O relatório Estado das Aves em Portugal 2019, divulgado recentemente pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), revela dados alarmantes sobre os efeitos da atividade humana nestes animais. Apontando a degradação dos meios rurais, intensificação da agricultura, até à situação de várias espécies de aves marinhas, que têm sido afetadas por problemas como a captura acidental nas pescas e a poluição luminosa, o relatório da sociedade traça um panorama preocupante.
Apesar disso, Domingos Leitão, diretor-executivo da SPEA, explica em comunicado que “esta compilação de dados, obtidos graças ao esforço de centenas de voluntários por todo o país ao longo de mais de 15 anos, tem uma nota positiva: a eficácia das ações de conservação de natureza”. O relatório agrega resultados de 18 censos e programas de monitorização ao longo da última década e meia.
“A recuperação fantástica de espécies, como o priolo, mostra que é possível travar a catástrofe, mas é preciso agir já e pensar para lá do lucro imediato”, diz o diretor-executivo. “Sabemos as causas da maioria destes declínios; se não agirmos já para as travar estamos a colocar em risco a natureza e a qualidade de vida dos nossos filhos e netos.”
Segundo a SPEA, aves como a rola-brava, o picanço-barreteiro, a águia-caçadeira e o sisão “mostram declínios dramáticos (de 49% a 80%), e mesmo algumas aves comuns, como o pardal e o pintassilgo, têm visto as suas populações decrescer nos últimos anos”.
Política agrícola perigosa
As aves dos campos portugueses estão a desaparecer a um ritmo assustador, afirma a SPEA. “Existe hoje metade dos sisões que havia há uma década, enquanto a população de rola-brava diminuiu 80% nos últimos 15 anos. Ao mesmo tempo, aves como a águia-caçadeira, a petinha-dos-campos ou a calhandrinha-comum, que dependem de práticas agrícolas mais tradicionais, encontram-se confinadas a áreas cada vez mais pequenas.” Em comunicado, a sociedade diz que não se trata de casos isolados: os dados recolhidos em vários programas de monitorização convergem na conclusão de que as aves de zonas agrícolas estão em declínio.
“Para salvar o património natural dos nossos campos, Portugal tem de investir muito mais dinheiro da Política Agrícola Comum na gestão adequada dos sistemas agrícolas extensivos, como os mosaicos de cereal e pousio e os olivais tradicionais, que produzem menos mas contribuem para a conservação da biodiversidade, dos solos e da água”, diz Domingos Leitão.
Declínios no mar
Segundo a SPEA, em apenas cinco anos, o maior núcleo reprodutor de galheta do nosso País (nas Berlengas) diminuiu cerca de 25%. As aves invernantes e as migradoras, para as quais Portugal é um importante refúgio e ponto de passagem, estão também em declínio: têm sido registados cada vez menos pardelas-baleares, tordas-mergulheiras e alcatrazes nos nossos mares, enquanto na nossa costa o número de pilritos-das-praias contado tem também vindo a diminuir ao longo da última década.
“É preciso fazer mais pela proteção das áreas marinhas, e é preciso travar ameaças que estão bem identificadas, como a captura acidental nas pescas e a poluição luminosa”, reforça o diretor-executivo da SPEA.
Invasoras a aumentar
Um outro aspeto focado no Estado das Aves em Portugal 2019 são as espécies originárias de outras zonas do globo e introduzidas em Portugal por ação humana (como o arcebispo e o ganso-do-egito), que estão a espalhar-se pelo território nacional, o que poderá trazer problemas para as nossas aves nativas, a quem poderão retirar espaço e alimento.
Mas, nem tudo é mau. A SPEA elogia os investimentos que têm sido feitos na conservação de algumas espécies raras ou ameaçadas, como o priolo, na ilha de São Miguel, nos Açores, ou da cagarra, na ilha da Berlenga. “O investimento na conservação da natureza produz resultados, e não é só ao nível das espécies que são salvas. Proteger e recuperar a imensa riqueza natural do nosso País é contribuir para a economia local e promover atividades sustentáveis, é criar empregos e novas áreas de negócio. Só temos a ganhar com isso”, salienta Domingos Leitão.
Em novembro deste ano, a SPEA apoiou ainda um projeto de lei do partido Os Verdes, que pretendia a proibição de medicamentos veterinários e pecuários com diclofenac no País.