Veterinária Actual – Em dois anos muita coisa mudou no sector. Quais aquelas que destaca?
Joaquim Vieira Lopes – Quero destacar duas mudanças muito positivas, que avalio como fundamentais para a clínica dos animais de companhia: a publicação de legislação fundamental para esta actividade e o repensar do processo de acreditação e creditação das acções de formação e a renovação da carteira profissional.
No meu entender, finalmente o Governo publicou o decreto-lei que vem fazer o enquadramento jurídico dos nossos centros de atendimento. Importa realçar que as disposições transitórias garantem a legalização dos Centros de Atendimento Médico Veterinários (CAMV) que se encontrem registados na Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) ou que disponham de licença camarária, através de um processo simplificado de declaração prévia para o caso dos consultórios ou de autorização prévia para o caso das clínicas e dos hospitais.
Uma vez mais, a APMVEAC quer manifestar expresso agradecimento à Direcção-Geral de Veterinária e à OMV, pelo empenho e por todo o interesse que manifestaram ao longo de todo o processo que conduziu à elaboração final de tão desejada regulamentação.
– No final de 2007, vaticinava um cenário pouco animador para os profissionais do sector, como o redireccionamento para os animais de companhia a levar a um problema de concorrência entre postos de atendimento. Acha que esta previsão se veio a verificar?
– Essa situação mantém-se, com o número de clínicas a aumentar mensalmente, havendo também um maior número de licenciados por ano. E esse número vai aumentar, porque há faculdades que estão agora a “lançar” os primeiros licenciados no mercado de trabalho.
Por outro lado, continua a verificar-se um enorme encaminhamento destes profissionais para esta área dos animais de companhia. Os motivos podem ser devido ao gosto por este tipo de animais, mas também devido ao facto de as outras áreas estarem saturadas, ou porque se deu uma redução da necessidade de médicos veterinários como é o caso dos animais de produção, em que o nível de actividade diminuiu.
Daí que seja premente a discussão sobre as novas saídas profissionais de que o programa do congresso da OMV é um excelente exemplo (Nota: a entrevista foi realizada antes do evento).
«Novas portas para a profissão»
– E que novas saídas profissionais são essas?
– Novas oportunidades em espécies exóticas e animais de cativeiro, em biodiversidade, aquacultura, equipamentos lúdicos, educativos e culturais, experimentação e investigação ou em medicina de conservação. Tudo isto são novas portas que se estão a abrir na profissão e que serão certamente preenchidas por alguns dos colegas que já estão no mercado de trabalho, bem como por aqueles que enveredam agora pela profissão.
– Mas algumas das áreas que referiu não são propriamente novas oportunidades…
– Sim, algumas delas já existiam, mas não eram muito procuradas. Actualmente, com o desenvolvimento que sofreram, bem como pela situação do mercado de trabalho, acredito que passarão a ser procuradas.
– Contudo, quando fala em Investigação, é necessário investimento. Como se contorna esta questão?
– É necessário haver mais investimento que surge da criação de maior atractivo, sendo fundamental direccionar algum desse investimento para estas novas áreas e captar outras fontes de investimento para este tipo de projectos.
– Acredita que é mais fácil actualmente desenvolver Investigação em Portugal?
– Embora não tenha conhecimento profundo sobre esta área, sei que é difícil fazer Investigação em Portugal, nomeadamente devido à falta de financiamento. Contudo, acredito que esta é uma área que tem vindo a desenvolver-se.
– E considera que a implementação do Processo de Bolonha trouxe vantagens nesta área, bem como para a medicina veterinária?
– Acho que sim. Vejo os jovens estudantes, nomeadamente o meu filho, e verifico que têm uma preparação muito boa e intensiva. Outro factor que considero fundamental é o facto de estes estarem motivados para aprender e investigar nas mais diversas vertentes da medicina veterinária.
Clarificar acreditação e creditação
– Também houve alterações no que concerne à creditação e acreditação da formação, bem como da revalidação da célula profissional?
– Sim, o assunto está finalmente a ser clarificado. Havia grandes dúvidas e muita confusão no respeitante a esta matéria e, finalmente, estamos também a resolver esta questão.
A OMV, após reunião conjunta de todos os seus actuais órgãos directivos, tomou a decisão de que a acreditação e creditação das acções de formação deve ter um regulamento próprio, o qual deve ser totalmente diferenciado do da revalidação da célula profissional, que deve ser apresentado posteriormente.
A APMVEAC vai diligenciar no sentido de que todos os seus associados se pronunciem sobre este assunto, para que seja enviada à OMV a opinião da associação, mais uma vez, e agora estando presentes os novos moldes anunciados.
Também nesta matéria a APMVEAC se congratula com a suspensão do processo até agora implementado e com a garantia dada pela OMV de que este será reavaliado e implementado de forma transparente, esclarecida, igual para todos, sem posições previamente adquiridas, acessível a todos os colegas, com alternativas várias de escolha para cada médico veterinário e com regras definidas e devidamente anunciadas, quer para os formandos quer para os formadores.
– A associação que dirige assume também neste tipo de discussão um papel de mediador…
– Sim, para este sector de actividade, através das nossas diversas actividades, como o congresso que organizamos anualmente, bem como as diversas acções de formação que vamos realizando pelo país e com os Grupos de Interesse Especial que começaram a funcionar, desenvolvendo um trabalho específico dentro de cada área de actividade – Estomatologia, Dermatologia, Oncologia, Medicina Felina, Cuidados Intensivos, Medicina Interna, Oftalmologia, Gestão e Administração Veterinária, Medicina de Urgências, Cuidados Intensivos e Anestesia, Traumatologia e Ortopedia.
– E há também a intenção de reconhecimento de algumas destas especialidades?
– Estão agora a ser implementadas pela OMV e, com a nova direcção, o assunto foi novamente analisado. A OMV irá levar a discussão o assunto na próxima assembleia-geral.
– Mas acredita que chegará o dia em que não estaremos a falar em especialização em animais de companhia ou de produção, mas sim em Oftalmologia ou Cardiologia, por exemplo?
– Certamente que sim. Acredito que o futuro passa por aí, por haver uma maior especialização. Após uma fase inicial de especialização em áreas mais gerais, julgo que avançaremos para as áreas mais específicas.
No fundo, o que se está a pensar agora é na melhor forma de atingir esses objectivos.
– Têm igualmente surgido alguns centros de referenciação. Este é um passo nesse sentido?
– Acho que sim, porque esta é igualmente uma forma de fomentar o diálogo entre os médicos veterinários, passando a haver mais confiança, mais abertura e mais disponibilidade e, no limite, tem todas as vantagens, dado que permite realizar nesses centros os exames complementares que não são possíveis de efectuar na clínica.
– Não há receio de perder o cliente?
– É um processo gradual. Creio que esse espírito de cooperação está a ser fomentado e vai-se ganhando confiança nos colegas, mas ainda persistem alguns receios.
«Fundamental contributo activo»
– Como vê o futuro da profissão?
– As portas para o futuro estão abertas e o caminho está delineado, sendo fundamental que todos os médicos veterinários dêem o seu contributo activo na construção do futuro da profissão, da OMV e da APMVEAC.
O crescente número de licenciados em Medicina Veterinária é um problema grave que deve merecer análise e intervenção urgente. Tem de haver um envolvimento de todos os responsáveis, nomeadamente do Governo, do ensino, da OMV e das associações sectoriais da profissão para resolução deste assunto.
Considero ainda necessária a rápida publicação de diplomas ainda pendentes e que são extremamente importantes para a profissão. Refiro-me nomeadamente ao acto médico veterinário e às alterações estatutárias.
No que respeita à clínica de animais de companhia, destaco dois assuntos fundamentais a desenvolver. : por um lado, a informação aos proprietários dos animais de modo a sensibilizá-los no tocante aos cuidados de saúde e de prevenção que deverão garantir aos seus animais; por outro, a garantia da continuidade da permanente actualização dos médicos veterinários que se dedicam a esta área de actividade, como se tem vindo a verificar, e em que a APMVEAC tem tido um papel pioneiro e líder. A associação tem consciência do papel que lhe cabe e do trabalho que há a desenvolver para que sejam atingidos esses objectivos.
Além disso, a associação continua a manter-se como membro activo em todas as decisões para a actividade da clínica dos animais de companhia, contribuindo para que essas decisões salvaguardem os nossos naturais interesses. Continuamos a não abdicar de agir no sentido de garantir a informação, a expressão e a participação dos nossos associados e a defesa dos seus interesses e dos interesses da nossa área de actividade.
Ordem mais próxima dos MV
– Não podendo dissociar o facto de fazer parte da direcção da OMV, que mudanças se verificaram na Ordem nos últimos tempos?
– Mudou a atitude, os objectivos, os projectos e as linhas mestras a adoptar para o futuro da profissão.
Verifica-se um esforço para que haja uma maior ligação da Ordem com os seus membros, com as áreas sectoriais da profissão e com as associações que as representam. Estamos certos de que a OMV saberá procurar o melhor caminho para o futuro da profissão.
– E no campo dos animais de companhia?
– A associação congratula-se com a intenção manifestada pela OMV em repor a ilegalidade, erradicando todas as formas, directas ou indirectas, descaradas ou encapotadas, de exercício ilegal da profissão e corrigindo as situações irregulares do exercício da clínica de animais de companhia.
Está aberto o caminho para que sejam banidas as tentativas de usurpação das nossas funções, assim como as tentativas de uso da nossa profissão para outros fins.