Bobi, atualmente internando no Centro Veterinário Dr. José Leite, no Montijo, é um cão cuja história tem um final feliz. Após ter sido atropelado e quando se esperava o pior, várias pessoas correram em seu auxílio e alguém telefonou ao médico veterinário José Leite, que se deslocou ao local para ir buscar o animal. A pessoa em questão comprometeu-se a pagar os tratamentos, mas sobretudo a dar um lar e um nome ao cão, batizado Bobi. “Ainda há pessoas assim”, garante José Leite, mas “com a crise começam a escassear”.
Aliás, as consequências da crise económica que assola o país é um dos problemas que mais afeta este centro de atendimento médico veterinário (CAMV), dado que “as condições financeiras dos donos são um problema”, declara Inês Leite, filha de José Leite e também médica veterinária.
Se no início o centro se debatia com “dificuldades de ordem técnica, porque estava sozinho e tinha poucos equipamentos, por outro lado também não havia muitas referências nesta zona para enviar os casos mais complicados, uma vez que só havia hospitais em Lisboa e em Sintra. Por isso tinha de tentar solucionar os problemas e com um pouco de boa vontade resolvia-se muita coisa”, lembra José Leite. Hoje a realidade é diferente pois passou-se de um cenário onde as tecnologias eram poucas, mas ainda havia pessoas dispostas a gastar dinheiro em exames complementares de diagnóstico, para uma realidade onde os CAMV’s até estão bem equipados, mas os donos dos animais mostram-se indisponíveis para pagar os exames. “Evoluímos de uma situação em que não havia hospitais e tínhamos poucos meios complementares de diagnóstico, para uma onde as pessoas não querem que se faça este tipo de exames aos animais. Estamos perante um retrocesso”, declara Inês Leite acrescentando que, dada esta circunstância, “estamos a fazer muitos tratamentos sintomáticos em vez de traçarmos um diagnóstico e tratar a doença em causa”. Mas esta é a realidade à qual “nos temos de adaptar”, conclui a médica veterinária.
À distância de um telefonema
Quando o Centro Veterinário Dr. José Leite foi criado, em 1978, a realidade era diferente. Na altura, conta o seu fundador e diretor clínico, “não havia no Montijo médicos veterinários que se dedicassem à clínica de pequenos animais”. Aqueles que existiam “trabalhavam sobretudo na área da suinicultura”. E foi então que José Leite começou a desbravar o caminho. O centro começou por funcionar apenas ao final da tarde, sendo que “nos primeiros dias não apareceu ninguém. Depois começaram a surgir algumas pessoas” e chegou um momento em que o médico veterinário deixou de ter mãos a medir. Sendo uma zona onde abundam caçadores, “era frequente chegar cá e ter mais de dez cães à porta para serem vistos”. Mas não eram apenas os caçadores que procuravam os cuidados veterinários, já que “as pessoas perceberam que havia alguém que cuidava dos animais de companhia e começaram a preocupar-se em trazê-los”.
Um cenário para o qual a filosofia do médico veterinário contribuiu e muito. “O negócio veterinário não tem horas porque tudo depende dos animais”, o que faz com que os médicos veterinários neste CAMV acabem por trabalhar fora do horário normal de funcionamento, à distância de um telefonema. Se, por um lado, este facto “nos tem trazido muito trabalho”, por outro “também causa alguns dissabores, como quando somos acordados às 03h00, por exemplo”. No entanto, esta política de proximidade com os clientes é algo profundamente “valorizado pelas pessoas”. E quanto aos animais “há muitas situações que se resolvem por telefone. Na verdade, pelo facto de termos um número de telefone sempre disponível atendemos pacientes de outros colegas porque as pessoas, no momento de aflição, não têm mais ninguém a quem recorrer”.
O facto de o animal estar sempre no centro das preocupações da equipa leva Inês Leite a considerar que “a nossa especialidade é dedicar-nos de corpo e alma aos animais”. Além de José e Inês Leite, o centro conta com a colaboração de mais uma médica veterinária a tempo inteiro e médicos veterinários ‘especialistas’, em regime de outsourcing, em várias áreas como dermatologia, cirurgia ortopédica, entre outras.
Crescimento sustentável
Ao longo dos anos, a evolução do número de clientes despoletou a necessidade das infraestruturas conseguirem responder a este aumento e, por isso, o CAMV sofreu algumas remodelações, apesar de estar situado no mesmo local desde a sua inauguração. A penúltima remodelação “foi ao nível do espaço. Criámos dois consultórios porque só havia um muito grande, e uma zona de internamento, tendo adquirido vários aparelhos de diagnóstico”, salienta Inês Leite. Quanto à última remodelação, “convertemos o quintal num espaço fechado, ou seja, numa área da clínica”. No fundo, como refere a médica veterinária, “temos procurado fazer um crescimento sustentável”. E este é um dos motivos que leva Inês Leite a comentar que, “neste momento, não faz parte dos nossos planos passar a hospital, pois prefiro ter mais valências e ser uma referência na zona, do que passar a ser um hospital”.
Uma família de veterinários
A evolução do número de clientes, além de exigir a remodelação do espaço, reivindicou uma mudança de estratégia na hora do atendimento, tendo sido implementadas as consultas por marcação o que, segundo José Leite, permitem organizar, a priori, o dia de trabalho. Quanto ao feedback dos clientes ao novo método, apesar da resistência inicial acabaram por se aperceber das mais-valias. Outra das exigências sentidas no centro diz respeito à formação, cuja necessidade de atualização é constante. Daí que Inês Leite, ultimamente dedicada à área da gestão, tenha procurado fazer algumas pós-graduações, tanto no âmbito da gestão, como ao nível clínico.
Quanto a José Leite, o médico veterinário brinca ao dizer que “já ‘estou no ‘fim de linha’, mas vou dando uma ajuda nas folgas e sempre que é necessário”. No entanto, há muitos anos que as ciências veterinárias são uma parte intrínseca da sua vida. “Fui muito novo para Santarém frequentar um curso de regentes agrícolas e, por isso, comecei logo a ficar muito ligado ao campo e à parte pecuária”. Findo o curso, as opções eram Agronomia ou Veterinária, sendo que “optei por veterinária, não só porque durante o curso me fui dedicando mais a essa área, mas porque tinha primos que já eram médicos veterinários”.
Quanto a Inês Leite, o meio onde cresceu, ou seja, os seus antecedentes familiares acabaram por ter influência na hora de escolher a profissão. “Sempre gostei de vir para o centro ao fim do dia e logo que pude comecei a ajudar. Por isso sempre me lembro de dizer que ia ser médica veterinária”.
Os problemas da profissão
Se a situação financeira dos donos dos animais é uma preocupação para José e Inês Leite devido ao funcionamento do CAMV, por outro lado e num panorama mais vasto, ou seja, olhando para o estado da profissão, os médicos veterinários também revelam preocupações. “No nosso país nenhuma profissão está bem”, assegura Inês Leite, argumentando que “estamos a atravessar um período complicado porque quem quer investir em meios de diagnóstico ou apostar na especialização, em termos orçamentais, a situação está complicada, o que é frustrante”. Outro dos problemas é o número excessivo de licenciados na área. “A quantidade colegas que saem todos os anos gera um problema”, reitera o médico veterinário para quem a solução pode passar pela especialização. Porém, ressalva que isto é algo “que leva tempo, pois até se chegar a especialista são precisos mais cinco ou seis anos”.
Menos prevenção
Uma das faces visíveis da crise no Centro Veterinário Dr. José Leite é a redução das consultas de prevenção, mas não só. Como as pessoas não levam os animais à clínica, assim que se apercebem que estes não estão bem “quando chegam vêm em más condições e muitas vezes já pouco podemos fazer”. Uma das patologias mais prevalentes é a dirofilariose. “É uma doença para a qual tentamos alertar os donos”, menciona Inês Leite acrescentando que, mesmo assim, “ainda encontramos muitos an