Muitas vezes, os tutores ficam desiludidos com o comportamento dos seus animais de estimação. E o motivo desta frustração é, na minha opinião, porque os animais não são perfeitos. “Tanta pesquisa na melhor raça…” ou “deve-me ter saído o pior da ninhada…” ou até mesmo “é um rafeiro… não posso esperar mais” são o espelho da frustração de quem idealizou o cão perfeito, mas desiludidos com o comportamento. E, tendo em conta que os problemas comportamentais são uma das principais causas de abandono ou eutanásia, é fundamental a sua prevenção. Os enfermeiros veterinários têm um papel fundamental e a capacidade de a iniciar, logo no primeiro contacto do tutor com o CAMV. É importante sensibilizar o tutor para a ideia de que a escolha da raça “ideal” é aquela que possui um conjunto de características que se adequam ao estilo de vida do tutor. Porque quando questionam qual a raça que devem escolher e o enfermeiro veterinário dá a sua opinião, muitas vezes os tutores saem iludidos com a ideia de que vão adquirir o cão perfeito e que não têm que fazer mais nada. É importante referir ao tutor que qualquer animal, desde que devidamente sociabilizado e treinado, será um excelente companheiro.
Com os tutores apercebo-me que a principal causa dos problemas comportamentais têm origem na ausência ou tardia sociabilização, o que pode ser evitado com sociabilização precoce pois é importante para que o animal seja equilibrado e não desenvolva problemas comportamentais. Mas como podemos nós, enfermeiros veterinários, explicar ao tutor a importância da sociabilização, como e quando a devem fazer?
Primeiro devemos explicar o que é realmente a sociabilização e quando é que ela deve ocorrer. Jane Donaldson, no seu livro “Choque de culturas”, diz que a sociabilização é a habituação, o acostumar-se aos elementos ambientais. No caso dos cães, a janela de sociabilização termina entre 12 – 18 semanas. Segundo Ian Dunbar, termina aos três meses de idade. Portanto, com esta idade o cachorro já deve estar habituado a todo o tipo de pessoas (crianças, homens, mulheres, da família e estranhos), outros animais e ruídos normais do exterior. Mas aqui surge um dilema: Se uma correta sociabilização implica levá-lo a determinados locais para que seja exposto a estímulos e conviva com outros animais e pessoas, por outro lado o tutor é desaconselhado a levar o seu animal à rua enquanto o plano de vacinação termine (ou até ao 1º reforço da vacina pentavalente, geralmente, aos três meses). Aqui o papel do enfermeiro veterinário faz toda a diferença, não apenas na informação aos tutores, que é fundamental, mas na possibilidade de promover a oferta de ferramentas para uma correta sociabilização.
É crucial conseguir transmitir que o período de vacinação coincide com uma fase importante e sensível do desenvolvimento do animal: a sociabilização. E se por um lado é fundamental proteger a saúde, por outro lado privá-lo da sociabilização irá contribuir para que seja um cão instável e pouco equilibrado, que poderá desenvolver problemas comportamentais.
Apesar de os danos de uma pobre sociabilização surgirem mais tarde, em adulto, muitas vezes estes danos são irreparáveis! Devemos aconselhar a iniciar um plano de sociabilização o mais cedo possível, mas sempre de forma a nunca colocar em risco a saúde. Devem ser aconselhadas aulas de sociabilização, as ditas Puppy Classes, em centros especializados ou até, se existirem profissionais formados para tal, nos próprios CAMV. Neste tipo de aulas, a segurança para a saúde é assegurada no estabelecimento de regras de vacinação e desparasitação. Assim poderão ser expostos a múltiplos estímulos e ser dessensibilizados a variadíssimas situações, sem risco para a sua saúde. Nas Puppy Classes, os tutores aprendem como fazer algum enriquecimento ambiental e até começar a treinar alguns comandos básicos. Os enfermeiros veterinários podem organizar Puppy Classes no CAMV, reunindo turmas de cachorros com idades aproximadas. Esta será também uma boa forma de criar laços de confiança com os nossos pacientes e com os tutores.
Os tutores podem levar os animais à rua, ao colo, para que estes se habituem à presença de pessoas estranhas, aos sons do exterior e, por exemplo, a andar de carro; parques para cães são, nesta fase, desaconselhados e também deve ser evitado o contacto com fezes de outros animais. No entanto, Ian Dunbar sugere que podemos encorajar a socialização com outros cães, com a respetiva vacinação em dia. Se este processo não acontecer, o animal corre sérios riscos de adquirir problemas comportamentais, o que pode culminar em abandono ou eutanásia, em casos que o animal represente um perigo para a sociedade. Cada tutor é responsável pelo seu animal, mas cabe-nos a nós, enfermeiros veterinários, informar corretamente o tutor para que este crie as condições ideais e possa fazer as melhores opções.