Começando pelo facto de que todos iremos morrer, sabemos que o envelhecimento é um processo universal, conduzindo a um aumento da morbilidade e mortalidade ao longo do tempo.1 A forma como a idade afeta o risco de morte pauta-se por uma enorme similaridade em todas as espécies animais. O risco de morte é tipicamente elevado imediatamente após o nascimento, decresce para o mínimo na juventude e depois começa a subir estavelmente, subindo por fim de forma exponencial. Nos humanos, após os 30 anos de idade, o risco de morte duplica a cada 7-8 anos. Esta associação toma uma forma similar nos cães, contudo há diferenças significativas relativamente às causas de mortalidade.1
Nos anos 50, Peter Medawar e George Williams descreveram pragmaticamente a inevitabilidade do envelhecimento numa teoria evolucionista: se uma mutação germinativa reduz a datação física numa fase precoce da vida, a seleção natural tenderá a eliminar essa mutação, mas se o mesmo ocorrer mais tardiamente, a seleção tornar-se-á relativamente ineficaz nesse aspeto. Ao longo do tempo, estas mutações deletérias tardias acumulam-se, pelo que as populações tenderão a ser portadoras de várias variantes, conduzindo à senescência e ao declínio. Além dos padrões demográficos, observam-se também consequências patofisiológicas do envelhecimento que são similares ao longo do reino animal, incluindo encurtamento dos telómeros, disfunção mitocondrial, perda da capacidade de manter a estrutura das proteínas, entre outras. Já a nível molecular, foram identificadas diversas vias que, quando alteradas através da ação farmacológica, dieta ou engenharia genética, podem conduzir a um aumento da longevidade em diversos organismos, incluindo leveduras, nematodes, moscas da fruta e ratos. 1 Adicionalmente, as diferenças interindividuais devem-se a diferenças no genótipo e no meio ambiente a que estes indivíduos são expostos desde a conceção. Em suma, aplicando conhecimentos de genética quantitativa, sabemos que numa população, a variação que observamos para cada um destas características ou fenótipos se deve à soma das variações genéticas e ambientais, bem como à interação de ambas.1
Há uma grande variação genética, quer em cães, quer em humanos, mas são observadas muitas similaridades na doença, assim como a existência de um meio ambiente partilhado, tendo os primeiros uma longevidade muito mais reduzida.1 Algumas doenças como o cancro são causas de mortalidade relativamente frequentes em ambas as espécies, aumentando com a idade. Já as doenças cardiovasculares, aumentam estavelmente tornando-se a maior causa de mortalidade em humanos, enquanto em cães parece ser rara e independente da idade.1 Complementarmente ao ponto assente de que todos adoecemos e padecemos, os animais de companhia oferecem benefícios físicos e emocionais ao ser humano, além de constituírem também a nossa primeira experiencia direta e íntima do envelhecimento.1 Como será descrito adiante, a interação entre ambas as espécies pode afetar resultados em saúde de forma bidirecional, o que também reforça a importância de uma abordagem One Health.2
O envelhecimento canino
Similarmente aos humanos, os cães têm diversas alterações associadas à idade, traduzidas por aumentos na prevalência de várias formas de neoplasias, doença renal, patologia neurodegenerativa e declínio cognitivo, sarcopenia, diabetes e obesidade, doenças oculares e cataratas, anomalias cardíacas e osteoartrite.3
À medida que os tutores envelhecem, os cães podem ser importantes para manter conexões sociais com terceiros, saúde cardiovascular, mobilidade e mesmo função cognitiva.
Os cães mostram a maior variabilidade entre os mamíferos no que concerne ao envelhecimento, considerando morfologia, comportamento e padrões de morbilidade e mortalidade. Só o tamanho, intimamente associado à esperança média de vida, pode diferir em mais de 50 vezes.1 Adicionalmente, cães de raça mista têm uma longevidade superior aos cães de raça pura em cerca de 1.2 anos e, por sua vez, obviamente algumas raças puras de cães têm maior predisposição para doenças específicas relacionadas com o envelhecimento do que outras. Ao longo da seleção de características especificas, inadvertidamente também são selecionados loci com efeitos deletérios, sendo ainda a transmissão de alelos recessivos em cães de pura raça facilitada pelo inbreeding.3,4 Nos cães, o tamanho é influenciado por vários genes, especialmente o Insulin Growth Factor-1 (IGF1): cães de porte grande e gigante geralmente são portadores do alelo IGF1 ancestral, enquanto raças de pequeno porte geralmente têm duas cópias de um alelo mutado. O próprio IG1 está também associado à longevidade em estudos laboratoriais e em algumas populações humanas, o que pode sugerir que as raças de maior porte possam ter uma maior longevidade devido ao alelo de que estes animais são portadores, mas ainda assim não se pode estabelecer uma associação causal. 1
O aumento da idade em cães conduz a uma redução da mobilidade, alterações de diversos comportamentos, perda de função cognitiva associada à idade, de forma similar ao que sucede em humanos, declínio da função fisiológica, e aumento da morbilidade e mortalidade. Sabe-se de estudos laboratoriais que a restrição dietética pode aumentar a longevidade e, efetivamente, um estudo realizado numa colónia de 48 Labrador Retrievers sugeriu que a mesma conclusão possa ser extrapolada para cães, tendo-se observado um aumento em cerca de 1.8 anos nos animais submetidos a uma restrição dietética (25% de menor ingestão dietética em comparação com o grupo de controlo), ocorrendo também um desenvolvimento mais tardio de osteoartrite.5,6 O aumento de massa gorda associado a um aumento da resistência à insulina tem um papel ao nível da longevidade e do desenvolvimento de doenças crónicas, mas também se sugere um envolvimento importante da microbiota intestinal. 5,6 A obesidade encontra-se associada a complicações de osteoartite em cães, mas também tem impacto na qualidade de vida geral, sendo necessários mais estudos para melhor esclarecer o impacto na obesidade noutras situações. Por outro lado, embora o exercício físico se associe a uma diminuição do risco de obesidade, não se encontra demonstrada a sua associação a um aumento da longevidade.1
Cães e o envelhecimento humano
Sabe-se que cerca de 20-30% da variação na esperança media de vida em humanos é devida a fatores genéticos, mas os fatores ambientais têm um enorme impacto. É assim importante avaliar que genes e fatores ambientais têm o maior contributo para a longevidade e características associadas ao envelhecimento.1
Adultos idosos que tenham contacto com cães podem também reportar menores níveis de solidão e melhoria da saúde mental, dependendo estes resultados de outros fatores individuais.
Em humanos, a esperança média de vida está a aumentar em várias partes do globo. O envelhecimento saudável define-se pela Organização Mundial de Saúde como o processo de desenvolver e manter a capacidade funcional que permita o bem-estar na idade avançada, sendo portanto extremamente importante a sua promoção. 1
Além da longevidade (do inglês lifespan), é importante compreender o conceito de tempo de vida saudável (healthspan) no contexto do envelhecimento, aplicável a ambas as espécies.1
Estudos longitudinais demonstraram o benefício do exercício físico na redução do risco de mortalidade em humanos.1 À medida que os tutores envelhecem, os cães podem ser importantes para manter conexões sociais com terceiros, saúde cardiovascular, mobilidade e mesmo função cognitiva. Os benefícios de cães de companhia no envelhecimento humano reportam-se a vários níveis.1 Em termos de saúde física e mobilidade, o passeio de cães está associado a uma maior frequência de exercício físico moderado e vigoroso, menor Índice de Massa Corporal (IMC), menos limitações nas atividades de vida diária e menos idas a consultas médicas.1 Adicionalmente, a American Heart Association reforça o papel que a tutoria de canídeos pode ter na redução do risco de desenvolvimento de doença cardiovascular: um estudo determinou que o risco de morte cardiovascular após um enfarte agudo do miocárdio é 26% mais reduzido em donos de cães, relativamente a indivíduos que não tenham cães de companhia; e a presença de animais de companhia está associada a menor pressão arterial em doentes idosos com hipertensão. Adultos idosos que tenham contacto com cães podem também reportar menores níveis de solidão e melhoria da saúde mental, dependendo estes resultados de outros fatores individuais. Também indivíduos com demência demonstraram uma diminuição significativa da agitação e um aumento na interação social aquando da visita de um animal de companhia.1
O impacto de cuidar de um animal de companhia idoso pode ser desafiante, especialmente para tutores de idade mais avançada, pelo que o envelhecimento saudável dos cães pode melhorar a sua própria qualidade de vida, bem como a do seu tutor. 1
Desafios e oportunidades
Os cães de idade mais avançada poderão ter necessidades e custos adicionais.1 Ao contrário do que sucede na medicina humana, em Portugal coloca-se a problemática da falta de centros veterinários especializados em geriatria, a qual é uma realidade distante.1,7 Embora os tutores e os veterinários consigam reconhecer estar perante um cão idoso, bem como as patologias associadas à idade, não existe um conhecimento profundo em determinados aspetos da geriatria animal, sendo interessante determinar fatores que influenciem riscos associados à idade, parâmetros de diagnóstico e tratamentos específicos que possam ser mais adequados em cães idosos e, eventualmente, formas de aumentar a longevidade.3 Para já, é importante apostar na medicina preventiva e tornar o tutor um elemento chave do processo, assim como aumentar a especialização em geriatria e cuidados paliativos de fim de vida.7
Referências:
- McCune S, Promislow D. Healthy, Active Aging for People and Dogs. Front Vet Sci. 2021;8:655191. doi:10.3389/FVETS.2021.655191
- Ministros da saúde do G20 reafirmam importância da abordagem ‘One Health.’ Accessed December 27, 2021. https://www.veterinaria-atual.pt/na-pratica/ministros-da-saude-do-g20-reafirmam-importancia-da-abordagem-one-health/
- Kaeberlein M, Creevy KE, Promislow DEL. The Dog Aging Project: Translational Geroscience in Companion Animals. Mamm Genome. 2016;27(7-8):279. doi:10.1007/S00335-016-9638-7
- Yordy J, Kraus C, Hayward JJ, et al. Body size, inbreeding, and lifespan in domestic dogs. Conserv Genet. 2020;21(1):137-148. doi:10.1007/S10592-019-01240-X
- Kealy RD, Lawler DF, Ballam JM, et al. Effects of diet restriction on life span and age-related changes in dogs. J Am Vet Med Assoc. 2002;220(9):1315-1320. doi:10.2460/JAVMA.2002.220.1315
- Lawler DF, Larson BT, Ballam JM, et al. Diet restriction and ageing in the dog: major observations over two decades. Br J Nutr. 2008;99(4):793-805. doi:10.1017/S0007114507871686
- Centros de geriatria em Portugal? Accessed December 27, 2021. https://www.veterinaria-atual.pt/na-clinica/centros-de-geriatria-em-portugal/