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VI Congresso OMV : Angola «de braços abertos» para receber veterinários portugueses

VI Congresso OMV : Angola «de braços abertos» para receber veterinários portugueses

O VI Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários teve vários pontos de interesse. Funcionou como um autêntico fórum de discussão dos problemas que afligem a classe. Entre eles, destacam-se os problemas de emprego que estão a afectar grande parte dos profissionais. Contudo, há um conjunto de “novas oportunidades” que não devem ser desaproveitadas. “Novas” especializações e novos continentes estão ao alcance de quem quiser arriscar.

As nuvens negras da crise económica mundial ainda pairam sobre muitas cabeças. Alguns economistas sublinham que a retoma começa lentamente a assomar a cabeça, mas há sectores, como o da Medicina Veterinária, em que se acentuaram as dificuldades de sobrevivência de grande parte dos profissionais que estão no mercado de trabalho, principalmente os recém-licenciados. Mas nem tudo é negativo. Há as chamadas janelas de oportunidade que não devem ser desaproveitadas.

A rica e colossal Angola – que é já um dos destinos de eleição da nova vaga de emigrantes portugueses – volta a ser o novo “El Dorado”, passe-se o exagero, dos veterinários portugueses que estejam dispostos a arrumar a trouxa e partir para o país das palancas e das impalas.

 

Com uma área total que corresponde a qualquer coisa como 12,5 vezes o tamanho de Portugal, o país africano conta com apenas uma Faculdade de Medicina Veterinária, a do Huambo, para todo o território – estando prevista a construção da Faculdade de Malange.

O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários de Angola, Fernando Ribeiro Leal, é um homem discreto. Convidado de honra do VI Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), realizado entre os dias 3 e 5 de Outubro em Lisboa, o bastonário angolano, não fossem as “reverências” de outros participantes, passaria pelo evento como se de um “anónimo” cidadão se tratasse.

 

Depois de ouvir uma série de intervenções onde se deu conta das crescentes preocupações relacionadas com a falta de oportunidades de emprego que está a afectar o sector em Portugal, em declarações à Veterinária Actual, Fernando Leal admitiu que o “país irmão” estaria disposto a acolher «de braços abertos» os veterinários que provenham de Portugal. Até porque, explica, aquela nação africana conta com os serviços de apenas 220 médicos veterinários para todo o país.

«O mercado de trabalho de Angola está completamente aberto e em reconstrução. Torna-se cada vez mais necessário o recrutamento de mão-de-obra qualificada. À medida que o investimento se vai fazendo, aumenta a necessidade de implementar outros níveis de tecnologia e de know-how. E é necessário que haja pessoal diferenciado».

 

De acordo com Fernando Leal, a actividade empresarial angolana, nomeadamente o sector agro-pecuário «está a crescer muito». Constitui, assim, uma oportunidade de empregabilidade no sector privado, uma vez que no sector estatal «já é mais difícil».     

Angola poderá, deste modo, ser a luz ao fundo do túnel para alguns médicos portugueses. Contudo, o bastonário angolano não quer dourar a pílula e lembra que seu país ainda se encontra em franco e moroso processo de reconstrução – da devastadora guerra civil que atrasou o seu crescimento em várias décadas – e que o mercado de trabalho «ainda é pequeno». «Mas estou convencido que daqui a alguns anos o nosso mercado vai crescer substancialmente. Angola tem um potencial de crescimento enorme…», explica.

 

Entretanto, a Veterinária Actual soube que os bastonários de Portugal e Angola se reuniram num almoço privado para tratar de assuntos de «interesse para ambos os países».

«Grande oportunidade» diz bastonário português

O bastonário da OMV, João Sameiro de Sousa, prefere não revelar os pormenores do encontro, e explica que ainda não há qualquer acordo institucional neste campo, mas adianta-nos que a possibilidade de ida de alguns médicos veterinários portugueses para Angola já tinha sido «equacionada num outro encontro com Fernando Leal».

«Efectivamente, é uma grande oportunidade para os jovens médicos se deslocarem para aquele mercado. Angola é um “país irmão” que tem grandes deficiências em veterinários. As suas grandes potencialidades na área da pecuária e da indústria são muito grandes. Por isso, o número de técnicos superiores na área é já insuficiente e, à medida que os índices de desenvolvimento aumentarem, será necessário aumentar o número de veterinários. No fundo, é uma via a explorar com a Ordem dos Médicos Veterinários de Angola para avaliarmos as potencialidades do país em absorver alguns profissionais portugueses».

Para o bastonário português, o facto de Angola ter conseguido manter uma situação político-social estabilizada «é uma mais-valia» para o processo de adaptação dos futuros emigrantes.

Novas oportunidades

Mas nem só de fenómenos migratórios “vive” o futuro dos profissionais veterinários. A Ordem, jogando uma decisiva cartada de antecipação, mostrou estar atenta aos (novos e mais antigos) problemas que afectam o quotidiano dos seus associados. «Num momento em que também a profissão de médico-veterinária atravessa um período de grandes dificuldades e incertezas para o futuro, é nosso desejo que pela análise e discussão dos principais estrangulamentos com que nos deparamos, possamos retirar conclusões e traçar objectivos, que nos permitam encarar o futuro com melhor optimismo», declarava o bastonário, que fez o papel de moderador num painel dedicado às “Novas Oportunidades Profissionais”, um dos pratos fortes do VI Congresso, reiterando que há mais vida para além da clínica. 

Segundo o veterinário Luís Roberto e Sousa, consultor técnico da indústria do pescado, não faltam oportunidades no sector da aquacultura e da transformação do peixe, onde vale a pena trabalhar porque é um sector em franca expansão e de grande futuro. «Estamos a perder este comboio. É pena porque é uma área extremamente bem remunerada e que tem tendência a crescer significativamente, pois o aumento do consumo de pescado pôs em evidência a necessidade de crescimento do sector da aquacultura, uma vez que o pescado selvagem está longe de chegar para as encomendas», explica, exortando os veterinários a apontarem baterias para este «importante sector» alimentar. «Os veterinários ainda não estão na área, que é dominado por biólogos e engenheiros alimentares. Estamos a passar ao lado de um aliciante e bem paga profissão. Creio que os veterinários podem ser uma mais-valia no assegurar da qualidade da vida animal, assegurando, assim, a saúde dos próprios consumidores».
Roberto e Sousa defende, porém, que as faculdades de Medicina Veterinária devem disponibilizar mais especializações no sector da aquacultura e que a própria Ordem deve «incentivar» os associados a olharem o sector com outros olhos.

«Investigação é apaixonante»

O professor e investigador Rui Bessa não tem pejo algum em puxar a brasa à sua sardinha. Para o cientista, a investigação em Portugal (e no estrangeiro) é um dos motores do desenvolvimento mais importantes de cada país. «A investigação é apaixonante; é um sector inesgotável – pode resolver os problemas actuais e os futuros. As ciências veterinárias têm tido um enorme desenvolvimento. Há centros de excelência, como os das Faculdades de Lisboa e da UTAD, que têm crescido e sabido acompanhar os sinais dos tempos».

Rui Bessa quis tentar convencer a plateia, alertando para o facto de «não haver muitos veterinários na investigação». Dizendo, por outro lado, que o os veterinários não se devem acanhar em trabalhar em áreas como as ciências veterinárias e biomédicas, mas também na área das neurociências, biologia, etc. «Ciência é ciência! São áreas livres e que podem ser exploradas pelos veterinários. Quem tem unhas é que toca guitarra (…)». Diz, por outro lado, que as equipas de investigadores devem ser «livres» de constrangimentos burocrático-administrativos. Mas de que material deve ser feito um potencial investigador/cientista? «Os investigadores, que às vezes têm egos fortes e são pessoas irreverentes, devem ser corredores de fundo, não devem ser reprimidos; têm de ter sentido crítico e de auto-crítica, autoconfiança, honestidade intelectual, resistência às frustrações», entre outros.
Rui Bessa alerta, contudo, que todos aqueles que queiram seguir uma carreira na investigação devem ter bem presente o valor da mobilidade. «Os portugueses ainda têm algumas resistências a sair do País. Estamos um pouco presos à nossa terra, mas é fundamental trabalhar no estrangeiro integrado em equipas internacionais de cientistas de prestígio, porque só assim se conseguem captar as mais-valias de uma experiência transnacional. Quem é ousado e sai, já não volta».

Dirigindo-se à plateia, o orador sublinhou ainda que a forma «mais rápida e eficaz» de entrar na carreira de bolseiro “profissional” é através da obtenção de «boas notas» finais no curso. «Quem tiver uma boa nota, tem facilidades em ter uma bolsa de doutoramento – cujo valor ronda os mil euros». Segundo Bessa, é possível ter uma carreira de bolseiro de perto de vinte anos. Na etapa final, pode levar-se para casa um “simpático” vencimento de 2500 euros mensais. Acresce que, segundo a nova legislação, já não se pode pôr um bolseiro a «despachar rotinas administrativas», mas exige-se que tenham dedicação (quase) exclusiva, pois podem dar algumas aulas e reger clínicas, de acordo com o prelector. Em suma, «há meios técnicos e verbas para a investigação», conclui.

O “aventureiro” Rodrigo Serra não obedece aos cânones de “normalidade” do mundo dos conferencistas. Sendo um veterinário do terreno, e para espanto de alguns, apresentou-se no palanque dos oradores com uma t-shirt preta, calças de ganga e botas de caminheiro – um membro da plateia «pensava que era o homem do som». Mas não era. O veterinário foi convidado pela Ordem para falar da sua «rica experiência pessoal», como «alguém que não ficou à espera que as coisas caíssem do céu» e criou a sua própria empresa, que, de resto, já está a marcar pontos em Portugal e no estrangeiro. Trata-se da IVI (Investigação Veterinária Independente) uma empresa do sector da biodiversidade, prestadora de serviços do Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, uma entidade estatal que está a reintroduzir o (oficialmente extinto) lince ibérico em Silves, no Algarve.

Assim, Rodrigo Serra e sua equipa têm a seu cargo a responsabilidade de criar um plano de acção que recrie as condições de biodiversidade em que este felino estava habituado a viver (caça, água, terras, etc.); mantendo as condições de vida desejáveis para os linces. Em jeito de desafio, o veterinário, que fez um trabalho sobre o assunto para o conceituado National Geographic Channel, lembra que o seu trabalho tem de contar com os «pontos de contacto» dos veterinários de animais de companhia e de animais de grande porte, porque «sem vem fogo mais forte é um problema para os linces ou se aparece uma epidemia (provocada por gatos domésticos) temos de contar com o trabalho uns dos outros». Por isso, o sector da biodiversidade «tem futuro» e pode constituir uma saída profissional para quem queira enveredar por aquela carreira.

Ensino universitário

É consensual que o ensino é uma das traves mestras do desenvolvimento. A mesa-redonda “Ensino da Medicina Veterinária – Que Futuro?” pôs em evidência a necessidade de se apostar num ensino de qualidade. O director da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa, Luís Tavares, vai mais longe e defende que as universidades devem nortear a sua filosofia fazendo «despertar no estudante a capacidade de apreender». No mesmo âmbito, o estudante deve ser estimulado a «querer aprender sempre mais, a voltar à faculdade depois de acabar a licenciatura, porque mal está quem pensa que pode arrumar os livros e nunca mais lhe pegar depois de ter o diploma. Isso é mentalidade de há dois séculos atrás».

A Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lsiboa é reconhecida entre os seus pares por ter algumas das práticas mais avançadas no campo da “praxis” e da investigação. Para Luís Tavares, só «se pode fazer, fazendo», por isso o Hospital Universitário da instituição e o centro de investigação – onde exercem 120 investigadores – formam um importante “binómio” de empregabilidade para os seus estudantes. «A Faculdade deve estimular a criação de novas oportunidades de trabalho dos médicos veterinários».

Em apreciação ao momento actual do ensino das ciências veterinárias, o catedrático avança que ainda há muitos estudantes que «vêm para este curso porque não entraram em medicina, mas também constato que há muitos outros que realmente gostam de animais».

«Liceus dos grandes»

Augusto Matos, do Departamento de Ciências Veterinárias do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, tem opiniões vincadamente mais “radicais”. Augusto Matos, que informara antecipadamente que falava em «nome pessoal», não tem papas na língua na hora de criticar o Processo de Bolonha, «que foi feito adaptado a Portugal em cima do joelho e por imposição do ministério». «Foi uma brilhante jogada política, que vai ter séries implicações no 2º ciclo dos cursos. Quem quiser fazer o 2º ciclo que arranje um bolsa ou então que pague o paizinho».

Pelo rumo que as coisas estão a tomar, diz o professor portuense, corre-se o risco de fazer com que as universidades sejam «liceus dos grandes», sejam todas elas uniformizadas ao «gosto» europeu dos países Norte, que são «quem manda» na União Europeia. Pelo contrário, as academias baseiam-se «no contraponto de ideias, no fazer escola».

Nesse quadro, o académico nortenho defende, por exemplo, que se acabe que as «rivalidades» entre as universidades portuguesas e se unam em torno da defesa dos interesses gerais e não das “capelas”. Exagerado? «As escolas têm de ser diferentes, mas têm de lutar em conjunto para fazer vingar a nossa posição comum». Num âmbito mais lato, os países do Sul, «que são os mais importantes nas ciências veterinárias», não fazem valer as suas ideias «junto de quem manda (União Europeia) e não é por não termos razão, é porque não nos unimos», frisa.

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