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Veterinários portugueses pelo mundo

Pedro Falcão: “Em Portugal trabalha-se bem, mas não se é justamente recompensado”

Pedro Falcao destaque veterinariaatual

Pedro Falcão, médico veterinário, sempre se dedicou à medicina de ruminantes. É a especialidade da sua eleição e levou-o a procurar oportunidades além-fronteiras. Neste momento está no País de Gales e revelou algumas das diferenças que encontrou nos processos de trabalho nos dois países.

 

 

Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?

Desde que terminei o curso sempre me dediquei à medicina de ruminantes. De entre as áreas clínicas é o exercício da reprodução de bovinos que mais gozo me dá e, se me é permitido afirmar, é a minha especialidade de eleição. Julgo que tal se deve ao facto de, para se conseguir um bom maneio reprodutivo de uma exploração, é necessário perceber e actuar em todas as áreas que envolvem a exploração animal, desde a nutrição, o maneio ou até a qualidade do leite. A reprodução nesta área é um desafio constante e talvez seja isso que me motiva. Costumo dizer que uma ecografia reprodutiva não é só uma imagem do aparelho reprodutivo da vaca, mas é sim uma imagem de todo o maneio da exploração.

 

Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?

No meu caso não foi uma questão de oportunidade, mas antes de procura de oportunidade. Neste momento encontro-me a trabalhar como médico veterinário de animais de interesse pecuário, mais concretamente bovinos e ovinos, em Carmarthenshire no Sul do País de Gales.

 

O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?

Julgo que, como a maioria dos portugueses desde os tempos de D. João I, sempre tive a curiosidade de explorar novos países e de viver no estrangeiro. Contudo, o principal motor da tomada de decisão de ir para fora de Portugal foram questões do foro profissional. Antes de emigrar encontrava-me a trabalhar na região de Aveiro na área da reprodução de bovinos. Contudo, após quatro anos continuava a desempenhar as mesmas funções que me tinham incumbido desde o primeiro dia de trabalho. Sentia-me estagnado e sem perspectiva de desenvolvimento de conhecimento e competências não só profissionais, mas também pessoais. Não conseguia vislumbrar uma progressão na carreira. Outra questão que pesou na decisão de emigrar foram as condições de trabalho que, infelizmente no meu caso, eram insatisfatórias. De acordo com a minha experiência, em Portugal trabalha-se bem, mas não se é justamente recompensado.

 

Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?

Em termos médico-veterinários não encontro qualquer diferença entre Portugal e o País de Gales. Somos igualmente bons, conhecedores e actualizados como os britânicos. Em termos do dia-a-dia encontro diferenças em relação ao que experienciei em Portugal. Para começar, aqui os veterinários trabalham sempre em equipas. As clínicas são formadas por grupos de veterinários que partilham o trabalho entre si, permitindo assegurar um serviço de emergência disponível 24 horas por dia e, ao mesmo tempo, oferecer tempo livre para o veterinário. Desta forma consegue-se alcançar um equilíbrio saudável entre o tempo de trabalho e o tempo em família, algo que me deixa bastante satisfeito. Em Portugal, infelizmente, só conheço três clínicas que têm este tipo de política.

Outra diferença importante é a quantidade de trabalho prestado pelo veterinário. Por cá é bastante comum o veterinário também realizar as tarefas mais simples do maneio geral de um efetivo, como as descornas e castrações de vitelos ou vacinações de todo o efectivo. Esta realidade é boa pois representa mais trabalho para o médico veterinário. Algo que me surpreendeu pela positiva foi o facto de que a maior parte dos agricultores do País de Gales gozar todos os anos férias com a família no estrangeiro. Isto muito provavelmente deve-se ao facto de as condições e os custos de produção animal serem muito mais favoráveis no País de Gales quando comparados aos que encontramos em Portugal.

Em termos do dia-a-dia de trabalho, tanto em Portugal como cá os dias passam por aparecermos nas explorações em visitas pré-combinadas, como os casos das visitas reprodutivas ou as da qualidade do leite, ou em visitas inerentes a uma emergência clínica. O trabalho em si é muito semelhante nos dois países, o que varia é a paisagem.

Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?

A minha experiência como emigrante é ainda muito pouca. Estou só há cinco meses no País de Gales, mas até agora tem corrido bastante bem. Os galeses são bastante simpáticos e hospitaleiros e em situação alguma me trataram como estrangeiro. Isso é algo que me deixa bastante confortável pois por cá não me sinto um outsider, pelo contrário, sinto que a minha opinião profissional e pessoal é levada a sério tanto pelos agricultores, como pelos colegas de trabalho. Sinto que não existem diferenças entre as pessoas, somos todos iguais independentemente da idade, estrato social ou profissão. Todos se respeitam e todos são respeitados.

Num dia normal de trabalho, o tipo de vida que tenho acaba por ser muito semelhante ao que tinha em Portugal: casa-trabalho, trabalho-casa. Excepto às terças e quintas-feiras à noite pois, em Portugal, jogava futsal e aqui não tenho essa oportunidade. Ao fim-de-semana os dias já são mais diferentes. Em Portugal temos uma cultura de mais convívio e horas mais tardias, algo que cá não encontramos. Tudo começa e acaba mais cedo. Nisso os portugueses sabem viver melhor a vida.

Quais os planos para o futuro?

Ficar por cá nos próximos anos. As oportunidades de crescimento profissional são muito superiores às que encontramos em Portugal. A falta de médicos veterinários no Reino Unido está na ordem do dia e neste país existe uma cultura agrícola muito forte, o que permite aos agricultores trabalhar e investir nas suas explorações. O que, direta e indiretamente, favorece todos os profissionais que dependem dos farmers, como é o caso dos veterinários.

Equaciona voltar a Portugal?

Sim, sem dúvida. Nada é como Portugal! Com boas condições financeiras Portugal oferece uma excelente qualidade de vida, mas é preciso tê-las. Por mais viagens que faça e mais povos que conheça, mais aprecio e valorizo a nossa cultura e a nossa educação. Somos um grande povo e é com orgulho que sou português! Julgo que o nosso mal é devido, em grande parte, aos que nos governam. Sejam políticos ou patrões. Mas não faço ideia quando será esse regresso.

Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?

Ainda não me debrucei sobre este assunto. Eventualmente trabalhar por conta própria num negócio meu de forma a não ter que responder perante um patrão. Mas honestamente é algo que para já não me preocupa.

Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?

O primeiro conselho é não desesperar. Todos teremos a nossa oportunidade, por isso não vale a pena stressar nem sofrer por antecipação. Contudo, devemos fazer alguma coisa para obtermos as tais oportunidades. Acredito que o chamado networking é algo fundamental para encontrar um emprego hoje em dia. Para isso é importante promover os contactos com colegas de profissão, professores ou amigos pois um deles saberá eventualmente de uma oportunidade de trabalho.

Outra ferramenta importante de procura de trabalho é a Internet. Hoje em dia muitas empresas ou clínicas abrem candidaturas para posições de trabalho. Foi o que aconteceu comigo quando encontrei a posição que atualmente ocupo. Como médicos veterinários portugueses devemos igualmente pensar em emigrar pois, além de sermos muito bem vistos no estrangeiro pois somos considerados bons trabalhadores, temos uma facilidade incrível de adaptação a outras culturas. Eu, por exemplo, conheço médicos veterinários, muitos deles amigos da universidade, que se encontram a trabalhar em países tão diferentes como França, Noruega, Moçambique ou Austrália. E um recém-licenciado tem duas coisas fundamentais para triunfar: a tenra idade e ausência de compromisso sérios, como filhos ou empréstimo de casa para pagar. Por isso porque não viver e trabalhar num país que se encontra a 3 ou 4 horas de distância de avião de Portugal?

Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?

Em Portugal, para começar temos um grande problema de raiz em relação aos médicos veterinários: o número de faculdades. Actualmente temos 6 universidades a formar todos os anos médicos veterinários que, dadas as reduzidas dimensões do mercado de trabalho, não conseguem emprego. Em relação ao estado da medicina veterinária só poderei falar da área clínica dos bovinos. No nosso país, o sector encontra-se em contracção. Isto é, tratando-se a área dos bovinos um sector já amadurecido, o que se verifica é a redução do número de explorações e como tal o número de profissionais capazes de dar apoio a essas explorações irá naturalmente se reduzindo.

No entanto, como médicos veterinários deveremos ser capazes de explorar outras áreas de trabalho que, tradicionalmente, não o fazemos como é o caso da nutrição dos bovinos. No estrangeiro ainda se encontram países com um défice significativo em médicos veterinários que queiram trabalhar em animais de interesse pecuário. São exemplos dessa realidade o Reino Unido, a França, os Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia. Nestes países, a necessidade de médicos veterinários é diária. Por isso deveremos ser capazes de explorar estes mercados de trabalho.

Qual o seu sonho?

Esta é uma pergunta difícil. Não tenho só um sonho, tenho muitos. Vejo a minha profissão como um meio através do qual consigo realizar o que eu realmente gosto e valorizo na vida. E como um amigo me disse: “somos muito mais que veterinários”. Por outras palavras, devemos viver a vida da forma que queremos e devemos fazer o que realmente nos dá prazer. Gostaria de um dia ter condições e tempo (muito tempo) para fazer uma volta ao mundo. Adoro viajar! Adoro conhecer o desconhecido e o que é ainda novidade. Julgo que esse sonho de viajar, pela incrível diversidade do mundo, seria realmente aldo digno de ser concretizado.

 

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