Como médica veterinária da área de comportamento animal, tenho muitas vezes em consulta animais que apresentam medos e fobias diversas.
Os tutores descrevem-nos como “assustados”, “medrosos”, com “traumas”, com “medo da própria sombra”, entre outras coisas.
Alguns tutores têm o sentimento de que o seu animal está em sofrimento e pedem ajuda. Mas será assim tão importante?
Para que possa entender o que poderá estar a viver, diariamente, e uma vida inteira, o seu melhor amigo, vou pedir ao leitor que faça um exercício simples, que consiste em pensar em situações, objetos, coisas, entre outros, que lhe provoquem muito desconforto, ou em algo que o assuste.
Existem medos universais, situações em que a maioria de nós entraria em pânico e existem também estímulos/cenários perfeitamente normais para muitos, mas completamente aterradores para uma minoria.
Vou exemplificar com um dos meus maiores medos: as aranhas! Como diria o meu marido, “É o bicho grande a ter medo do pequeno”, mas quem, como eu, sofre do mesmo, perceberá o que estou a dizer!
O que me vai valendo é que não as vejo frequentemente e, obviamente, se me deparar com teias em algum sítio irei evitar passar por perto. Assim sendo, o meu dia a dia está seguro, não ando com o coração nas mãos, em casa ou pela cidade, a achar que posso estar em perigo.
Algumas fobias, no entanto, são muito mais incapacitantes: uma amiga minha tem medo de pássaros. Todos eles, quer sejam grandes, pequenos, um simples pardal, uma pomba ou gaivota… Estar com ela numa esplanada ou a passear nas ruas do Porto pode transformar-se num passeio épico. Estes encontros são momentos de stresse, de ansiedade, de pânico, em que, mediante a distância que a separa do ou dos pássaros, ela irá fugir, gesticular ou pedir ajuda, ficando imóvel. Sempre alerta, consegue vê-los em todo o lado, mesmo quando mais ninguém os vê. O mais engraçado é que ela não percebe a minha fobia das aranhas e eu não percebo a dela dos pássaros.
Para quem não tem fobias, pode ser difícil imaginar o conceito. Para contextualizar, visualize um cenário apocalíptico em que as ruas são invadidas por assassinos em série, extraterrestres, zombies ou qualquer outra personagem saída de um filme de terror. Agora, imagine ver-se obrigado, ainda assim, a sair à rua.
Voltando ao que interessa: os nossos animais
Para eles, existe uma agravante: não precisam de se cruzar com os estímulos que os assustam, porque têm um olfato tão apurado que conseguem cheirá-los no quarteirão seguinte ou até nos mais distantes. Têm de lidar diariamente com os seus medos sem terem qualquer alternativa de fuga, de escape. As aranhas, pássaros, gafanhotos, cobras, centopeias, abelhas, palhaços, bonecas de porcelana — fobias confessadas dos meus alunos do 5.º ano de medicina veterinária — passam a persegui-los uma vida inteira, na rua ou em casa.
Para alguns cães, a casa só é segura se estiverem acompanhados, caso contrário irão manifestar comportamentos de grande aflição, como vocalizações e destruições, fazendo os possíveis para fugir de tal sítio. Tudo como se estivessem numa casa assombrada com barulhos, sombras e vultos constantes à volta.
Eis um resumo do que pode sentir o seu cão todos os dias. Estas emoções negativas constantes provocam, inevitavelmente, um estado de ansiedade extremo. As fobias são diversas, desde barulhos, pessoas, bicicletas, skates, patins, sacos do lixo, outros animais…
Cada animal irá responder à sua maneira. Uns tentarão fugir, outros irão tremer ou salivar, querendo esconder-se atrás de quem os possa salvar, e outros, mais valentes, enfrentarão o terror, defendendo-se para que “aquilo” — seja lá o que for que os ameaça —, desapareça.
Para ajudá-los a superar, várias técnicas podem ser postas em prática, mas uma é fundamental: não castigar!
Mesmo que o comportamento dele esteja a desesperá-lo, não perca paciência porque o que ele menos precisa é de associar um castigo a algo que considera assustador. Temos de tentar arranjar uma “moeda de troca” suficientemente valiosa para que possa distrair-se.
No meu caso, se cada vez que eu visse aranhas encontrasse, ao mesmo tempo, uma nota de 50 euros, estaria bem contente por vê-las com frequência… OK, desde que estivesse a uma distância razoável e não fosse uma tarântula.
Para o seu cão, a “moeda de troca” poderá ser um petisco delicioso, um brinquedo preferido, qualquer coisa valiosa que possa fazê-lo esquecer-se, nem que seja inicialmente e por segundos, que algo de muito mau está por perto.
Existem várias ferramentas extra para ajudá-los, mas os psicofármacos são uma escolha incontornável para baixar os níveis de ansiedade e ajudá-lo a aceitar o desafio “da moeda de troca”. A boa notícia é que podemos ajudá-los a superar ou a sentirem-se, pelo menos, mais confortáveis.
Afinal, a vida deles não tem de ser um pesadelo infinito ou um Halloween constante.
*Médica veterinária diplomada pelas Écoles Nationales Vétérinaires Françaises em medicina do comportamento, responsável pelas consultas de medicina do comportamento em vários CAMV no grande Porto e pelas consultas de comportamento na Lusófona (ULHT). Membro da PSIanimal e da Ânimas.
** Texto publicado originalmente na edição n.º 133 da VETERINÁRIA ATUAL.