A aposta no bem-estar animal pode ser a estratégia mais eficaz para reduzir a utilização de antimicrobianos nas explorações e, assim, diminuir os perigos da resistência a estes fármacos. O médico veterinário Gonçalo Barrenho partilhou a sua visão na conferência VIDA RURAL | Bem-estar animal e defendeu que os médicos veterinários têm um papel fundamental neste desígnio.
Coube a Gonçalo Barrenho abordar o papel do veterinário na melhoria do bem-estar animal no setor da produção. O profissional que exerce no Hospital Veterinário Muralha de Évora começou por lembrar que “o bem-estar significa que os animais têm saúde, alimentação, conforto e possibilidade de ter comportamento natural” e sublinha que vê o animal de produção “como parte integrante do corpo de profissionais [de uma exploração] e se pensarmos nos animais como qualquer funcionário de uma fábrica percebemos que nenhum funcionário produz se não tiver bem-estar, sem estar bem de saúde, sem estar bem alimentado, se não tiver conforto e liberdade para mostrar o seu comportamento natural no seu dia-a-dia”.
Esta visão do orador foi construída com a experiência e o conhecimento que adquiriu nos anos que passou no Reino Unido, país onde percebeu que, relativamente aos animais de produção, “quanto mais lhes damos mais recebemos em troca”, sendo indiscutível as repercussões que o bem-estar dos animais têm no aumento da produtividade, na melhoria da qualidade dos produtos e, consequentemente, no aumento da rentabilidade e também no aumento da fidelidade do consumidor, cada vez mais atento a esta temática.
Gonçalo Barrenho defendeu “uma maior participação e responsabilidade dos veterinários pela exploração” nos protocolos de certificação já que é a este profissional que cabe criar o plano individual de saúde para cada exploração e que tem a capacidade de perceber as necessidades físicas, biológicas e ambientais de cada animal.
Formação contínua deve ser o foco
Uma das matérias que mais desafios levanta ao médico veterinário moderno é o novo regulamento da utilização de medicamentos. “Hoje um profissional que, por exemplo, vai fazer um parto a uma vaca ou vai ver um animal doente, como um bezerro com pneumonia, não pode pensar que vai só ver o bezerro com uma pneumonia. A nossa clínica começa à porta da exploração, desde a verificação das vedações, do alimento disponível, a biossegurança dos funcionários que nos recebem, ver como os animais são tratados, as instalações, a ventilação, o conforto. A tudo isto o veterinário tem de ter a capacidade de analisar, tirar conclusões e de propor melhorias”, explicou o orador.
Cabe também ao médico veterinário utilizar ferramentas para minimizar os riscos de uso de antibióticos em medicina veterinária. Afinal, a resistência aos antimicrobianos “é um problema à escala global que afeta tanto humanos, como animais”, sublinhou Gonçalo Barrenho que citou os números conhecidos: a resistência aos antibióticos é responsável por 33 mil mortes humanas anuais na União Europeia e em 2050 estima-se que seja a causa de 390 mil óbitos a nível europeu e de 10 milhões em todo o Mundo.
Em Portugal tem-se registado uma diminuição do recurso de antibióticos, mas aumentou a utilização dos fármacos considerados de importância crítica nesta classe terapêutica. E para fazer frente a este cenário, o orador considera que “todos devem estar envolvidos, desde os produtores, os tutores de animais, os farmacêuticos e os médicos veterinários”.
No tempo que passou no Reino Unido, Gonçalo Barrenho pôde verificar que em 12 anos se conseguiu reduzir em 75% o uso de antibióticos na produção animal e isso “significa que é possível” inverter o cenário atual em Portugal, apostando nas mesmas medidas que as ilhas Britânicas implementaram: trabalhar na prevenção, focar no bem-estar animal, dar espaço suficiente ao animal e não aglomerar demais os animais. “Tudo isto vai fazer com que tenhamos melhor saúde [dos animais] e melhores resultados no final”, acredita o médico veterinário.
O que é fundamental neste processo de redução do uso de antibióticos na medicina veterinária e no foco no bem-estar animal é dar mais formação a todos os agentes envolvidos. Desde os produtores, aos médicos veterinários até aos trabalhadores das explorações, todos devem ser envolvidos “na continuidade da formação, porque se não estivermos todos com a mesma ideia do princípio até ao fim da cadeia certamente teremos uma resposta inadequada ao tratamento e facilmente se cometem erros”, disse o palestrante.
No Reino Unido, o exemplo que trouxe ao encontro, a certificação em bem-estar animal também teve um papel importante na redução da utilização de antimicrobianos na produção. Tal como é comum, o Governo e as instituições regulatórias criaram as regras, mas depois passaram as diretrizes aos médicos veterinários e foram estes os responsáveis por fazer chegar aos produtores essa informação.
Neste campo da certificação, Gonçalo Barrenho defendeu também “uma maior participação e responsabilidade dos veterinários pela exploração” nos protocolos de certificação já que é a este profissional que cabe criar o plano individual de saúde para cada exploração e que tem a capacidade de perceber as necessidades físicas, biológicas e ambientais de cada animal.