal faleceu: se foi subitamente, se aconteceu no decorrer de uma doença prolongada, se foi um momento humanizado, se teve decisões a tomar.

Se todos estes fatores têm impacto na forma como o cliente faz o luto, que relação têm estes com as equipas médico-veterinárias?

“Uma parte deles não estão sob vosso controlo, mas o que vocês podem controlar é a qualidade de cuidados que providenciam”, sublinhou Angie Arora e, nessa medida, a especialista deu a conhecer orientações das melhores práticas para veterinários, enfermeiros e auxiliares na hora do luto dos clientes.

Da observação que tem feito no acompanhamento dos tutores em luto, Angie Arora referiu que os que dizem “que a equipa teve muita compaixão, que a comunicação foi clara e boa, que sabiam o que esperar e sentiram que tiveram algum controlo são os clientes que o luto parece decorrer de forma mais saudável”. No outro espectro, os tutores que referem terem acontecido erros que levaram ao falecimento do animal, que se queixam de má comunicação, de falta de empatia por parte da equipa veterinária viveram momentos de raiva, de desespero, enfim, vivenciaram processos de luto menos saudáveis.

Linhas de orientação para a equipa: comunicação é fundamental

Quando se aborda o fim de vida e as decisões que estão inerentes a esse período, Angie Arora advoga que é importante colocar o serviço de eutanásia na página da Internet do centro de atendimento médico veterinário. “Quando listam a eutanásia como um serviço dá-vos a oportunidade de mostrar ao cliente o que a eutanásia significa para vocês, como a valorizam e como a praticam e é uma forma de demonstrar os vossos valores”, explicou, sugerindo também que deve ser encontrado um momento, com marcação de consulta por exemplo, para discutir o fim de vida do animal. “Quando sabem que vão ter de comunicar um diagnóstico de doença terminal não haverá forma de ter uma consulta mais prolongada uma vez que, muito provavelmente vão ter uma reação emocional da parte do tutor a que também terão necessidade de responder? O pior que nos pode acontecer é ser-nos despejada uma má notícia de forma apressada”, frisou a oradora.

“O meu trabalho é apoiar as necessidades das pessoas associadas às relações entre humanos e animais de companhia.”

Um dos pontos que a oradora insistiu foi na comunicação clara com o cliente. Quando o animal, em virtude de uma doença mais ou menos prolongada, começa a ter a saúde deteriorada é fundamental que o médico veterinário seja claro sobre o estado de saúde do animal, dê a informação de forma compassiva e respeitando o tempo do tutor. Um dos feedbacks que Angie Arora recebe é que os profissionais transmitem a informação, mas não têm em atenção que o tutor está sob stress e, por isso mesmo, tem mais dificuldade em processar tudo o que lhe é apresentado. Nestes momentos, o conselho da especialista é dar a informação de forma repartida, fazer pausas e perguntar ao tutor se ele está a perceber o que lhe é dito, ou se tem alguma dúvida, aquilo a que a especialista da Seneca College chamou de “chunk and check [pedaço de informação e verificação]”. “A minha experiência ao falar com tutores depois de receberem a informação deste modo é que sentiram que a equipa se preocupava realmente com eles e que lhes permitiu processar a informação”, relatou.

Perante o cenário de uma doença terminal, o trabalho que esta exige da parte do tutor, a carga emocional a que este está sujeito, a especialista sugeriu às equipas que vão ligando e procurando saber como o cliente está a gerir as emoções e como está a lidar com a quantidade de procedimentos que os cuidados ao animal implicam. Nas palavras de Angie Arora, “algo simples como este telefonema demonstra a compaixão que os clientes procuram”.

Outro ponto focado pela palestrante foi o acesso a cuidados paliativos para os animais de companhia. Segundo relatou, este é um item ainda pouco oferecido nas clínicas veterinárias e que, relatam os tutores, seria do agrado dos tutores poderem oferecer aos animais de companhia. E aconselha a especialista que “quanto mais cedo se começar a discutir os cuidados de fim de vida melhor, pois, por vezes, as situações escalam com tal rapidez que deixa de ser sequer uma opção”.

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Sobre o momento da eutanásia, Angie Arora reconheceu que nem sempre as estruturas físicas das clínicas permitem ter salas destinadas unicamente a esse procedimento, mas aconselhou os profissionais a darem ao tutor e à família a maior privacidade possível e o tempo de que necessitam para a despedida do animal. Procurarem ter espaços calmos, reservados, que permita à família ter privacidades nos momentos finais é essencial, afinal, sublinhou, o ambiente em que decorre a eutanásia “tem uma forte correlação na forma como o cliente vai fazer o luto”.

Se a discussão sobre os cuidados de fim de vida do animal começar numa fase precoce da doença dá a oportunidade ao tutor de planear, de tomar decisões numa fase menos crítica e, no fundo, permite-lhe ter um maior controlo da situação respeitando o que fizer mais sentido para o animal e para a família, escolhendo objetos significativos para animal ou pessoas que devem estar presentes.

Depois do momento do falecimento do animal de companhia, a veterinary social worker abordou a forma de preservação do animal. Nas orientações que recomendou, Angie Arora sugeriu que alguns elementos da equipa ficassem encarregues de conhecer os serviços de fim de vida locais, os crematórios, os produtos onde guardar pelo ou as cinzas para poderem comunicar com o cliente. Além disso, foi perentória a referir que “tudo o que diz respeito ao corpo do animal e às suas memórias [cinzas, pelo] deve ser tratado com o mais alto nível de respeito, cuidado e dignidade”.

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