Em 2011 comemora-se o Ano Mundial da Medicina Veterinária com o objetivo principal de lembrar a opinião pública e os responsáveis políticos de que a profissão médico veterinária conta já com 250 anos ao serviço da humanidade. Em 1761 foi criada a primeira escola veterinária, na cidade francesa de Lyon, lembra o sítio da internet especialmente criado para assinalar a efeméride: www.vet2011.org.
Mas além de motivos para celebrar, 2011 trouxe também uma realidade económica plena de medidas de austeridade, nas quais se contam, por exemplo, cortes salariais na função pública e o aumento do IVA de 21 para 23 por cento. Medidas em nome do equilíbrio das contas públicas que antecipam o aumento dos preços de bens e serviços, a par de uma diminuição do poder de compra da população. Neste cenário deverá quem faz da veterinária a sua profissão adotar uma atitude de contenção e esperar pela retoma ou, pelo contrário, continuar a modernizar as suas estruturas e fazer ouvidos de mercador à palavra crise?
A resposta não será líquida, mas quem está no ramo tem as suas próprias ideias para enfrentar um ano em que, de acordo com o Banco Mundial, só as economias emergentes (China, Índia ou Brasil) vão crescer consideravelmente.
Crescendo satisfatoriamente na crise
Em 2009, a Clínica Veterinária da Bicuda, na zona de Cascais, nascia fruto de um investimento de 1,3 milhões de euros. O casal Simone e Marcus Falcão, naturais do Brasil, importaram para Portugal o modelo de clínica veterinária do seu país de origem, oferendo uma vasta lista de serviços veterinários e incluindo um centro de estética. Um ano e meio depois, Marcus Falcão diz que ainda é cedo para falar em retorno e aponta cinco anos de existência como o prazo certo para então poder fazer esse balanço.
Oferecem os mesmos equipamentos com os quais inauguraram a clínica. “As mudanças que fizemos passaram pelo alargamento do horário de atendimento e pela contratação de mais colaboradores”. E mantém-se o objetivo inicial de transformar a clínica num espaço hospitalar aberto 24 horas por dia. “É um objetivo que está próximo de ser concretizado”, garante o diretor clínico. Quisemos saber se o investimento em equipamentos e na prestação de serviços avançados compensa ou se vai compensando. A resposta é perentória: “Compensa! Temos um espaço que agrega valor e os nossos clientes reconhecem isso.”
E perante um 2011 pautado pela crise e pelo aumento do IVA, o que fazer para continuar a garantir lucro? “A principal questão não é o aumento do imposto e sim todos os fatores que estão envolvidos. A recessão em Portugal e na Europa traz reflexos para o dia-a-dia, mas não nos preocupamos com isso, nascemos na crise e estamos a crescer satisfatoriamente nela”.
Profissão taxada a 23%
Na Animalmed – Clínica Veterinária em Esmoriz, os medicamentos e outro tipo de produtos para venda acabam por inevitavelmente refletir a subida do IVA. “Mas não as consultas e os tratamentos”, garante o diretor António Neves. “Optei por não atualizar o preço das consultas e dos tratamentos aqui na clínica porque considero que não são esses 50 cêntimos a menos por consulta que vão fazer a diferença”. E continua: “O que faz realmente mossa é sermos taxados a 23 por cento e não à taxa mínima, como são os enfermeiros e os fisioterapeutas, já para não falar dos médicos de medicina humana (isentos ou taxados a 13 por cento em alguns serviços)… até parece que não fazemos serviço público!”
Identificada uma preocupação maior do que o aumento do IVA voltamos ao cenário de 2011, em que tudo indica que a população vai sentir uma diminuição do poder de compra. Será que os donos vão deixar de poder pagar certos tratamentos? “Não, acho que não. Claro que uma operação a um animal que custe 500 euros representa um grande peso para um orçamento familiar num determinado mês, mas nós facilitamos. É possível pagar em prestações. Além disso, as preocupações também seriam evitadas se as pessoas fizessem seguros de saúde para os seus animais”.
Boa altura para investir em equipamentos
O Hospital Veterinário Central, na Costa de Caparica, nasceu de uma tentativa de “fazer cá algum trabalho à semelhança do que se costuma fazer lá fora, dando prioridade ao que se faz na América do Norte e apostando nos serviços de urgência e nos cuidados intensivos”, diz o seu diretor clínico. Nuno Paixão vai regularmente aos Estados Unidos para dar formação e palestras, sendo que no Canadá é mesmo clínico residente na Universidade de Guelph.
Na Caparica apostou em cuidados intensivos através de ventiladores e de pessoal com formação, assim como na hemofiltração e nos transplantes renais por cá ainda não são muito comuns (já fez mais no estrangeiro, resultado de algumas parcerias que estabeleceu na vizinha Espanha). E não se pense que é só uma questão de poder económico. É também uma questão cultural. “Cá ainda não há aquela cultura do vamos fazer tudo por tudo!” Um tipo de cultura que Nuno Paixão diz ter vivenciado nos EUA e no Canadá, onde o nível de vida é mais elevado, mas onde as pessoas demonstram um enorme respeito pelos animais e pelo trabalho dos veterinários. “No Canadá assisti ao caso de uma senhora que tinha um cão com uma paralisia muscular, que passou três semanas no ventilador. Para salvar o cão e pagar o tratamento ela vendeu o próprio carro. E o cão salvou-se!”
“Já fiz as contas e no Canadá, por exemplo, os cuidados médicos veterinários são mais caros do que em Portugal. E falo tendo feito a proporção relativamente aos diferentes níveis de vida dos países”. Apesar do cenário de crise, Nuno Paixão garante que têm investido sempre ao longo do tempo e que, apesar de 2011 mal ter começado, este ano já resolveram uma lacuna que tinham nos seus serviços: rectologia digital. “E queremos continuar a investir em mais equipamentos até ao fim do ano, nomeadamente na área da oftalmologia e dos cuidados intensivos”.
Não se pense, no entanto, que a crise não dá que pensar. “É uma boa altura para investir em estruturas e serviços, mas não é boa altura para apostar nas pessoas.” Quer isto dizer que já teve que optar por fazer cortes no pessoal. “Apesar disso, em 2010, a nossa faturação foi a melhor de todas”. Como justifica isso? “A perspetiva da crise obriga a uma organização maior.”
Crise preocupa, mas não assusta
É um facto: “Sente-se a atmosfera da crise!” Luís Montenegro, diretor clínico do Hospital Veterinário Montenegro ao qual empresta o apelido, fala de famílias que aparecem e que não têm como suportar os custos. “Tentam cortar em tudo, como é o caso da medicina preventiva – vacinações e check-ups – e depois, quando já não há como evitar o tratamento discutem muito o orçamento”.
Nesses casos o diretor garante: “Nunca vamos deixar de tratar um animal se a pessoa não puder fazer um exame complementar. O animal é sempre tratado de acordo com aquilo que a consulta já me permite diagnosticar”. Perde-se profissionalismo? “Repare, há 20 anos os meus colegas também não tinham acesso a muitos dos exames complementares e tratavam na mesma o animal sem um diagnóstico tão completo.” No Hospital, Luís Montenegro diz que os preços aumentaram aquilo a que o aumento do IVA os obrigou e partilha a convicção de que os seguros são uma boa resposta para as famílias que têm orçamentos baixos.
Neste caso a crise preocupa, mas não assusta. “Atualmente continuamos a investir. Neste momento estamos no processo final de um novo centro de diagnóstico que começou a ser concebido em 2010. Estamos na fase de obtenção de licenças”. O que este novo espaço vai permitir é a realização de diagnósticos mais completos, como por exemplo fazer a Tomografia Axial Computorizada (TAC).
Apesar de não querer especificar o valor concreto do investimento, garante que “mesmo que em 2010 a crise já tivesse obrigado a tantas medidas de austeridade, teria investido na mesma porque a retoma vai acabar por chegar e é preciso continuar a investir”.
Mal tenha as licenças, o novo centro vai implicar a contratação de mais dois profissionais. Quanto ao retorno do investimento, Luís Montenegro acredita que vai consegui-lo em cerca de dez anos. Seja como for, mesmo perante a crise olha para o futuro: “Não recomendo a colega nenhum parar e cruzar os braços!”
O Hospital ou Clínica Veterinária ideal tem que:
Estar de acordo com o Código de Boas Práticas Veterinárias. “Modelo que assegura que os serviços prestados pela profissão médico veterinária são realizados de forma consistente e controlados segundo os padrões de qualidade definidos pela FVE (Federação de Veterinários da Europa).”
“Oferecer aos colaboradores condições ideais de trabalho. Dessa forma temos pessoas mais satisfeitas e desempenhando melhor as suas funções. Com boas condições de trabalho é óbvio que as pessoas rendem mais!”
Dr. Marcus Falcão, Clínica Veterinária da Bicuda (Cascais)
“Depende muito se é um consultório, uma clínica ou um hospital. No fundo, depende do nicho de mercado a que o espaço se dedica. De qualquer forma, a competência dos médicos é essencial (e aqui falo das suas capacidades técnicas, mas também de comunicação interpessoal). Oferecer serviços de radiologia, ecografia, análises sanguíneas e ter uma boa anestesia (para quem quer fazer intervenções cirúrgicas) também é fundamental.”
Dr. Nuno Paixão, Hospital Veterinário Central (Costa de Caparica)
“Ter a melhor equipa. Uma equipa que é formada por pessoas sensíveis e que trabalham com paixão. Claro que os meios são importantíssimos, mas são sempre um complemento à equipa.”
Dr. Luís Montenegro, Hospital Veterinário Montenegro (Porto)
Perante a crise há quem:
1- Acredite que a qualidade dos serviços traz sempre clientes;
2- Facilite o pagamento faseado dos serviços prestados;
3- Aconselhe os donos a fazer seguros de saúde para os seus animais;
4- Opte por não aumentar os preços das consultas e dos tratamentos;
5- Aumente o valor das consultas e dos tratamentos em consonância com o aumento do IVA;
6- Trate o animal de acordo com o que a consulta permite diagnosticar e não recorra a exames complementares (que aumentariam o valor a pagar pelo cliente);
7- Invista em equipamentos mas corte no pessoal;
8- Continue a investir porque acredita na retoma.