O professor David Vail foi “cabeça de cartaz” nas 12ªs Jornadas Internacionais de Medicina Veterinária, organizadas pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que decorreram de 14 a 16 de Novembro último. E não é para menos. Com um percurso invejável e um currículo sustentado, o especialista em oncologia veterinária veio trazer esperança sobre uma temática tão intensa como o cancro nos animais de companhia. A VETERINÁRIA ACTUAL entrevistou-o e ficou a perceber que, ao mesmo tempo, David Vail trata dos animais… e dos seus donos. Dá qualidade de vida aos seus doentes e esperança aos seus clientes. Porque hoje, diz este especialista, ao contrário de há 25 anos, uma satisfatória percentagem de cancros pode efectivamente ter cura. E mesmo que a cura, em alguns casos, não seja possível, porque não dar aos animais de estimação qualidade de vida?
Veterinária Actual: Qual é a actual realidade da oncologia veterinária?
David Vail: O meu mentor, dr. Greg MacEwen, considerado o pai da oncologia veterinária, costumava contar uma história sobre a realidade desta prática há 25 anos. E costumava dizer muitas vezes que de manhã o veterinário estava a fazer o diagnóstico e à tarde a autópsia ao animal. Isso mudou radicalmente no último quarto de século. Hoje, temos excelentes técnicas de diagnóstico e temos boas terapias. Ou seja, basicamente temos excelentes notícias: actualmente, uma vasta maioria dos cancros ou são curáveis ou são controláveis. O que já é excelente.
O cancro é realmente um problema nos animais de pequeno porte?
Infelizmente sim. Devido à falta de doenças cardiovasculares e arteriosclerose nas espécies, o cancro acaba por ser a causa de morte “natural” mais frequente nos cães e a segunda ou terceira mais comum nos gatos. Até 50% dos cães e 30-35% dos gatos são afectados por um qualquer tipo de tumor. Um inquérito online do Morris Animal Foundation em 1998 questionou centenas de donos sobre as doenças dos seus animais de estimação. E o cancro foi a primeira doença a ser mencionada entre os cães e a terceira entre os gatos. Mas em resposta à pergunta “De que doença morreu o seu animal de estimação?”, o cancro surgiu em primeiro lugar em ambas as espécies. Talvez por isso mesmo, claramente, os nossos clientes estão cada vez mais conscientes da importância que o cancro pode ter na saúde dos seus animais e apresentam-se muito mais informados sobre esta doença. Muitas vezes utilizando a internet para a pesquisa.
Na generalidade, o que deve um veterinário comum saber acerca do cancro?
De forma a melhor irmos de encontro às necessidades dos clientes e pacientes que temos a nosso cargo, o clínico deverá ter um claro entendimento da biologia, comportamento e história natural dos tumores mais comuns. Depois, precisa saber quais as técnicas aplicadas ao diagnóstico, quais os tratamentos disponíveis, os custos envolvidos é também muito importante, os prognósticos e perceber quais as expectativas do cliente. Por último, educar o cliente é uma das mais importantes facetas da oncologia clínica.
É assim tão importante envolver o dono do animal neste processo? Mal o diagnóstico seja feito é importante explicar claramente quais os passos a seguir?
É extremamente importante. Aliás, é vital para o processo. Há muitos tipos de cancro. E as pessoas são muito diferentes umas das outras. Logo, as reacções podem ser bastantes variáveis. Na minha opinião, a melhor solução passará sempre por nos sentarmos com o cliente e explicar exactamente qual o tipo de cancro que o animal tem, em que estado da doença está e quais as expectativas que os donos têm. Porque a verdade é que há cancros que são tratáveis mas há outros que continuam a não o ser. E pela minha experiência, as pessoas reagem de formas muito diferentes. Se um de nós tivesse cancro, poderia reagir de várias formas. Alguns agarram-se a tudo o que têm e só pensam na cura, porque querem ver os filhos crescer, porque querem viver e outros desistem.
Os donos questionam-no sobre se vale a pena tratar animais de companhia com cancro?
Sim, questionam. E eu respondo: se os podemos tratar, porque não o havíamos de fazer? Tratamos animais com doenças crónicas que muitas vezes nem sequer são curáveis, como a diabetes, doenças do coração… o cancro é apenas mais uma doença crónica. E, para além do mais, o cancro é uma doença que nós muitas vezes realmente curamos. E mesmo em casos em que a cura seja pouco provável, há muitos cancros onde através de tratamentos podemos aumentar a qualidade de vida. É claro que aqui a fase onde se encontra a doença e as expectativas do cliente são factores a ponderar.
Os avanços da medicina veterinária, particularmente no que diz respeito à oncologia, vieram sobretudo dotar os veterinários de mais opções de tratamento?
Cada tipo de cancro tem várias modalidades de tratamento. Determinados tratamentos funcionam melhor em alguns tumores do que outros. Hoje, a principal “arma” usada para combater o cancro é a cirurgia. De resto, tal como nos humanos. E isto porque habitualmente falamos em cancros perfeitamente localizados e numa fase inicial de avanço à qual a cirurgia consegue perfeitamente responder. O tratamento mais usado em segundo lugar é a radioterapia, também usada quando o local está perfeitamente localizado. Depois, obviamente que temos a quimioterapia, um tratamento mais abrangente que permite o tratamento de metástases. E por último temos a imunoterapia, ou bioterapia. Para mim é precisamente esta que encerra as maiores esperanças mas ainda está numa fase muito inicial de desenvolvimento.
E relativamente aos efeitos secundários? Num animal as repercussões da, por exemplo, quimioterapia são idênticas aos humanos? Ou estamos a falar de reacções distintas?
Neste capítulo a medicina veterinária no campo da oncologia tem excelentes notícias. Porque é verdade que muitos dos nossos clientes vêm ter connosco com uma ideia muito negativa, porque baseados nos pressupostos humanos. De uma forma geral, os protocolos usados em quimioterapia em cães e gatos são muito bem tolerados.
Mas e o custo dos tratamentos? Inevitavelmente é uma questão que surge…
Depende da natureza da doença. Mas mesmo que o custo do tratamento seja elevado pode haver outras opções. Há tratamentos para o cancro que são relativamente pouco dispendiosos. Muitas vezes podem resolver-se com pequenas cirurgias. É claro que se o cancro já se tiver proliferado e for necessária radioterapia ou quimioterapia podemos estar a falar em tratamentos já bastantes dispendiosos.
Está confiante quanto ao desenvolvimento desta área da medicina veterinária?
Licenciei-me em 1984. Desde essa altura até agora houve monumentais avanços e sobretudo muita esperança. E muitos sonhos. É claro que ainda há mesmo muito a fazer mas é gratificante ver animais a quem dei seis meses de vida terem conseguido superar as minhas expectativas. Muitas vezes, os meus clientes vêm ter comigo e dizem: “Dr. Vail, o senhor estava errado, o meu cão ou gato não teve seis meses de esperança de vida. Já se passou um ano e está tudo bem…”. E é aqui que eu simplesmente adoro estar errado…