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Sameiro de Sousa, bastonário da OMV: «Viemos com um dogma: ouvir a classe»

Sameiro de Sousa

Eleito em Outubro após a realização de eleições intercalares, João Pedro Sameiro de Sousa espera agora conseguir realizar grandes reformas num ano de mandato, até porque, por se encontrar aposentado, a dedicação à OMV é «total». Na calha estão já a reformulação dos Estatutos e do Código Deontológico, bem como o estabelecimento de novas regras na revalidação da carteira profissional, que passam pelo regulamento para a formação contínua. Projectos a concretizar após auscultação da classe, algo de que não prescinde.

Veterinária Actual – Como surgiu o desafio de se candidatar a bastonário da OMV?
Sameiro de Sousa –
Após a decisão, numa Assembleia-Geral em 2007, de convocar eleições intercalares, decidi avançar com a minha candidatura.
Sei que nem sempre é fácil haver a disponibilidade dos colegas para se dedicarem a este tipo de funções e integrar os corpos directivos deste tipo de organizações, porque isto ocupa sempre muito tempo. Como tenho a disponibilidade total e não tenho qualquer outro tipo de compromissos, posso dedicar-me a 100% e tentar desenvolver a OMV em todos os sentidos.
Fui eleito em Outubro de 2008 e o actual mandato é apenas para um ano, terminando no final de 2009

Pensa recandidatar-se?
Neste momento não lhe posso dizer nem que sim, nem que não. Tudo depende de sentir ou não a necessidade e a capacidade de me recandidatar, bem como a forma como os assuntos da OMV forem decorrendo.

 

Combater alheamento

Dado este cenário que levou à convocação de eleições intercalares, quais os principais problemas com que a OMV se debatia no início do seu mandato?
O que se vinha sentindo há algum tempo era que a classe estava dividida e que tinha perante a OMV uma forte suspeita de que esta não cobria as suas necessidades, havendo um alheamento profundo dos médicos veterinários em relação à Ordem.
Algumas das suas funções, como o acompanhamento dos médicos veterinários e o escutar as suas necessidades e anseios, não eram cumpridas. A solução tem de ser encontrada em conjunto e não de maneira isolada, o que poderá ter contribuído para este “divórcio” entre a classe e a OMV.
É evidente que esta é uma tarefa que não é fácil, nem se consegue realizar num curto espaço de tempo, mas vamos lançando a pedra para que este edifício possa ser construído e para que os médicos veterinários sintam que a sua Ordem os apoia e que está disposta a ajudá-los.
Outro dos problemas que pode advir desta situação, prende-se com o elevado número de médicos veterinários com quotas em atraso e que consequentemente podem ver as suas carteiras profissionais suspensas.

 

Que medidas têm sido adoptadas?
No final de 2008, verificou-se que cerca de 420 médicos veterinários não haviam pago as suas quotas, o que é um número bastante significativo. Apesar de o Conselho Directivo ter a capacidade de suspender os associados com um semestre de quotizações em atraso, não quisemos enveredar por essa via. Por isso, fizemos um apelo, por escrito, para que os colegas cumprissem com as suas obrigações, o que deu bons resultados, uma vez que quase metade regularizou a sua situação. Contudo, não podemos continuar a fazer este tipo de apelo até que todos o façam, pelo que haverá uma altura em que teremos de aplicar os procedimentos legais.

Rever código deontológico

 

Quais foram as principais directrizes do programa eleitoral?
Fomos confrontados com o facto de termos de abandonar a nossa sede actual. Foi um processo de que tomámos conta logo no dia a seguir à tomada de posse e que temos tentado resolver da melhor forma. Contudo, perante a inevitabilidade de termos de abandonar o edifício brevemente, estudámos as diferentes hipóteses – arrendamento ou compra – e vamos apresentá-las a discussão.
Outra das preocupações é com os médicos veterinários que exercem a sua actividade em regime liberal – uma grande fatia – sobretudo em clínicas de pequenos animais. Temos sido confrontados com situações de exercício ilegal da profissão, o que evidentemente gera um grande descontentamento no seio da classe, bem como alguns incumprimentos do que está definido nos Estatutos e no Código Deontológico. Por isso, entendemos que uma acção de divulgação junto dos colegas para que respeitem esses estatutos é fundamental. Pese embora a necessidade de uma revisão desses Estatutos e do Código Deontológico. O projecto de revisão está já no gabinete do ministro, mas não sabemos em que situação está.
Temos também o Regulamento do Licenciamento dos Centros de Atendimento Veterinário, que estará pronto a ser publicado. Outra das prioridades é o Acto Médico-Veterinário, mas infelizmente não temos tido pela parte do gabinete do ministro da Agricultura qualquer resposta aos nossos pedidos de reunião. Nem sequer fomos recebidos aquando da tomada de posse, ao passo que as outras entidades oficiais nos receberam, entre elas o Presidente da República, bem como o presidente da Assembleia da República. É evidente que a OMV não compreende esta posição e possivelmente teremos de fazer como outras Ordens, ao servirmo-nos da comunicação social para apresentarmos as nossas posições.

Fala a um nível governamental, e como acha que a população vê a profissão?
Hoje em dia a população e, sobretudo, os detentores de animais de companhia têm outra percepção da profissão. Simplesmente, os médicos veterinários não são apenas os que se dedicam a tratar pequenos animais, havendo muitas outras actividades um pouco desconhecidas do grande público, pelo que cabe à OMV esclarecer e informar sobre os diversos sectores de actividade.
Outra preocupação que a Ordem deve ter é ao nível da formação de base, mantendo diálogo com as instituições de ensino superior, e da formação contínua, meios fundamentais para se conseguir uma prestação profissional de excelência, sobretudo com a adopção do Processo de Bolonha. A OMV deve ainda cooperar activamente com a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, em que está representada, para que se saiba, com realismo, quais são as reais capacidades das universidades nacionais, para proceder às readaptações necessárias em algumas delas, contribuindo para a melhoria dos currículos.

 

Desenvolver acções de formação

E no que concerne à formação contínua, a OMV organiza acções de formação?
Elaborámos uma reformulação de um projecto de regulamento sobre a acreditação de entidades formadoras e a creditação das formações recebidas, que já foi avaliado pelos Conselho Regionais. Passará agora pelo recém-criado Gabinete de Qualificação e Formação Profissional que, posteriormente, irá propor as acções de formação necessária à actividade médica veterinária. Não quer dizer que não haja outras entidades que o façam, mas a OMV sente a necessidade de sozinha ou através de parcerias desenvolver essas acções. Até porque entendemos que muitas acções de formação que são desenvolvidas actualmente têm custos elevados e cabe-nos organizar essas actividades com níveis de encargos mais baixos, sem retirar a sua qualidade.

Serão então instituídos créditos para a revalidação da carteira profissional?
Exacto. Assim que esse projecto estiver num documento consolidado, será levado a Assembleia-Geral, que se realizará a 4 de Outubro, data de realização do nosso congresso – de 3 a 5 de Outubro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Mas a obrigatoriedade de créditos só deverá ser instituída à luz de um conhecimento a médio prazo de como se desenvolvem as acções de formação.

Como se processa actualmente a renovação da carteira profissional?
Não lhe chamaria renovação, mas sim continuação… é uma continuidade do título atribuído, que é realizada anualmente, desde que o médico veterinário tenha as quotas em dia.
No primeiro ano de inscrição na OMV, os médicos veterinários estão isentos do pagamento de quota. Uma medida que foi aprovada no ano passado, em Assembleia-Geral, e que, apesar de acarretar menor entrada de verbas para a OMV, entendemos que é justa para os colegas que ingressaram na profissão e que, à partida, não têm grandes meios para começar a pagar a quota.

Mas esse valor é elevado?
A quota anual é de 150 euros. É um valor que poderá ser uma sobrecarga para alguns colegas, sobretudo para os mais jovens com uma capacidade financeira menor.

A OMV criou algum mecanismo de apoio/isenção nesses casos?
A única coisa que está prevista é a isenção no primeiro ano, até porque não temos essa capacidade.

Veterinário do futuro

Dada a diversidade de saídas profissionais, quais os grandes desafios para a OMV representar as diferentes realidades profissionais?
Dado que o nosso principal objectivo é estarmos próximos da classe, e que muitos sectores de actividade estão integrados em associações, estas são o primeiro passo e são fundamentais para o relacionamento com a Ordem. Essas associações sabem o pulsar dos seus membros e conhecem as suas necessidades, pelo que podem ter uma valiosa colaboração com a OMV e as suas Secções Regionais.

Dentro da OMV existem também Colégios de Especialidades. Estes serão alargados/reformulados?
Face aos resultados verificados até ao momento, resolvemos ouvir os presidentes das Comissões Instaladoras sobre a sua opinião em relação ao avanço ou retrocesso deste processo. Todos entenderam que o processo tem de ser reavaliado, havendo a necessidade de aferir se há condições reais para se atribuírem títulos de especialistas ou se é necessária alguma reconversão.
Quanto à criação de novas especialidades, talvez venha a acontecer, porque hoje em dia há uma evolução da medicina veterinária nesse sentido, pelo que há que averiguar da real necessidade e se será uma mais-valia para a nossa actividade. Não há ainda a necessidade de alguém se dedicar apenas a um campo da medicina, como a cardiologia ou oftalmologia, embora possa ter especial aptidão para a mesma, continua a fazer medicina generalista.

E que grandes mudanças se verificaram com a adopção do Processo de Bolonha?
A emissão de um diploma pela universidade conferia o grau académico de licenciatura. Com a adaptação ao Processo de Bolonha, transformou-se num mestrado integrado, em que ao fim de três anos é emitido o diploma de licenciatura, sem saída profissional. Pressupõe uma formação científica e técnica consistentes e que seja reconhecida pelo Sistema Europeu de Avaliação (EAEVE/FVE) pois, só assim, a OMV poderá considerar a atribuição da carteira profissional e do título de Médico Veterinário.
A Ordem tem consciência dos grandes desafios a que os médicos veterinários estão sujeitos, pelo que só com uma boa qualificação e permanente actualização de conhecimentos poderão ser dadas as respostas adequadas.
Contudo, também se verifica que a colocação dos médicos veterinários recém-formados tem vindo a diminuir, uma preocupação crescente para a OMV, dão que saem cerca de 200 médicos veterinários por ano e o mercado não tem capacidade para os absorver a todos.
De há alguns anos a esta parte que os colegas vêm sentindo dificuldades na obtenção do primeiro emprego e a OMV tem identificados cerca de 160 médicos veterinários que foram trabalhar para o estrangeiro, sobretudo para o Reino Unido e para a Irlanda.

Que instrumentos a OMV tem para apoiar os médicos veterinários com dificuldade em encontrar emprego?
A manter-se a actual situação, a OMV terá de fazer uma chamada de atenção ao ministro da tutela. É óbvio que entendemos o desejo do Governo de que a população tenha formação superior, mas se não tiver emprego…
No caso dos jovens desempregados, como não há muitas saídas, também não há bolsa de emprego, daí que não seja frequente estes procurarem-nos em busca de um conselho ou solução, pois normalmente fazem-no nas diferentes associações.

No fundo, quais são os grandes problemas que enfrentam os médicos veterinários actualmente?
Além da falta de colocação e do nível de desemprego, é o facto de os seus rendimentos serem cada vez mais reduzidos, tendo em conta a formação superior e as suas responsabilidades na sociedade: salvaguarda da saúde pública e animal, do bem-estar animal.

Recandidatura?

Do programa eleitoral contava ainda a criação de um Conselho Consultivo…
O Conselho Consultivo não será um órgão da OMV, mas de apoio ao Conselho Directivo que irá reunir elementos de todos os sectores profissionais, associações, instituições de ensino, etc., a quem possamos colocar questões e receber informações sobre medidas a adoptar. Ainda não está constituído, mas já temos algumas ideias quanto ao número de membros e amplitude que este virá a ter.

Um mandato de um ano não lhe parece curto para tantas medidas que pretende adoptar?
É curto e é um lapso de tempo muito pequeno para se concluir tarefas fundamentais, o que não quer dizer que estas não possam e não devam ser iniciadas. Quem vier, se as quiser continuar ou resolver adoptar outras…

Porém, tendo em conta este cenário, volto a questioná-lo sobre a possibilidade de uma recandidatura para dar continuidade aos projectos.
Como disse, tudo depende de como decorrerá este mandato e, por isso mesmo, é prematuro falar em recandidatura.

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