A Câmara de Lisboa já aceita que os seus funcionários se ausentem do trabalho em situação de urgência veterinária inadiável. Esta norma surge no seguimento de um parecer da provedora dos animais da autarquia, Marisa Quaresma dos Reis, elaborado em 2018.
A criação do parecer foi motivada, precisamente, por um acontecimento que teve lugar na Câmara de Lisboa: “Uma técnica superior não viu a sua falta justificada numa situação em que necessitou de assistir o seu animal e levá-lo ao médico veterinário no horário de trabalho”, começa por contar à VETERINÁRIA ATUAL a provedora dos animais da autarquia, Marisa Quaresma dos Reis.
Neste sentido, o parecer pressupõe que se um animal de companhia, a cargo de um titular, sofrer lesão grave ou morte, por não terem sido prestados cuidados médico-veterinários, a pessoa em questão “estará a cometer um crime de maus-tratos ao animal de companhia por omissão”. Marisa Quaresma dos Reis adianta que, assim, “parece claro que a falta ao trabalho, sempre que se verificar uma necessidade inadiável de assistência médico-veterinária no período laboral, encaixa na definição de ‘cumprimento de obrigação legal’, prevista na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (Art 134, nº1 al. d)”. Embora a génese do parecer o direcione para situações que ocorram com trabalhadores da função pública, o mesmo entendimento pode ser acolhido para os trabalhadores do setor privado através do Código do Trabalho.
O parecer remonta a 2018, mas só em maio deste ano, a provedora dos animais obteve a informação, por via escrita e oficial, de que a Câmara de Lisboa iria possibilitar ausência dos seus colaboradores por motivo de urgência veterinária. Marisa Quaresma dos Reis sublinha a dificuldade em obter respostas por parte da autarquia às suas recomendações. “A CML nunca se pronunciou por escrito (e muito raramente por telefone) sobre nenhum dos documentos que emiti”.
A provedora dos animais de Lisboa nota que não existe nenhum tipo de recomendação formal que reconheça o luto pelos animais, ainda que no setor privado tenha conhecimento de casos em que “justificam faltas por morte de animal de companhia (luto) ao abrigo do Art 249, n.º2 al j), que determina que está justificada toda a falta autorizada pela entidade empregadora”. No entanto, acrescenta: “Há que dizer que o Código do Trabalho é mais flexível que a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas. No caso dos funcionários do setor público, sem uma mudança da lei, isto não seria possível”.
Marisa Quaresma dos Reis realçou ainda papel dos médicos veterinários nesta questão, na medida em que são eles que irão passar as declarações a apresentar na entidade patronal e que “acabarão por assegurar o sucesso deste importante passo para os direitos dos trabalhadores na sociedade atual”. A declaração que atesta a urgência e a necessidade da intervenção “vai permitir precisamente evitar eventuais casos de fraude para benefício indevido de uma justificação para a falta ao trabalho por parte do tutor do animal”, conclui.