Contactámos vários médicos veterinários do País e procurámos saber quais os três parasitas mais frequentes na região / cidade onde exercem a sua prática.
Porto
Para Sara Coelho, médica veterinária do Hospital Veterinário Montenegro (HVM), é difícil aferir quais as doenças parasitárias mais comuns em Portugal, uma vez que não existem estudos realizados dessa dimensão. “Contudo, penso que todos os colegas concordarão que existem dois ectoparasitas muito frequentes na nossa prática clínica: as pulgas e as carraças. São dois ectoparasitas abundantes, cujo ciclo de vida é, em parte, fora do hospedeiro, procurando-o para se alimentarem. Apesar de estes cães e gatos terem acesso ao exterior, sobretudo se frequentam áreas verdes e livres, estão suscetíveis a serem parasitados, seja qual for a altura do ano, mesmo no inverno. Apesar de nós, humanos, podermos ser picados, geralmente quando existe um animal de estimação em casa, as pulgas e as carraças preferem-no.”
A prevenção, mais uma vez, tem enorme importância, havendo várias opções no mercado que podem constituir uma alternativa ao nível da desparasitação tendo em conta o estilo de vida do animal. “Outro parasita que arriscaria dizer que é bastante comum, pois existem poucos estudos relativamente à sua prevalência em regiões específicas, é o nemátode Toxocara spp., considerada a doença parasitária mais comum em países desenvolvidos, subvalorizada em humanos. O nosso colega David Pureza, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, fez um trabalho muito interessante, na sua dissertação de mestrado, na pesquisa deste parasita em espaços públicos na zona da Grande Lisboa. Os resultados mostraram que mais de metade das amostras recolhidas do solo foram positivas para Toxocara spp., sobretudo em caixas de areias de parques infantis, e que a viabilidade dos ovos recolhidos alcançou os 56%”, partilha a médica. Na prática clínica do HVM, esta é uma parasitose relativamente comum, sobretudo em cachorros e gatos bebés que foram infetados, “ou pela via transplacentária, no caso dos primeiros, ou pela via galactogénica, no caso dos felinos. A principal fonte de infeção do ser humano é pela ingestão de ovos do solo”.
Sara Coelho considera que os médicos veterinários têm o dever profissional de alertar os donos para a necessidade de garantir condições de saúde e proteção, tanto pelos animais, como pelos tutores, sobretudo quando existem crianças na família.
Viseu
Na região onde se insere o Grupo Hospital Veterinário de Viseu (HVV), que abrange não só esta cidade como Seia e Oliveira de Frades, continuam a aparecer diversas parasitoses na prática clínica regular, sendo a leishmaniose, a pulicose e a babesiose as três doenças parasitárias “porventura mais frequentes”, explica a diretora do Grupo HVV, Isabel Maia.
O facto de os animais de companhia estarem a ganhar maior protagonismo na sociedade, e de o vínculo com o Homem crescer ao ponto de fazerem parte de “um grande número de famílias, dando origem ao conceito de família multiespécie”, faz com que a aposta na prevenção não seja descurada. “Além de outros cuidados, é muito importante que os nossos animais de companhia cumpram um excelente protocolo de desparasitação. É evidente que a vertente terapêutica da doença parasitária continua a ser muito importante, mas felizmente cada vez menos necessária, pois a aposta na prevenção é cada vez maior e mais eficaz”, assinala a médica veterinária.
Covilhã
As leishmanioses e hemoparasitas que têm como vetor as carraças são as doenças parasitárias mais frequentes na Clínica Veterinária da Covilhã (CVC). E a sua prevalência tem um claro impacto na prática clínica. “É para nós muito importante termos ao dispor dos tutores uma variedade de ectodesparasitantes e repelentes que sejam eficazes e que se adaptem a cada caso (diferentes animais em termos de pelo, habitat, etc.), bem como do diagnóstico que é, por vezes, um grande desafio, pois a maioria das patologias que se apresentam de forma crónica surgem simultaneamente a outras patologias que debilitaram o animal, ‘abrindo porta’ ao aparecimento sintomático, quer das hemoparasitoses, quer das leishmanioses”, explica o diretor clínico Hugo Brancal.
Lisboa
Doroteia Bota é médica veterinária especialista em medicina interna no Hospital Veterinário do Restelo (HVR) e assinala como parasitas mais frequentes os “parasitas intestinais na origem de diarreias persistentes (Giardia spp., Toxocara spp., Trichuris spp., Dipilydium caninum …), parasitoses pulmonares (Angyostrongylus vasorum, Aelurostrongylus abstrusus, Dirofilaria immitis) e toxoplasmose (T. gondii)”.
Todas estas doenças merecem a atenção da equipa que trabalha no HVR.
“As parasitoses intestinais não se previnem da mesma forma que se tratam, nem se tratam todas da mesma forma. Alguns parasitas podem passar ao Homem (zoonose), alguns requerem vários dias de tratamento oral e, nos casos de diarreia crónica, devemos sistematicamente excluir a presença de uma parasitose intestinal, mesmo que o tutor refira que o animal está desparasitado”, explica Doroteia Bota.
No que respeita às parasitoses pulmonares transmitidas por moluscos, “como a Angiostrongylose no cão ou a Aelurostrongylose no gato, são muitas vezes esquecidas como diferenciais de tosse ou dificuldade respiratória, e ambas requerem tratamentos prolongados que, por vezes, podem ter complicações associadas”, sublinha a médica. São animais que podem necessitar de uma hospitalização durante o tratamento e podem até correr risco de vida.
“Por fim, [no caso da] toxoplasmose, sendo também uma zoonose, é muito importante informar corretamente os tutores, pois ainda há muitos mitos em relação a esta doença e muitos gatos a serem colocados em outras casas/abrigos com medo da doença, sobretudo quando há a existência de grávidas. Existem várias medidas preventivas que devem ser tidas em consideração e que reduzem o risco de exposição à doença”, alerta a médica do HVR.
Évora
Na região do Alentejo, e concretamente em equinos, área de excelência da empresa Equimuralha, os parasitas mais comuns são “as carraças (ectoparasitas), as quais são responsáveis pela transmissão de piroplasmose equina (causada por hemoparasitas), os Gastrophilus e os Ascarídeos (endoparasitas)”, conforme adianta a sócia-gerente Liliane Costa Damásio, médica veterinária de equinos, com especial interesse na área de reprodução equina.
No que respeita à expressão destas doenças na área clínica e ao nível do bem-estar e da saúde animal, a médica revela que “são relativamente sazonais” e que ainda é muito comum “o tratamento antiparasitário preventivo externo e interno realizado pelos proprietários, sem aconselhamento veterinário, o que conduz a resistências graves aos medicamentos, especialmente no caso dos endoparasitas, por tratamentos desnecessários numa frequência e doses erradas, e produtos incorretos. Parece um tratamento muito simples, na maioria dos casos, mas é de extrema importância realizar um exame clínico, e por vezes, exames complementares, para direcionar o tratamento, apenas se necessário”.
Algarve
Na região do sotavento algarvio, o médico veterinário da Vilavet e da Tavivet, Ivo Lima da Silva, e a sua equipa deparam-se com uma elevada incidência de dirofilariose canina. “A leishmaniose é também bastante frequente, mas devido a um trabalho continuado na prevenção, a sua incidência parece estar a diminuir. Os ectoparasitas são também constantes. Nos últimos anos, temos observado um aumento dos casos de trombiculose”, comenta.
Ambas as clínicas promovem a profilaxia, uma vez que os danos destas doenças para os animais são severos, podendo ter como consequências “a doença crónica na leishmaniose, lesões cardíacas na dirofilariose e anemias nos ectoparasitas”. Os riscos zoonóticos são expostos aos tutores pela equipa, o que leva muitas vezes à aceitação rápida das profilaxias, garante o médico.
Funchal e São Miguel
As ameaças da parasitologia também são uma preocupação na prática clínica na Madeira e dos Açores. Paulo Pacheco é diretor clínico na Clínica Veterinária de São Miguel (CVSM). A trabalhar no setor há 24 anos, continua a ver muitos animais a chegar à CVSM fortemente infestados, “e mesmo perante as evidências, há quem se negue a tratar o seu animal”. Nesta ilha, continuam a surgir muitos animais com Toxocara canis, a expulsar “muitos nemátodes após a desparasitação, confirmação da elevada infestação dos nossos animais e da utilização insuficiente dos desparasitantes existentes no mercado ao longo do ano”, diz. “Recebo muitos animais dos canis municipais que fazem trânsito na clínica e são raros os que não vêm contaminados com Giardia”, adianta.
As parasitoses e as suas causas — os parasitas —, a sua prevenção e tratamento adequado “continuam a ocupar uma grande parte do tempo e do rendimento da clínica, constituindo um lugar de primordial destaque e importância nas vendas, e alcançando o número um de vendas nos produtos vendidos”, assinala o diretor clínico.
Andreia Araújo, médica veterinária da Clínica Veterinária Santa Teresinha (CVST), no Funchal, aponta como parasitas mais comuns os Ctenocephalides, Dirofilaria immitis, Toxocara e Toxascaris. “Tendo em conta que muitas doenças parasitárias são zoonóticas, é fundamental continuarmos a apostar na prevenção das mesmas”, defende, sublinhando que as pessoas têm aderido à profilaxia, muito por responsabilidade da sensibilização regular dos médicos veterinários. “Ainda há relativamente pouco tempo, os tutores tinham noção da importância da desparasitação quando os seus animais já se encontravam parasitados, ignorando a prevenção”, explica.
Que futuro?
As doenças parasitárias terão tendência a aumentar, a estabilizar ou a diminuir nos próximos anos? E qual a posição de Portugal relativamente a outros países europeus? “O nosso País é dos que têm mais diversidade de parasitas, mesmo tendo em conta a nossa extensão geográfica. Portanto, há riscos relacionados com os parasitas e com as suas consequências. Felizmente, estão disponíveis em Portugal praticamente todas os meios antiparasitários. Diferenças para outros países, como por exemplo, Espanha, sul de França e Itália podem estar relacionadas com uma utilização menos frequente, em função do nosso menor poder de compra, em termos médios”, afirma Luís Cardoso, professor associado de Parasitologia e Doenças Parasitárias do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Carla Maia, diplomada pelo Colégio Europeu de Parasitologia Veterinária e especialista europeia reconhecida pela European Board of Veterinary Specialisation (EBVS), considera que Portugal tem uma performance idêntica à de outros países europeus “onde o movimento de animais domésticos é facilitado pela inexistência de controlo de fronteiras (espaço Schengen). A importação (i)legal de animais para os mais diversos fins, na ausência de controlo, representa, sem dúvida, uma ameaça”. André Pereira, doutorando em Ciências Biomédicas, Especialidade Parasitologia na UPM pelo IHMT-UNL, acrescenta que a introdução de novos agentes infeciosos no nosso País pode ainda constituir um desafio diagnóstico.
Quanto ao futuro, todos os cenários são possíveis, dependendo de inúmeros fatores. “Costumo dizer aos meus clientes que a maior parte das parasitoses sempre existiram e sempre existirão, pois apesar de todo o esforço feito por nós no aconselhamento, e pelos tutores ao seguirem esses conselhos, sem uma ação concertada entre todos, persistente e correta, ao longo da vida do animal, estes parasitas nunca serão eliminados na sua totalidade”, defende Paulo Pacheco. Com a correta formação e informação, o médico considera que a tendência futura será para a diminuição ao longo do tempo, ainda que não se prevejam “níveis considerados ótimos, pois haverá sempre quem não cumpra com os mínimos exigíveis, perpetuando uma situação que seria muito melhorada se todos juntos nos empenhássemos de forma mais eficaz”.
Doroteia Bota, é médica veterinária especialista em medicina interna no Hospital Veterinário do Restelo (HVR), antevê que algumas patologias diminuam em incidência, como a dirofilariose, muito por culpa dos tratamentos profiláticos que existem atualmente e o conhecimento cada vez maior da existência desta doença. “Todas as outras patologias existirão sempre, mas temos de nos lembrar delas e prescrever o tratamento mais indicado.”
Isabel Maia, diretora do Grupo HVV, não tem uma perspetiva tão positiva quanto ao futuro: “Os parasitas tenderão a aumentar muito fruto das alterações climáticas a que estamos a assistir (tenho verificado isso mesmo nos últimos anos, em particular, o aumento de infestações por carraças durante todo o ano — antes chegavam a desaparecer no inverno — e pulgas). No entanto, as doenças provocadas pelos parasitas tenderão a diminuir, uma vez que os cuidados preventivos serão cada vez melhores”, defende. Com consciência de que os desafios futuros são “enormes” e que a investigação não para, elogia o aparecimento e lançamento regular de novos produtos terapêuticos “cada vez mais completos, eficazes, muito seguros e acessíveis”. A opinião de Hugo Brancal é semelhante. “Serão patologias a ter em conta no futuro, pois irão certamente aumentar e, inclusivamente, surgir novas, sobretudo as patologias transmitidas por vetores que, pelas alterações climáticas, se adaptem à nossa região.”
Liliane Costa Damásio, médica veterinária de equinos, aponta a densidade populacional e o descontrolo na aplicação de antiparasitários de forma incorreta como relevantes para “a tendência crescente no aumento de parasitismo cada vez mais resistente aos produtos disponíveis no mercado”. Já Ivo Lima da Silva, médico veterinário da Vilavet e da Tavivet, refere que, “apesar das prevenções disponíveis no mercado, das recentes inovações em vacinações ou até das novas classes de ectoparasiticidas, como as isoxazolinas, a tendência será para existir uma maior pressão ambiental junto dos animais, devido às alterações climáticas. Os ciclos de vida dos vetores estão mais facilitados, e inclusivamente, foi recentemente noticiada a presença na região do Algarve da espécie de mosquitos transmissores da dengue”, destaca.
Sara Coelho, médica veterinária do Hospital Veterinário Montenegro (HVM), elogia o trabalho que tem sido feito pelos médicos veterinários, que desbravam terreno nesta área, e considera que as parasitoses irão aumentar caso surjam resistências aos antiparasitários disponíveis no mercado ou alguma tendência associada ao movimento contra a vacinação. “Portugal está longe de se assemelhar a alguns países no que diz respeito aos cuidados médico-veterinários e na forma como a população geral vê os seus animais de estimação, mas a ideia que retiro da minha prática clínica é que a vacinação e a desparasitação são bem aceites e realizadas, ainda que alguns donos possam não seguir à risca”, conclui.