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Fluviário de Mora: «Estamos a fazer ciência»

Fluviário de Mora: «Estamos a fazer ciência»

O grande desafio de ser médico veterinário do Fluviário é o de estar a fazer algo novo. Existem poucos trabalhos científicos e estudos sobre peixes de rio, muito menos dos nossos peixes. Por isso, «costumo dizer que estamos aqui a fazer ciência todos os dias», afirma Bernardo Chitas Martins, que faz equipa com o biólogo João Pimenta Lopes.

O Fluviário de Mora foi um projecto inovador desde a sua génese. Mostrar ao público as espécies autóctones de um rio desde a nascente até à foz é o objectivo da exposição central, que é o núcleo, depois existem vários aquários com espécies mais exóticas e também mais “espectaculares”. Mas, principalmente em relação às que existem nos nossos rios, o trabalho da equipa técnica é de constante experimentação, porque muito pouco se sabe.

«Há pouquíssima bibliografia em relação a estes animais, o que há é relativo a aquacultura e na Internet o que se encontra é sempre de carácter muito experimental. Por isso, registamos tudo o que fazemos e empenhamo-nos em realizar tudo de forma sistemática, quer sejam necrópsias, análises ou amostras de exemplares que depois congelamos. Para que se possam analisar e perceber padrões», explica Bernardo Chitas Martins.

 

O médico está no Fluviário desde o início, faz em Março três anos. «Quando me convidaram para ser director técnico comecei de imediato a fazer autoformação, porque o único contacto que tinha tido com peixes até aí foi na Faculdade de Medicina Veterinária e na área de inspecção sanitária, com peixes mortos… Hoje a FMV já tem a área de Aquacultura mas nessa altura não havia», diz.

«Tem sido uma experiência muito gratificante e as expectativas iniciais não foram defraudadas», garante Bernardo Martins acrescentando que «no trabalho que temos feito muitas experiências correram bem, algumas não tão bem e outras mal. Seguindo uma ideia do João Lopes descobrimos, por exemplo, uma forma de alimentar os peixes, com gelatina, que nos facilita muito o trabalho em termos de elementos nutricionais mas também para administrar medicação». Colocam-se folhas de gelatina alimentar neutra e depois junta-se a “polpa” do alimento que se quer (abóbora, beterraba, vegetais, fruta, etc.) para que os peixes, «tal como nós», tenham todas as cores na sua alimentação.

 

Estudar a melhor alimentação para cada espécie e cada animal é um dos trabalhos mais intensivos que o médico veterinário e o biólogo do Fluviário têm vindo a fazer ao longo destes três anos. Aliás, «todo o trabalho técnico é sempre feito em equipa com o João Lopes, que é quem está a tempo inteiro no museu, embora eu seja quase médico residente porque, como trabalho e vivo no concelho, estou perto e venho cá sempre que é preciso», diz Bernardo Martins.

Por seu lado, João Lopes é o coordenador da equipa técnica e faz também parte da administração, sendo responsável pelo projectos científico e pedagógico.

 

Desparasitar, necropsiar e tratar

Um dos problemas mais frequentes que o médico tem de tratar no Fluviário são os parasitas como a lernea mas «como trabalhamos em meio fechado, não é complicado aplicar o tratamento na água e impedir que as larvas se transformem em adultos», explica. Quando os parasitas são adultos têm que ser removidos cirurgicamente porque o tratamento para os matar (na água) mataria também os peixes.

 

Mas depois há problemas bem mais complicados e para os quais nem sempre se descobre a solução. Como a morte de uma raia, macho, em Dezembro e que «mesmo depois da necrópsia não temos a certeza do que aconteceu.

Suspeitamos de um problema de fígado mas ainda não temos a certeza», lamenta o médico. Nestas alturas, Bernardo Martins recorre principalmente a Nuno Marques Pereira, o médico veterinário do Oceanário de Lisboa, instituição com quem o Fluviário tem um protocolo de cooperação.

Têm também surgido problemas durante o período de quarentena, tendo mesmo morrido alguns exemplares. «Os nossos peixes vêm, normalmente, de outros parques ou estações científicas, como o Instituto de Investigação das Pescas e do Mar», diz o médico, mas salientando que «temos, todavia, também vários fornecedores que, muito embora, façam o seu melhor na maioria dos casos, não nos conseguem dar uma história completa dos animais, pelo que não sabemos o seu percurso e isso torna muito mais difícil conseguirmos acertar em todos os parâmetros, como temperatura e composição da água, iluminação, alimentação, etc.». Isto para além dos que apresentam feridas devido ao transporte, o que acontece mais frequentemente com os exemplares maiores porque «é muito difícil transportar estes animais, requer grandes tanques, cheios de água, por isso pesados, e carrinhas adequadas».
O trabalho do médico veterinário no Fluviário passa essencialmente por receber os exemplares que chegam, colocá-los em quarentena sob observação e análise, desparasitar todos os animais, necropsiar os que morrem e tratar todos os problemas médicos que surjam, através de medicação que na maior parte das vezes é aplicada na gelatina ou na água, mas que também pode ser injectável, «como tivemos de fazer com as raias, porque tinham algumas feridas quando chegaram, ou em pomada, como aconteceu com um cágado que teve conjuntivite ou em colírio, numa lontra, também com conjuntivite».

«Quando os animais chegam, um dos “tratamentos” habituais é colocá-los em gradeantes sucessivos de água salgada. Como são peixes de água doce, a água salgada mata a maioria dos parasitas que trazem», explica Bernardo Martins.

Em relação a outros animais, como a anaconda, por exemplo, as dúvidas são tiradas junto do Jardim Zoológico de Lisboa. «Ela muda de pele cada vez que come e agora come cerca de uma vez por mês», conta o médico, acrescentando que «andou aí uns tempos muito “murcha” pouco activa, mas mudámos-lhe a dieta e agora já está melhor».

Por seu lado, o biólogo João Lopes é responsável por uma grelha diária de análises à água, por monitorizar e organizar todo o trabalho rotineiro da equipa técnica, como limpeza de tanques, alimentação, observação dos animais, administração de alguns tratamentos na água e medicamentos na gelatina alimentar (previamente definidos pelo médico veterinário), etc.

O Fluviário tem dois biólogos, dois electro-mecânicos, cinco aquaristas e seis colaboradores na loja e secção administrativa, além de oito empregos indirectos nas áreas de limpeza e segurança, entre outros, num total de cerca de 30 pessoas.

Equilíbrio entre ciência e “espectáculo”

A exposição central estava destinada, inicialmente, a ter apenas animais autóctones mas a possibilidade de ter alguns peixes exóticos, como o chanchito (originário de África) ou uma carpa japonesa, muito mais apelativa do que as nacionais para estar em exposição, devido às suas cores, acabou por se sobrepor às razões científicas. «Não podemos esquecer que o Fluviário é um museu que está aberto ao público e que tem de ter interesse para os visitantes, vivemos dessas receitas e como dependemos dos fundos do município, tudo tem de ser muito bem pensado», admite Bernardo Martins. «Daí, algumas vezes termos optado por conseguir exemplares um pouco maiores, mais espectaculares em exposição, mas essa não se tem revelado uma boa estratégia, pelos problemas de falta de historial e de transporte de que falámos, por isso, a aposta está a ser cada vez mais em juvenis, embora isso implique um maior investimento porque depois têm de estar fora de exposição mais tempo até crescerem. Mas está a resultar melhor», garante.

O casal de lontras do Fluviário também não é autóctone, é de origem indiana, mas por razões diferentes. O Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) não permitiu que o museu tivesse lontras autóctones (maiores do as do Fluviário) porque estão em perigo de extinção. Em termos de problemas médicos, Bernardo Martins afirma que «uma delas apenas teve uma conjuntivite, além de termos de proceder à habitual desparasitação, como fazemos com todos os outros animais». O casal ainda não se reproduziu, tal como a grande maioria das espécies e o médico salienta que «não conseguimos identificar razões para isso, no caso das lontras pensamos que pode ser algo territorial, como condições específicas para fazer ninho, embora lhes tenhamos dado uma “casa” com condições para isso mesmo, mas continuamos a analisar a situação». Nos outros casos, a falta de refúgios para desovar, pode ser uma das causas.

As lontras vão mudar de habitat dentro de cerca de dois anos, quando estiverem prontas as obras para dois habitats na zona exterior do Fluviário, com cerca de 300m2, para este e outro casal. O concurso é lançado no início deste ano. No conjunto das novas obras em infra-estruturas, orçadas em cerca de um milhão de euros, ainda em 2010, e no âmbito das comemorações do terceiro aniversário do Fluviário, estão previstas algumas alterações na exposição central e noutros aquários. Haverá mudanças por motivos técnicos, que têm a ver os habitats e com as espécies, «mudando a estrutura dos tanques para facilitar a reprodução, por exemplo», diz Bernardo Martins, mas também por questões de exposição, mais ‘estéticas’ «para dar mais brilho e mais cor», adianta João Lopes.

O biólogo, e também administrador do museu (o que facilita muito o diálogo com a administração do lado do município, dizem os dois técnicos), informa que as obras vão ser feitas em colaboração com o patrocinador único anual do Fluviário – a EDP. «A nova exposição temporária (Anfíbios era a que estava na altura da visita) será alusiva ao Ano Internacional da Biodiversidade e abre no terceiro aniversário do Fluviário em Março. Também, em princípio, até ao aniversário, nas paredes laterais da exposição central passará a estar o perfil longitudinal de um rio com informação sobre o leito», explica o biólogo. Na “sala de aula” onde decorrem muitas actividades com o principal grupo de visitantes do museu – as crianças – também haverá mudanças. «Também com o patrocínio da EDP, a sala passará a ter mais vida e cor, com mesas em forma de peixes, um rio desenhado na parede, etc.».

Quando as lontras estiverem nos habitats externos, «o tanque delas será transformado num aquário para peixes de água doce de grandes dimensões, alguns que já temos e têm de estar fora da exposição porque não temos condições para os expor, como é o caso de um Lúcio (carnívoro)», mas também carpas com 25 quilos, enguias de dois metros e trutas, entre outros grandes exemplares que existem nos rios nacionais, mas que raramente são vistos. No campo das novidades fica uma última: o novo site do Fluviário está também já online desde Janeiro deste ano.

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