Na sequência de um estudo para a definição de parâmetros sobre a qualidade do Ensino Superior, desenvolvido pela European Association of Establishments for Veterinary Education (EAEVE), com o apoio da Federation of Veterinarians of Europe (FVE), surgiu o projecto VET2020, cujos resultados foram publicados em Setembro de 2002.
Coordenado por Tito Fernandes, então presidente da EAEVE e professor da Faculdade de Medicina Veterinária, da Universidade Técnica de Lisboa (FMV/UTL), o estudo concluiu que é necessária especial atenção aos currículos dos cursos de formação dos futuros médicos veterinários, mas «sem aumentar o número de escolas de Veterinária na Europa», conforme se pode ler no preâmbulo do documento final.
Realizado ao longo de dois anos, o projecto envolveu praticamente todas as escolas de ensino veterinário europeias, tendo participado 13 membros da UE (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Portugal, Reino Unido) e sete não membros da UE – à data da realização do estudo – (Eslovénia, Eslováquia, Hungria, Noruega, Polónia, República Checa, Roménia).
De forma a obter uma perspectiva global, o estudo desenvolveu três inquéritos diferentes: VET Survey – dirigido a médicos veterinários, professores e investigadores; Employers Survey – destinado à indústria e organizações empregadoras; Consumer Organizations Survey – organizações cujos membros recorrem habitualmente aos serviços de médicos veterinários.
Cristina Vilela, docente da FMV/UTL, coordenou a participação nacional daquela instituição, e explicou que o projecto foi lançado porque «interessava perceber qual o tipo de formação que os nossos graduados estavam a receber e, obviamente, quais os perfis que seriam necessários no futuro».
Novas exigências
De acordo com os dados fornecidos pelas faculdades de Medicina Veterinária que participaram no estudo, existiam, em 2001, 139.893 médicos veterinários no total dos países da UE envolvidos no projecto. Destes, 50,7% exerciam em clínicas privadas, 15,7% no serviço público, 4,9% na indústria e investigação privada e 3,6% na docência e investigação pública. No respeitante aos países extracomunitários, do total de 33.534 médicos veterinários, 37,7% exerciam no serviço público, 33,8% no privado, 8,2% na indústria e investigação privada e 7,6% na docência e investigação pública.
Um dado importante é a baixa taxa de desemprego, sendo 3,1% a média dos 20 países estudados. Boas notícias para 60,9% dos estudantes de Medicina Veterinária que assumiam investir em formação adicional ao seu plano de estudos, porque, segundo Cristina Vilela, «a diferenciação será muito importante no futuro». Para a coordenadora nacional, «apesar de o projecto se chamar VET2020, é obvio que ninguém consegue fazer uma previsão tão alargada, mas sim a médio-longo prazo. No entanto, o estudo permite perceber o que é preciso e proporcionar a formação adequada a tempo de responder às necessidades do mercado».
Em relação aos requerimentos futuros no mercado laboral, Cristina Vilela afirma que, «devido a uma preocupação generalizada por parte da sociedade, com reflexos sobre as oportunidades de emprego, a área da qualidade e segurança alimentar será muito importante», assim como se «verifica uma tendência para a especialização na área da clínica dos animais de companhia».
Todos os participantes do estudo concordaram que as expectativas em relação ao campo de actividade que será alvo de um desenvolvimento mais expressivo se concentram na área da segurança e qualidade dos alimentos, seguida de perto pela medicina e cirurgia de animais de companhia.
Apostar na formação
Tendo em conta os novos desafios para a profissão, Cristina Vilela considera «importante dar aos estudantes alguma diferenciação no seu percurso» e revela que a FMVUTL tem apostado em proporcionar aos seus alunos disciplinas opcionais. Ou seja, «além das disciplinas obrigatórias contempladas na directiva europeia, é possível o estudante diferenciar o seu plano de estudos fazendo um investimento maior numa área pela qual tenha mais interesse. Não sai especialista, mas aprofundará os seus conhecimentos numa determinada área».
Além disso, apesar da Directiva Comunitária 78/1027/EEC, que obriga a formação generalista nos diferentes ramos da Medicina Veterinária, com o Vet2020 concluiu-se que «não é desejável um plano de estudos igual em todas as escolas europeias, porque há zonas em que determinadas áreas são importantes, devido às espécies animais existentes nessas regiões».
Para a coordenadora da participação da FMVUTL, «é então crucial encontrar formas de mobilidade que permitam aos estudantes ir fazer aquilo que mais gostam nos locais em que o ensino nessa área é melhor. Tudo isto poderá realizar-se através do Programa Erasmus e de acordos entre instituições». De acordo com dados fornecidos pela docente, naquela instituição de ensino, entre 28 a 30% dos estudantes participam no programa Erasmus.
Diferenciação pela qualidade
Das conclusões do estudo Vet2020, Cristina Vilela destaca o facto de, e «embora as diferentes universidades queiram formação de graduados com padrões de qualidade elevados e equiparáveis entre si», ser indispensável a diversidade destes currículos, com aspectos opcionais.
«Continua a ser preciso fazer auscultações sobre as necessidades do mercado, para se irem fazendo adaptações nos currículos». Na sua opinião, a profissão é apaixonante e, entre as suas vantagens, alude o facto de ser liberal e de se poder optar de entre uma gama «vastíssima» de áreas de trabalho. Contudo, aponta como um dos problemas o excesso do número de escolas de Veterinária existentes em Portugal, em relação à necessidade do mercado nacional – actualmente há seis entidades formadoras. Porém, sublinha que Espanha e Itália também se destacam neste ponto.
Então, frisa que, «a partir do momento em que existe livre circulação de profissionais, o que há a fazer é garantir a qualidade dos formandos em Portugal, uma vez que, quando há excesso de oferta para o mercado de trabalho, a diferenciação faz-se pela qualidade».
Será esse um dos grandes desafios para o futuro: «a qualidade da formação de base e a capacidade de actualização permanente, através de formação contínua», conclui Cristina Vilela.