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Torres Pet: Confiança, espírito de equipa e foco nas emoções

É com orgulho que se refere às pessoas com quem trabalha na clínica que abriu há dez anos. Clara Ferreira defende uma prática clínica baseada nas emoções e no espírito de grupo da equipa. Com um crescimento assinalável ao longo dos anos e obras de reestruturação e melhoria recentes, os projetos para o futuro apontam para instalações maiores, além da aposta contínua em formação e mais e melhores serviços ao cuidado dos clientes.

Fundada há uma década, a Torres Pet, em Torres Novas, pela médica veterinária Clara Ferreira e pela enfermeira Cláudia Neves pauta-se pela proximidade com o cliente e pela valorização da equipa. Trabalhou em dois CAMV depois de terminar o curso, mas rapidamente percebeu que não se identificava com o ambiente e a forma de exercer veterinária. “Comecei a procurar opções à minha volta. Já tinha perto de 30 anos, era casada, queria ter filhos e não queria trabalhar muito longe da zona de residência.” Foi quando percebeu que a maioria das clínicas ao redor “funcionavam ainda de uma forma muito antiga” e que não havia nenhum sítio que trabalhasse como acreditava. “Nenhuma das clínicas onde trabalhei servia o cliente como eu acharia que o deveriam fazer. Na altura, não havia tanto essa preocupação.”

 

Passados três anos desde esta inquietação, resolveu arranjar a solução para aquilo que tanto procurava e optou por avançar para a Torres Pet, perto de casa, em plena época de crise económica. Não foram tempos fáceis, mas convidou para sócia a enfermeira Cláudia Neves, com quem já tinha trabalhado e que também estava numa situação semelhante em que desejava mudar. “Começámos só as duas, fazíamos tudo, optámos por investir na estrutura e realizar obras de melhoria. Nos primeiros seis meses, não recebemos ordenado”, recorda.

A clínica abriu ao público em dezembro de 2011 e os primeiros tempos foram “particularmente desafiantes”. Clara acabou por enfrentar alguns problemas numa fase que coincidiu com o ser mãe e com o facto de a sócia ter estado no estrangeiro a acompanhar o marido que tinha ido trabalhar para fora. “Acabei por acumular as funções de veterinária, de gestora e de diretora sem ter qualquer noção do que é gerir uma empresa.” O stresse acumulado e algumas incompatibilidades com a equipa à época levaram-na a chegar a um estado de burnout. “Foi há seis anos. Cheguei a um ponto em que decidi que não era aquilo que queria para a minha vida. Tinha perfeita noção do que não funcionaria, formei uma equipa nova, a minha sócia regressou e passei a ter mais formação na área de liderança, gestão e estratégia empresarial.”

 

Deixar a prática clínica para se dedicar totalmente à gestão não foi uma transição pacífica, mas Clara fala do passado e dos maus momentos como decisivos para o rumo que acabou por encontrar para a Torres Pet. Para trás, ficaram várias pós-graduações na área de medicina veterinária, às quais se juntam atualmente muitas outras formações em áreas ligadas ao coaching e gestão. “Tenho também duas empresas de consultoria a trabalhar connosco, em que a palavra final é minha.” Foi feito o convite de sociedade ao médico veterinário Ricardo Dias que se juntou às duas sócias e passou a assumir o cargo de diretor clínico. “Passaram-se dois anos entre o aprender a delegar, aceitar que não iriam fazer da mesma forma que eu faria e as questões que me iam surgindo sobre o investimento que tinha feito no curso e nas pós-graduações que tirei ao longo dos anos.”

Médico veterinário Ricardo Dias em consulta

Depois dos primeiros tempos de incerteza, a empresa ganhou outro rumo e tem crescido muito nos últimos anos. “No ano passado crescemos 26% e este ano estamos a crescer 36%. Ou seja, crescemos mais do que 50% em dois anos, o que é significativo. A nossa equipa duplicou, éramos cinco pessoas e agora somos dez”, explica Clara Ferreira.

 

“No ano passado crescemos 26% e este ano estamos a crescer 36%. Ou seja, mais do que 50% em dois anos, o que é significativo. A nossa equipa duplicou, éramos cinco pessoas e agora somos dez”, partilha a médica veterinária Clara Ferreira

Nada funciona sem uma boa equipa

Além de Clara Ferreira, a clínica conta com dois médicos veterinários séniores (à qual se juntará uma médica veterinária a ser contratada no próximo mês), duas médicas veterinárias em estágio profissional, três enfermeiras e duas auxiliares, sendo uma delas, a rececionista da clínica. Uma das frases que está exposta no CAMV reflete bem a forma como a sócia fundadora vê a equipa: “Uma família sempre ao seu lado”.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Catarina Silva (auxiliar), Catarina Lopes (auxiliar), Francisca Luz (médica veterinária), Rita Oliveira (enfermeira veterinária), Ana Rosa (médica veterinária), Carolina Gonçalves (enfermeira veterinária), Ricardo Dias (diretor clínico), Clara Ferreira (médica veterinária e sócia gerente), Claudia Neves (enfermeira veterinária e sócia gerente), Susie Marques (médica veterinária)

 

No ano passado, houve a necessidade de alugar a loja ao lado e de fazer obras de ampliação das instalações para dar resposta ao crescimento e à procura. “Começámos a obra dois dias antes de fechar tudo devido à pandemia”, conta. E as diferenças são notórias: “Passámos de dois para três consultórios, aumentámos a zona dos internamentos – geral e de infetocontagiosas – e passámos a ter também o internamento de gatos. Temos agora dois postos de tosquias, criámos um espaço para os profissionais, aumentámos a sala de cirurgia e uma zona de preparação de medicação que não tínhamos antes.” Existem também consultórios para cães e gatos e a crescente preocupação de cuidar das espécies em separado. “Nas obras que fizemos, dividimos a receção e os consultórios. Estamos a preparar o internamento de gatos que vai ter jaulas próprias cat friendly e o cuidado com os felinos é uma preocupação presente diariamente que gostaríamos de ir aperfeiçoando.”

A pandemia trouxe muitos desafios ao nível de recursos humanos e que Clara Ferreira considera terem sido ultrapassados devido “ao espírito de equipa” que parabeniza por ter sido “exemplar”. No primeiro confinamento, foi necessário trabalhar “em espelho”, o que acabou por ajudar os profissionais com filhos que tinham de coordenar as exigências familiares com as profissionais. “Tivemos de dar apoio psicológico uns aos outros sobretudo pela incerteza que se vivia durante essa fase.”

“Tivemos de dar apoio psicológico uns aos outros [durante os períodos de confinamento] sobretudo pela incerteza que se vivia durante essa fase.”

 

Poucos dias antes do segundo confinamento, vários colaboradores ficaram em isolamento profilático na mesma altura, incluindo dois médicos veterinários. “Contei com o apoio incansável de uma médica veterinária que assegurou todo o trabalho e foi preciso reduzir o horário e os pacientes que atendíamos. Já trabalhávamos por marcação de consultas e assim mantivemos.” Depois deste período mais intenso, a médica em questão “teve direito a alguns dias de folga e a uma recompensa monetária”. Neste momento, o horário já é mais alargado: de 2ª a 6ª feira, das 9h00 às 20h00 durante a semana e, aos sábados, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00. Fora desse horário, há atendimento de urgências. Quando questionamos a fundadora da Torres Pet sobre o aumento da procura do CAMV devido ao teletrabalho, a opinião vai no sentido de que “houve um efeito social na pandemia que levou a que as pessoas começassem a repensar as suas prioridades e a procura de serviços médico-veterinários passou a ganhar outro destaque.”

Os clientes recebem SMS para confirmação de agendamento de consultas e outros avisos importantes a lembrar que está na altura de o animal de companhia realizar desparasitação, vacinação, entre outros. “Tudo isto está automatizado, esta é uma das funcionalidades que as pessoas mais nos agradecem e que nos ajuda a evitar as faltas de comparência às consultas.”

Mesmo com a realização de obras recentes, a estrutura já vai estando saturada para dar resposta a toda a procura, daí que já esteja em cima da mesa a proposta de mudança e o investimento em instalações próprias sem recurso a aluguer, como acontece atualmente. “Encontrar um terreno com as características que queremos para construir e a um preço que possamos suportar não é tarefa fácil. O imobiliário está extremamente caro e apesar de ser uma pessoa que gosta de ideias novas, tenho os pés bem assentes na terra”, afirma Clara Ferreira. Por isso, projetos para o futuro terão sempre de ser ponderados e sustentados.

Este ano, a casuística tem sido sobretudo composta por casos de parvovirose. “Temos muita leishmaniose que é típica desta zona. Recebemos ainda muitos casos de insuficiência renal dos gatos e dermatites nos buldogues e nos labradores.”

Confiar e partilhar os mesmos valores

“É preciso criar empatia com o cliente para que ele coopere. Confesso que este ano falhámos um pouco no melhor serviço ao cliente devido ao aumento de trabalho, mas gosto muito de apostar na relação de confiança, principalmente nas primeiras consultas”, explica Clara Ferreira que tem em consideração permanente o estado emocional da equipa. “O dia-a-dia de um médico ou de um enfermeiro veterinário é extremamente exigente e o espírito de equipa ajuda a diminuir esta carga mais pesada.” Depois de ter passado por um burnout, passou a perceber o que vale a pena e garante que só estará à frente deste projeto enquanto se sentir bem. De igual modo, os serviços vão sendo adaptados às pessoas que trabalham na Torres Pet, o que origina um processo de recrutamento diferente do habitual. “Costumo dizer que não posso escolher um profissional pelo currículo, mas sim pelos seus valores e defendo que há uma pessoa certa para cada sítio. Às vezes, o sítio certo para determinado candidato que não esteja alinhado com o que quero implementar não é aqui.”

“Costumo dizer que não posso escolher um profissional pelo currículo, mas sim pelos seus valores e defendo que há uma pessoa certa para cada sítio” – Clara Ferreira, sócia fundadora

Por outro lado, quando contrata uma pessoa não a procura especificamente para ocupar determinado serviço. Funciona mais ao contrário. “Tento criar serviços à medida das pessoas que trabalham na clínica e que correspondam à sua área de interesse. Por exemplo, estávamos a desenvolver um serviço de ecocardio mas entretanto a colega saiu e vamos ter de repensar a ideia.” Por enquanto, alguns médicos veterinários dedicados a diversas áreas dão resposta aos casos clínicos em regime de prestação de serviços, como é o caso de Rui Máximo, na cardiologia, e Catarina Teves Costa, na ortopedia.

A Torres Pet está equipada com raio-X digital, ecógrafo, realiza análises clínicas, eletrocardiograma, cirurgias dentárias e também de tecidos moles. Sempre que surjam questões mais complexas, a clínica referencia os casos para a VetOeiras, o Hospital Veterinário do Restelo ou para médicos dedicados a determinadas áreas, como é o caso de João Ribeiro, na área de neurologia. “Temos domicílios porque no contexto da zona onde nos inserimos muitos clientes acabam por nos pedir para nos deslocarmos a suas casas. A aposta nas tosquias tem-nos acompanhado desde o início, é um serviço muito procurado e temos sempre a agenda cheia”, explica Clara Ferreira.

A presença nas redes sociais é muito focada para a questão das emoções. “Esta é uma vertente sobre a qual tenho vindo a estudar. A primeira decisão do cliente é emocional e só depois racional. Podemos ser excelentes médicos, mas se o cliente não confiar em nós, não fará o que aconselhamos ou sugerimos.”

Aposta na formação

A pandemia veio abrandar a aposta na formação, mas é uma prioridade a ser retomada no próximo ano. Alguns elementos da equipa estão a tirar pós-graduações e outros cursos atualmente, mas Clara Ferreira crítica o facto de “a oferta formativa ser muito instável ao longo do tempo. Não é fácil encontrar uma formação específica em determinadas áreas.”

A Torres Pet também recebe alunos de veterinária com regularidade. “Recebemos muitos estagiários para o cargo de enfermeiros e auxiliares, mas também temos o objetivo de receber alunos de medicina veterinária. “E, se até ao momento, têm sido os alunos a candidatarem-se, Clara Ferreira está a tentar articular com as universidades para fazer protocolos. “Gostamos muito de ensinar e sabemos que, na maioria dos locais, não é dada a atenção que os estagiários precisam.” E, neste caso em concreto, a equipa gosta de os incentivar a “pôr a mão na massa. As queixas que mais ouvimos dos alunos quando saem faculdade é que têm todo o conhecimento, mas pouca experiência na prática. Por isso, aqui na Torres Pet, estão connosco para aprender, mas sobretudo para fazer”. Quando gostam de algum estagiário em particular, há a hipótese de contratar, garante a responsável.

Considerando que, por vezes, há muito extremismo na classe, Clara Ferreira considera que “é preciso entender o mercado e andar a par com o que o mesmo pede”. No que respeita à descredibilização da profissão ao longo dos últimos anos, defende que a classe nem sempre trabalha os preços que cobra, o que origina a perda de oportunidade para oferecer melhores condições de trabalho e melhores ordenados. “Houve também uma deseducação da população relativamente às expetativas do que se espera do médico veterinário, o que é transversal a outras áreas profissionais. A população em geral está à espera de tudo para ontem, da maneira que quer, como quer e ao preço que quer e nós fomos um pouco atrás disto.” Como tal, é preciso começar a valorizar mais os profissionais e o trabalho do setor, o que passa por “educar os clientes”.

Para o futuro, os sócios da Torres Vet pretendem vir a trabalhar em instalações mais espaçosas, continuar a apostar na formação de profissionais e aumentar ou melhorar os serviços que presta. “Uma das questões que está em cima da mesa é abrir uma outra pequena unidade, um consultório para dar apoio a esta clínica. Servimos uma área geográfica bastante grande e ter um consultório na periferia é um projeto que gostaríamos de desenvolver”, conclui Clara Ferreira.

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 154 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de novembro de 2021.

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