Someia Umarji nasceu em Moçambique e vive desde os três anos de idade em Portugal. As razões da sua saída do país africano prendem-se com a revolução e desde então já passaram 26 anos. Continua a ter família lá, que costuma ir visitar. Porém, as “raízes” do seu nome não estão enterradas na localização geográfica, mas na religião, já que «sou muçulmana».
A medicina veterinária (MV) foi uma paixão que surgiu muito cedo e a levou a ingressar na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, onde se licenciou em 2004. O chamamento da MV encarregou-se de a fazer descobrir aquilo de que mais gostava na área e foi então que um curso, com duração de um fim-de-semana na Universidade Lusófona, lhe despertou o interesse pela medicina veterinária holística. Depois, «apostei numa pós-graduação na mesma instituição de ensino, com formadores internacionais, e foi esta a “especialidade” que optei por seguir», conta a médica veterinária.
Foi na formação de fim-de-semana que descobriu a sua vocação dentro da MV, mas talvez o “bichinho” pelos tratamentos alternativos já lhe corresse no sangue. «O meu avô tinha interesse pela reflexologia e tinha um dom: conseguia encontrar água», revela Someia Umarji, que acredita que, «apesar de não ter sido uma influência directa, depois das workshops pequeninas que frequentei, acabei por lhe ligar para lhe pedir os seus livros e os materiais. É engraçado pensar como ele, num país distante e com uma cultura diferente, acha importante este tipo de situações de utilização da energia».
Após terminar a faculdade fez um estágio em pequenos animais e depois começou a trabalhar com cavalos, «daí haver um no logótipo da ZenVet». Não obstante, acreditando que devia investir na sua formação em pequenos animais e cavalos, partiu rumo à Bélgica.
Quando regressou, fez a pós-graduação em Acupunctura Veterinária, isto porque já aplicava na prática clínica o conhecimento adquirido nos pequenos cursos que ia fazendo. «Passei a utilizar e a testar diariamente aquilo que aprendia, vi que funcionava e… abriu-se uma janela enorme».
Entretanto, também acabou por se pós-graduar em cirurgia de pequenos animais, porque «o tratamento holístico é um pouco de tudo».
O “todo”
A ZenVet, em Fernão Ferro, perto de Sesimbra, fez um ano em Outubro passado, sendo que «abri a clínica porque no momento em que comecei a fazer estas formações comecei a ter um interesse por uma área que tinha de ser explorada com muita atenção», explica Someia Umarji. De acordo com a médica veterinária, numa clínica convencional «é difícil ter uma pessoa a praticar o conceito de holística enquanto os colegas trabalham com a medicina convencional», daí ter sentido a necessidade de ter um espaço «onde se praticasse verdadeiramente este novo conceito».
A medicina holística em veterinária «tem a ver com a integração de vários factores como a alimentação, o meio ambiente, onde se inclui o espaço, se há outros animais, a raça ou se é produto de um cruzamento, o proprietário, etc.». Por outras palavras, «tudo é importante para nós e logo desde a primeira consulta, quer seja devido a motivos de doença ou de rotina». A partir daqui «traçamos um perfil e tentamos acompanhar e prever as tendências, tanto ao nível de saúde como das patologias», salienta a directora da ZenVet, acrescentando que «não excluímos hemogramas, ecografias, endoscopia, TAC, ou seja, os meios auxiliares de diagnóstico; simplesmente temos sempre em atenção que o problema não afecta apenas aquela parte do corpo e, ao interpretarmos o animal como um todo, acabamos por resolver o problema». Neste sentido, é bastante importante «o animal estar feliz e satisfeito».
Na prática, na clínica trabalha-se com «acupunctura simples, electroestimulação, fármaco-acupunctura (injectamos nos pontos de acupunctura determinadas substâncias que podem ser produtos homeopáticos), fitoterapia chinesa (preparações de plantas que não encontramos no nosso meio ambiente e que na medicina tradicional chinesa têm poderes curativos específicos, não sendo suplementos alimentares), e fisioterapia, que aqui tem mais ênfase porque dá seguimento ao tratamento da acupunctura ou de fitoterapia», esclarece Someia Umarji.
A cura
De acordo com a médica veterinária a MV holística permite resultados que a convencional não consegue atingir. Quando questionada em relação à obtenção da cura, responde que depende do ponto de vista, pois é algo que está intimamente relacionado com a patologia.
«Se for um tumor, dificilmente alguém diz que o cura, a não ser que seja benigno, ou seja, massas que surgiram em locais difíceis de operar e, através da fitoterapia e da administração de fármacos, localmente conseguimos erradicar o problema físico. Em relação às atopias das quais não conseguimos boas respostas na medicina convencional com os antibióticos, os banhos controlados, os corticosteróides, a fitoterapia e a auto-hemoterapia – retiramos sangue do próprio animal para injectar em alguns pontos – acabam por conseguir controlar muito mais tempo o problema e sem ser necessário recorrer a todos estes fármacos». Todavia, talvez o campo onde seja mais notórias as vantagens das terapias alternativas seja o da paralisia. «Em relação aos paralisados, temos os tetraplégicos, os paraplégicos sem sensibilidade profunda, sendo que muitos deles são submetidos a cirurgia por uma questão de estabilização e eliminação da dor ao nível da coluna, mas o animal continua sem se mover. Aqui conseguem andar, se isto puder ser considerado uma cura, então conseguimos curar». No entanto, Someia Umarji alerta que «todos os graus de recuperação dependem também do indivíduo e não só da patologia».
Os 5 elementos
Na ZenVet os animais são classificados de acordo com os cinco elementos: fogo, terra, água, metal, madeira. «Na medicina tradicional chinesa classifica-se conforme o elemento», afirma a responsável. Apesar de o proprietário «nem sempre se aperceber, na capa do boletim de vacinas, colocamos o elemento correspondente ao animal e também costumamos providenciar informação relativa àquele elemento». Por exemplo, «um animal terra, é o típico labrador e o boxer, são sociáveis, bem-dispostos, adoram comer, têm tendências, ao nível de saúde, a ter problemas nos tendões e na musculatura».
Para se chegar a estas conclusões não basta olhar para o animal, «é necessário conhecer a história clínica, medir o pulso ou mesmo observar a língua». O proprietário também desempenha um papel central visto que, para definir o elemento do paciente, «fazemos perguntas como que tipo de brincadeiras o animal gosta, se é afável com toda a gente… assim ficamos a conhecer também o proprietário». No entanto, o mais curioso é «que ambos, dono e animal, normalmente, têm o mesmo elemento, ou seja, o primeiro exerce uma grande influência sobre o segundo e daí que não seja à toa que certas pessoas tenham labradores e outras caniches», assegura Someia Umarji. Resumindo, para além da raça, da genética e do comportamento, «a medicina tradicional chinesa classifica o animal ainda como um indivíduo que interage com tudo à sua volta».
A médica veterinária revela que hoje continua a surpreender-se com o alcance da medicina holística. Mas não é a única, uma vez que o próprio dono também é apanhado nesta teia da surpresa. Isso acontece usualmente na altura da apalpação dos pontos de diagnóstico da acupunctura, visto que «conseguimos saber uma série de coisas que, pelo exame físico, suspeitamos mas não temos a certeza. É o próprio animal que colabora connosco, mostrando os pontos de sensibilidade, sendo que o dono, que nunca percebeu que havia ali um problema, muda completamente de perspectiva porque vê a sua reacção». Na área envolvente da clínica, por exemplo, «temos muita leishmaniose e febre da carraça e com a apalpação de determinados pontos conseguimos suspeitar fortemente de uma febre da carraça sem sintomas clínicos».
Fotografia e vídeo
Uma vez que a ZenVet está localizada numa zona que não pode ser exactamente considerada de passagem, «o nosso site tem ajudado na nossa divulgação e as pessoas acabam por nos procurar porque viram na Internet». Por isso, os clientes chegam de todo o país, como do Porto ou de Peniche.
Quanto ao perfil dos clientes, declara que «qualquer faixa etária, qualquer nível de formação; a partir do momento em que fazemos a caracterização pelo elemento a pessoa fica rendida porque aquilo que dizemos faz sentido».
A ZenVet também disponibiliza serviços ao domicílio. Por um lado, porque «existem clientes que têm dificuldades em trazer os animais até à clínica e, por outro, porque Someia Umarji continua a trabalhar com cavalos, sendo que «só não fazemos mais atendimento por falta de disponibilidade».
Não obstante, a médica veterinária é da opinião que o espaço clínico é importante pois, frequentemente, «há necessidade de um raio X ou de fazer outro exame para realizar um diagnóstico correcto».
De acordo com a responsável, a consulta normal são 28 euros e a de medicina tradicional chinesa são 35 euros. Porém, esta «dura hora e meia, dado que fazemos o levantamento de todo o historial do animal e os donos trazem já um dossier de informação… muitas vezes esse tempo não chega e é preciso fazer ainda mais pesquisa para depois fazer o plano de tratamento».
A medicina holística «nunca é uma imposição, mas uma sugestão», ressalva, acrescentando que «aquilo que explicamos ao proprietário é que – é óbvio que depende da patologia – com uma cirurgia há 30% de resposta e com a acupunctura 80%. Podemos até fazer a cirurgia porque o animal tem dor e precisa de estabilização, mas seguida de tratamentos de acupunctura».
E uma particularidade, em relação ao trabalho desenvolvido com cada paciente, é que «filmamos e fotografamos todo o processo, registando a evolução, de modo a que os donos sejam capazes de percepcionar as alterações, visto que, frequentemente, percebem que alguma coisa mudou no animal, mas não sabem dizer o que foi».
Quando surgem dúvidas, Someia Umarji recorre aos colegas do estrangeiro, nomeadamente a alguns que já foram seus formadores e diz que «temos um fórum e basta mandar uma mensagem hoje, que amanhã já tenho três ou quatro repostas». Para além das dúvidas, o fórum também se revela uma ajuda em relação aos produtos, uma vez que, «se não os consigo encontrar cá, numa questão de dias enviam-me».
«Não é voodoo»
A medicina veterinária holística não é reconhecida o que pode causar algumas desconfianças por parte da classe veterinária.
«Ainda não é uma opção para a maior parte dos colegas», sublinha Someia Umarji, reiterando que «na grande parte dos casos os clientes chegam até nós por auto-iniciativa, porque pesquisam na Internet, visto que, às vezes, eles próprios tiveram boas experiências com as medicinas naturais e vêm à procura de respostas semelhantes para os seus animais de estimação».
Quando a clínica “nasceu”, «enviámos cartas a uma série de clínicas e hospitais a informar sobre os nossos serviços e que podíamos disponibilizá-los nas suas instalações», refere a médica veterinária, declarando que «isto não é voodoo. Nós confirmamos e comprovamos aquilo que fazemos e não sentimos que haja dificuldades por parte dos proprietários em aceitar as nossas técnicas, até porque muitas vezes, quando cá chegam, dizem-nos que o médico veterinário afirmou que já não tinha solução e… é complicado ser depois o próprio dono a encontrá-la, como no caso dos paraplégicos».
É por tudo isto que defende que «o importante é as pessoas estarem despertas e conscientes de que, para além de uma técnica cirúrgica aprofundada, de um novo medicamento, há outras opções que funcionam». E, neste sentido, não referenciar, é «uma perda para o paciente que sofre mais e para o colega que não consegue perceber o que se passou com aquele caso clínico».