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Gestão

Gestão de stocks: como lidar com este quebra-cabeças?

gestão de stocks em clínicas veterinárias
A gestão de stocks na maioria das clínicas veterinárias é um quebra-cabeças e responsável por uma boa parte das perdas. Para resolver este puzzle os responsáveis com quem falámos garantem que não é necessário ser um guru da gestão. Basta organização. Uma organização que inclui estabelecer regras claras, delegar num ou mais colaboradores esta responsabilidade e o uso efetivo dos vários equipamentos e ferramentas informáticas disponíveis.

“A gestão de stocks é uma das áreas mais críticas com que nos deparamos na maioria das clínicas que nos consultam”, afirma o diretor-geral da VetBizz Consulting. Dilen Ratanji salienta que “há vários problemas, mas falta principalmente organização. No dia-a-dia a atividade é muito intensa e não deixa margem para gerir este e outros aspetos”. O consultor salienta que “nas clínicas de medicina humana há, normalmente, uma pessoa para fazer este trabalho, mas na veterinária isso não acontece” e adianta: “já existem ferramentas informáticas, mas por vezes não são adequadas às necessidades ou, em muitos casos, não são utilizadas corretamente”.

O responsável lembra que “os stocks são muito importantes porque mexem com as contas no final do ano”. Dilen Ratanji adianta à VETERINÁRIA ATUAL que “os três fatores mais críticos” e que contribuem para uma deficiente gestão de stocks “são a gestão de recursos humanos, a organização interna e a comunicação interna”.

Organização foi precisamente o mais destacado por todos os médicos veterinários com quem falámos e que é fundamental para uma boa gestão de stocks e da clínica veterinária como um todo. O uso incorreto, incompleto ou mesmo a não utilização dos softwares de gestão (que incluem módulos de gestão de stocks, mais ou menos completos) foi outro ponto muito focado. Nesta altura, os veterinários que nos estão a ler dizem para si próprios: ‘pois, mas tudo isso implica tempo para introduzir todos os produtos que compramos…”.

Claro que sim, mas vários responsáveis de empresas que representam ou desenvolveram software nesta área salientam outro ponto que parece inacreditável: o facto de muitas clínicas não quererem usar o leitor ótico (que permite introduzir os produtos automaticamente nos programas e depois também os faturar, abatendo logo no stock) ou até comprarem o leitor, mas depois os colaboradores não o usam…

Organização, regras e delegação

De novo vamos ‘bater’ nas mesmas teclas: organização, delegação de responsabilidade em determinados colaboradores e definição de regras básicas de procedimento. Falando de como as coisas correm ‘no terreno’ Artur Alves, administrador executivo do grupo OneVet – que tem sete hospitais veterinários e 13 clínicas – diz-nos que o problema principal é que “os médicos veterinários aprendem a cuidar de animais, não a gerir empresas”, por isso muitos ficam aliviados quando se juntam ao grupo que tem áreas já centralizadas e outras em implementação, como é o caso da gestão de stocks.

Por isso, Artur Alves considera também que a realidade do setor vai acabar por melhorar “uma vez que há cada vez mais consolidação e grupos, com uma gestão profissional, a aparecerem na área das clínicas veterinárias”. O responsável explica-nos que “o objetivo do OneVet será virmos a ter, além da base de dados única que já existe, toda a área de compras e stocks também integrada, ficando a gestão operacional com cada unidade”. A base de dados já permite que cada clínica ou hospital tenha acesso a alguma informação dos outros membros do grupo, mas no futuro será possível, por exemplo, em vez de encomendar determinado medicamento específico que tem uma baixa taxa de rotação, pedi-lo a outra unidade que o tenha disponível. “Tentamos otimizar a gestão e os processos, promovendo a colaboração entre as unidades”, diz Artur Alves referindo que “estamos no processo de implementar um novo software ERP que nos ajudará também nessa área”.

Quanto aos principais problemas, o administrador do grupo OneVet salienta que, muitas vezes, “a unidade de compra não é igual à unidade de venda – compro à caixa e vendo ao comprimido, por exemplo – por isso é necessário fazer a conversão quando se introduz no sistema, mas nesse caso perde-se o lote, a validade e é muito mais difícil controlar o FIFO (First In First Out)”.

Todavia, percebemos depois que depende muito do software, porque ao falarmos com responsáveis de empresas que representam ou desenvolveram programas que incluem módulos de gestão de stocks, percebemos que o lote e a validade ficam associados ao produto na altura em que é feita a conversão/desmultiplicação por exemplo, de uma caixa (de 100 comprimidos), para os 100 comprimidos.

Autoconsumo e fator humano

Artur Alves falou ainda de outro problema, referido também por mais pessoas com quem conversámos: os produtos de autoconsumo. Muitas vezes são itens que os médicos e colaboradores se esquecem de dar baixa no stock, porque não são vendidos. Mas o mesmo se passa para os produtos que se deterioram, ficam fora de validade ou pura e simplesmente desaparecem.

Refere também que “temos ainda mais problemas com os produtos em que coincide o uso interno e a venda”, porque a baixa no stock tem de ser feita de forma diferenciada. Artur Alves frisa que “quando há muita manipulação humana o erro aumenta, é inevitável”.

Sobre a gestão de encomendas, o administrador executivo salienta que “hoje em dia não precisamos de comprar para vender daqui a dois meses. Os processos estão muito mais agilizados, por isso posso encomendar e receber amanhã, porque não esqueçamos que os stocks têm um custo de fundo de maneio”. Sobre as ferramentas que existem, Artur Alves admite que as mais completas poderão ser onerosas, mas salienta que “o principal custo é o tempo”.

Precisamente sobre o tempo, César Marques, da WorkonIT (que representa o GT Vet da Glance) diz que, por exemplo, “se o cliente quiser podemos ser nós a fazer a migração de todo o sistema para o nosso programa, através de uma lista em Excel, tendo depois o cliente que ir fazendo a introdução dos produtos que vai então adquirindo, o que também pode ser feito com o leitor de código de barras de forma rápida, e que inclui logo dados como o nome, lote, validade, etc. permitindo assim ao programa usar o FIFO”, emitindo alertas, de acordo com as configurações, quando se atinge o stock médio e mínimo e, simultaneamente, avisando na altura da venda se existe um lote anterior do produto e abate logo no stock.

Organização do armazém e farmácia

Independentemente de os programas terem ou não agregado um sistema FIFO, uma correta organização (lá está, de novo) do armazém e da farmácia facilita muito o dia-a-dia da clínica, se estiver logo arrumado de acordo com o sistema FIFO.

gestão de stocks em clínicas veterinárias

A questão dos lotes e prazos de validade de rações e medicamentos é um ponto-chave e que foi frisado, logo à partida, a outra das empresas com quem falámos – a Miris Software – “por uma clínica veterinária que nos solicitou que desenvolvêssemos um programa de gestão”, explica Hélder Silva. Hoje a empresa tem já mais clientes no setor e salienta que “o Miris Veterinária permite tirar listagens por lote e validade e saber também quem administrou o lote X e a que animal, em caso de haver um problema, por exemplo”. O sócio-gerente da empresa diz-nos ainda que “ao ser feita a conversão de determinado produto – o tal caso da caixa de 100 comprimidos que passa a 100 unidades – a calculadora integrada dá logo o valor de cada comprimido e a cada uma das unidades fica associado o lote e a validade”. Há ainda a possibilidade de se retirarem “listagens de existências e valor em stock”. Lembramos que a gestão de stocks é um dos módulos destes softwares que incluem as áreas de gestão de consultas, faturação, agenda, sistemas de avisos aos clientes (alguns), etc..

Quase tudo é configurável

Cláudia Andrade, da Pontual – que desenvolveu o GuruVet (outro programa que inclui gestão de stocks), salienta que “a obrigatoriedade de as empresas entregarem anualmente o inventário às Finanças, que começou em 2016, levou a que tenham mais cuidado com esta área”. Cláudia Andrade refere ainda que “muitas opções são configuradas da forma mais usual por nós à partida, mas o cliente pode definir que pretende configurações diferentes e também as permissões para cada utilizador, ou seja, que utilizador pode fazer o quê”.

Na valorização do stock, Cláudia Andrade salienta uma funcionalidade que “define o preço de custo médio ponderado em vez do habitual preço de custo último, que é o mais correto em termos de gestão, quando se faz um inventário”.

Lembra ainda que “os principais problemas de gestão de stocks com que nos deparamos têm a ver com organização e disciplina, porque são normalmente relativos a produtos de autoconsumo e afins: as pessoas esquecem-se de dar baixa no stock de um produto que se partiu ou se usou na clínica/hospital, de um saco de ração que se abriu para um animal internado, de um medicamento que está fora de validade, etc.”.

E tudo isto são custos, frisa Cláudia Andrade, adiantando: “houve um cliente que disse claramente que antes de ter o programa não tinha a noção do que gastava e dos desvios que existem, principalmente nos consumíveis. Acontece em todas as áreas, não só nas clínicas veterinárias, e representa um custo por vezes elevado”.

Gerir stocks “dá trabalho”

Por seu lado, José Cardoso da Almadados – que representa em Portugal o WinVet, desde o ano 2000 – salienta que “a gestão de stocks dá trabalho, requer tempo e algum conhecimento, por isso é uma das áreas mais críticas na gestão das clínicas”.

O sócio-gerente da empresa destaca que “o que acontece, e em todas as áreas de atividade, não só aqui, é que na fase inicial todos têm muita vontade de lançar os stocks e as faturas, mas depois muitas vezes não têm tempo nem pessoas em quem delegar este trabalho”. Mas salienta: “é fundamental que o consigam fazer. Porque o programa informático ajuda, mas não faz tudo”.

O responsável acrescenta: “costumo dizer que o programa de gestão não ‘fala verdade’ connosco se não ‘falamos verdade’ com ele, isto é: vai dizer-nos o stock errado se não tivermos lançado as compras e/ou abatido as vendas ou perdas”.

Igualmente José Cardoso refere que “o inventário anual obrigou um pouco a organizar as coisas”, no entanto adianta que “o programa permite faturar em ‘negativo’, isto é, quando na teoria indica que não há aquele produto em stock”.

O sócio-gerente da Almadados frisa também a perplexidade que lhe causa o facto de “muitas clínicas não quererem investir alguns euros (sim porque o investimento não é significativo) num leitor ótico de código de barras, que pode ajudar em muito a reduzir o tempo de introdução das compras no stock, uma vez que o faz de forma automática, tendo ainda um papel fundamental na venda e consequente abatimento no stock”. E acrescenta, como outros com quem falámos já o tinham referido, que em alguns casos os donos das clínicas compram o equipamento, mas depois os colaboradores não o utilizam…

Em jeito de conclusão, queremos deixar a ideia de que, felizmente, nem tudo é mau: há muitas clínicas veterinárias que utilizam as ferramentas (ou outros sistemas) de forma correta e têm já uma boa/razoável gestão dos seus stocks. Mas é um trabalho contínuo e que requer (a tal) organização. O ideal é sempre haver pessoas (duas, no mínimo) responsáveis por esta área, tanto ao nível da introdução dos itens comprados, como dos que são vendidos/gastos/perdidos, porque só assim é possível saber a cada momento o que existe e o que se gasta em média, para poder saber o que e com que frequência é necessário encomendar, para se poupar tempo e dinheiro, logo ser mais eficiente.

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