As doenças dermatológicas nos equinos são sempre um desafio. Até porque os veterinários vão ser chamados a ver mais doenças crónicas do que primeiros sintomas agudos. A verdade é que a maioria dos donos ignora os sintomas, na esperança que, como por magia, desapareçam; ou administram alguns medicamentos, normalmente desadequados.
Isto não só torna a investigação e o diagnóstico mais difícil como pode tornar o tratamento menos claro, garante o professor Derek Knottenbelt, da Universidade de Edimburgo e convidado pela Universidade de Trás os Montes e Alto Douro (UTAD) a participar nas XIII Jornadas Internacionais, sob o mote “Clínica de Animais de Produção e Equinos”. «O aspecto positivo da dermatologia equina é que muitas situações podem ser tratadas ou, pelo menos, têm um diagnóstico razoavelmente bem definido», congratula-se o professor.
Contudo, ainda relativamente pouco é conhecido sobre as doenças dermatológicas equinas. Extrapolações de outras espécies e nomear de forma errada e pouco sustentada doenças como lúpus eritematoso sistémico, ou doença de Cushing, pode levar a problemas quando o tratamento é igualmente extrapolado ao cavalo.
«Invariavelmente, as doenças têm mais diferenças clínicas e/ou patológicas relativamente a outras espécies e por isso deve haver cuidado ao fazer o diagnóstico», alerta Knottenbelt a uma plateia composta maioritariamente por futuros médicos veterinários.
E talvez pelas características da audiência o professor tenha optado por enumerar as “boas regras” de um diagnóstico correcto. Começou por aconselhar à realização de historial completo. «Um historial que deve sempre conter todas as medidas aplicadas pelo dono, assim como uma avaliação das mais relevantes apresentações clínicas e a extensão a outras espécies em casos similares». É também essencial, diz o professor, uma abordagem clínica lógica, já que muitas das condições podem ser fácil e definitivamente diagnosticadas apenas através das informações clínicas e do histórico. Suposições intuitivas podem ser úteis, mas há significativos perigos porque muitas doenças apresentam uma aparência clínica similar. «Só após o diagnóstico estar efectuado é que podemos esperar que o tratamento funcione».
Há vários “suportes” que podem ajudar ao diagnóstico, como sejam espécimes de cabelo ou biopsias, que são frequentemente utilizadas em investigações dermatológicas. Em alguns casos, um diagnóstico definitivo pode ser estabelecido, enquanto noutros a natureza crónica da condição e/ou complicações causadas por traumas ou infecções secundárias podem tornar difícil a sua interpretação. Informações patologicamente úteis estão normalmente limitadas a antecipadas e cuidadosas lesões seleccionadas e a correctos métodos de recolha de amostras.
A pele como o maior órgão
A maior parte das doenças de pele em equinos podem ser divididas em infecciosas e não-infecciosas. As infecciosas incluem vírus, bactérias, fungos, protozoários e condições parasitárias externas e internas. As não-infecciosas abarcam as doenças de pele traumáticas e alérgicas/imunológicas, assim como condições genéticas, alterações endocrinológicas e doenças neoplásicas. Algumas condições de pele equinas podem ser derivadas de problemas nutricionais ou neurológicos e, outras, secundárias de doenças vasculares ou danos iatrogénicos à pele.
Knottenbelt alerta que o tratamento de doenças de pele em equinos tem sido significativamente, e muitas vezes negativamente, afectado pela erosão gradual das medidas terapêuticas disponíveis que podem ser tomadas. «No entanto, a pele equina é tolerante ao dano e geralmente recupera razoavelmente bem, se a causa de instigação for removida». Em alguns casos, garante o professor, isso é mais fácil de dizer do que fazer: alterações secundárias e interferências iatrogénicas confundem o tratamento de forma muito marcada e, em alguns casos, a causa não pode ser tratada.
A pele do cavalo é o seu maior órgão e, de longe, o mais fácil de analisar, até porque é directamente visível, palpável e pode ser facilmente analisado por todo o corpo. «Há áreas significativas na pele do cavalo que acabam por ser esquecidas, como o caso do pé. E o casco não é mais do que uma estrutura de pele modificada», alertou Knottenbelt.
Um dos grandes problemas deste tipo de prática médica, e bastante enfatizado pelo professor, é o facto de os donos dos animais usualmente tomarem medidas relativamente ao tratamento a dar ao animal. E, muitas vezes, usando medicamentos e preparações que realmente têm poucas ou nenhumas hipóteses de tratarem o problema com sucesso. «Habitualmente, esta postura apenas serve para confundir o diagnóstico – um forte químico aplicado na pele pode causar uma séria deterioração e mascarar os sinais primários, logo fazendo com que a investigação clínica se torne muito mais difícil». Há ainda outro problema acrescido, que é o facto dos donos terem alguma dificuldade em declarar os “tratamentos” anteriores.
A pele é igualmente uma eficaz janela sobre a saúde de muitos outros sistemas e órgãos. A pele pode ser seriamente afectada por doenças internas e, por isso é, fundamental para a investigação analisar todas as possibilidades disponíveis e não apenas a própria pele. Por exemplo, um início agudo de uma aparente fotossensibilização afectando o focinho pode estar associada a uma doença hepática avançada, ou à ingestão de uma planta fotoactiva como a erva de São João (Hypericum perforatum), ou de facto pode simplesmente ser uma questão de exposição ao sol (queratonse actínica).
Enquanto no primeiro caso tratar a pele por si só seria inútil, no segundo a simples redução da exposição à luz solar por aplicação de protector solar ou resguardo no cavalo seria curativa. Se o problema estivesse a ser provocado pela ingestão de uma planta fotoactiva teria de ser investigado o pastoreio e a pele do animal. «Este caso simplesmente ilustra a importância de uma abordagem abrangente/holística à investigação – não deve haver suposições e certamente nenhuma conclusão célere».
Apesar desta suposição intuitiva ser uma abordagem comum para doenças de pele, erros graves podem ser feitos por causa da semelhança clínica de muitas das doenças da pele. «Um dos primeiros aspectos que temos de ter em conta quando fazemos o despiste de um caso dermatológico é atender às características do animal». Isto obviamente, diz o professor, é válido para o diagnóstico em todas as esferas da medicina porque há realmente algumas doenças restritas a determinadas raças, sexo, idade e mesmo cor. Por exemplo, um nódulo na pele perineal de um cavalo cinzento tem uma probabilidade muito elevada de ser um melanoma.
Outro aspecto a ter em conta é o historial do cavalo, até porque algumas doenças de pele ocorrem sazonalmente e muitas tornam-se progressivamente mais graves. Outras manifestam-se como resultado de erupções de medicamentos ou reacções alérgicas a alérgenos inalados. Por exemplo, um cavalo que está em tratamento a esteróides, a longo prazo, por via aérea, poderia facilmente desenvolver infecções de pele em consequência da imunossupressão.
O conceito de contágio é também uma questão importante em dermatologia, uma vez que o cavalo tem vários ectoparasitas importantes. Outro aspecto a ter em conta é ouvir de forma detalhada as “queixas” dos donos, nas quais os sintomas são explorados em detalhe. Por exemplo, num caso apresentado como prurido é importante perguntar se o prurido foi realmente o primeiro sintoma, que pode ser o mais óbvio, mas pode ter havido uma pré-existente condição clínica que o proprietário não reconheceu como significativa.
Há ainda que ter em conta que um completo exame físico clínico é sempre justificado, mesmo quando os sinais da pele são limitados em termos de gravidade e extensão, e mesmo quando eles parecem triviais. O exame não precisa ser exaustivo, mas o corpo deve ser visto como um todo, pois existem doenças de pele que ocorrem secundariamente a outras doenças mais graves e, por vezes, há também doenças de pele secundárias que têm implicações sistémicas.
O exame dermatológico no qual se centrou uma descrição detalhada é feito do tipo, localização e extensão das lesões morfológicas diferentes reconhecíveis. É importante reconhecer as várias opções na descrição da lesão e fazer um bom mapa diagramático da distribuição e da quantidade de sinais detectáveis.
Isto pode parecer muito entediante para um profissional ocupado, mas pode ser literalmente uma protecção de reputação. No caso em que o tratamento é bem sucedido, um registo pode ser mantido e publicações baseadas em evidências podem ser feitas. Em caso de falha ou de necessidade de acompanhar / avaliar a progressão face ao cepticismo ou crítica de um cliente, a verdadeira situação pode ser seguida.