As preocupações dos representantes dos setores dos bovinos, suínos e aves à transição da diretiva de Bem-Estar Animal estiveram em destaque na mesa-redonda ‘Do prado ao Prato, todos ganham?’ que encerrou a conferência Vida Rural | Bem-estar-animal.
A importância da certificação também deve responder às exigências da distribuição e dos próprios dos consumidores, cada vez mais informados e sensibilizados.
Jaquelino Telo, auditor de bem-estar animal da Associação Portuguesa de Certificação (APCER) começou por afirmar que “o processo legislativo na Europa é muito demorado, a pressão é enorme pois vivemos com o balancear entre a legislação, as práticas agrícolas e o mercado”. Acrescentou ainda que muita da pressão que está a ser feita surge da grande distribuição pois é ela que marca a agenda e está muito perto do consumidor. “A questão do bem-estar animal é transversal à sociedade, é como o ambiente” e, por outro lado, “sem a parceria com as autoridades não é possível ter uma legislação adequada sob pena de ser de muito difícil aplicação”, defendeu.
A APCER tem referenciais ligados à produção animal desde há alguns anos e onde os critérios de bem-estar animal são avaliados. “Temos de fazer o trabalho de casa e este processo de certificação é sério, credível e baseado em trabalhos técnico-científicos”, explicou o auditor.
André Barão, gestor da Barão & Barão partilhou que a certificação não foi mais do que confirmar aquilo que a equipa sempre considerou serem as boas práticas. “Entendemos desde logo que o bem-estar animal estava diretamente relacionado com a produtividade dos nossos animais. Logo, este é o nosso ADN desde sempre.” Lidar com as certificações não foi um problema para a empresa. “Na altura, fomos a primeira empresa a ser certificada em nome individual e nós combinámos a auditoria de um dia para o outro. O produtor é o principal interessado no bem-estar animal.” O orador defendeu ainda que tem de se manter a sustentabilidade económica desta atividade.
“Temos de fazer o trabalho de casa e este processo de certificação é sério, credível e baseado em trabalhos técnico-científicos” – Jaquelino Telo, auditor de bem-estar animal na APCER
“Se o caminho que vamos percorrer foi baseado numa análise real de sustentabilidade vendo aqui a sustentabilidade em todos os seus pilares (social, económico, ambiental, etc.), na racionalidade e no conhecimento técnico e científico, todos teremos a ganhar”, reforçou Pedro Ribeiro, secretário-geral, Federação Portuguesa das Associações Avícolas (FEPASA). Pelo contrário, se todos se basearem em dogmas e aspetos de perceção subjetiva, “todos terão a perder porque será impossível de pôr em prática”.
No que respeita ao setor da carne e de aves, o orador adiantou os seguintes dados: “Temos 93% do mercado com a chamada produção convencional, 7% integra os sistemas alternativos e menos de 1% em agricultura biológica.” Tendo em conta a conjuntura que vivemos e segundo os últimos dados, nota-se que “de 2021 para 2022, o share de mercado dos sistemas alternativos baixou 1,5% porque incluem produtos mais caros e com outra exigência económica”.
A preocupação dos suinicultores desde há muitos anos tem passado pela preparação para estas novas regras. “Chegámos a este nível de produção eficiente porque houve procura e uma necessidade da parte dos consumidores e do retalho em oferecer produtos cada vez mais baratos”, explicou João Bastos, secretário-geral da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS) que desenvolveu a sua própria certificação.
A FPAS fez parte de um grupo de estudo em conjunto com os países que são considerados como grandes produtores de porcos na Europa (Holanda, Espanha Dinamarca e França) onde se chegou à conclusão de que “se passássemos a ter 6,5 m² por maternidade íamos ter um aumento de custo nas explorações existentes de 8,54€ por leitão e, nas novas explorações, 2,58€”. Aqui está a preocupação de base dos suinicultores que tem que ver com a dificuldade que temos em Portugal de licenciar explorações. “Não é admissível que só haja 1% de explorações de classe 1 e 2 licenciadas em Portugal sendo visível a desvantagem competitiva”.
José António Cabral, diretor Unidade Negócio Talho, MC Sonae afirmou que, em 1997, quando acabou o seu curso em Zootecnia, já se falava em bem-estar animal. “O mundo é global e o consumidor exige que sejamos mais rentáveis e tenhamos o melhor produto porque não quer ser defraudado.” Aquilo que o orador tem notado é que tem havido uma maior homogeneidade ao nível do produto que é apresentado pela MC Sonae e que o número de clientes tem vindo a aumentar. “Nós vivemos da fidelização de clientes.”
Da formação à comunicação
André Barão referiu que nas equipas da Barão & Barão, “a aposta vai no sentido do maneio sem stress com os animais, formação de alimentação, a conservação das ferragens, etc.” pois a verdade é que a tecnologia vai evoluindo, mas sem as pessoas, nada acontece numa empresa. “Tentamos atrair as melhores pessoas. Se não as formarmos adequadamente é impossível mantê-las e sermos sustentáveis no tempo.” O orador adiantou ainda que a “formação atual precisa de uma revolução” e é necessário perceber-se que uma empresa de pecuária se gere “dos animais para fora”.
Jaquelino Telo salientou que “a população está mais informada e que há mais partilha de informação entre as pessoas” sublinhando que, na Europa, estamos a assistir “à colocação no mercado de cerca de 2000 produtos alimentares, por ano, com conceitos éticos”, o que deixa transparecer a maior sensibilidade e o aumento crescente da procura. “Neste momento já existem 35 mil explorações certificadas em Portugal e Espanha.”
O setor das aves tem características muito próprias e diferenciadas em relação a outras áreas. “É um setor muito concentrado em que temos sete / oito grupos empresariais que têm quase 90% da produção”, explicou Pedro Ribeiro. Os maiores grupos estão praticamente todos certificados com todas as normas e cadernos de encargos internacionais de qualidade. “A nossa Federação tem um papel um pouco diferente de outras, mas estes grupos têm uma grande capacidade de desenvolver em si a formação dos seus ativos.”
Um dos problemas que a FEPASA enfrenta com a questão da formação não é tanto ao nível dos veterinários, zootécnicos ou quadros superiores, mas mais com quem trabalha diretamente no maneio do animal. “A formação neste pessoal é algo para o qual temos de avançar, mas tendo em consideração que, muitas vezes, há uma enorme rotatividade [ao nível dos trabalhadores], este é um problema prático com que nos deparamos no dia a dia.”
A comunicação da aposta no bem-estar animal também é primordial para o negócio. Na MC Sonae, a comunicação passa pelos folhetos e campanhas em televisão e a mensagem é passada também em mupis. “Ninguém quer mais e melhor para os animais do que quem trabalha no setor. É importante que passemos essa mensagem aos nossos clientes”, explicou José António Cabral.