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Linfoma de alto grau no cão: Diagnóstico e tratamento

Introdução

O linfoma é a neoplasia hematopoiética mais frequente no cão. A sua incidência não é conhecida, mas estima-se que afeta entre 13 a 114 por 100.000 animais em risco. É uma doença de animais adultos ou séniores, normalmente entre os 8 e 12 anos, mas que pode desenvolver-se em animais jovens. A sua etiologia é multifatorial, embora estejam descritos fatores de risco epidemiológico, como a exposição a lixo urbano, a presença de doenças imuno-mediadas, exposição a radiação electromagnética ou alterações genéticas ou moleculares específicas. Em termos de raça, as que apresentam um risco maior de desenvolver linfoma, são os Golden Retrievier, Rotweiller ou os Labradores Retriever.

A forma multicêntrica constitui cerca de 80% dos casos. As formas extranodais mais comuns são, por ordem decrescente de frequência, a digestiva, mediastínica e cutânea.

 

Relativamente à sua agressividade clínica, os linfomas podem classificar-se em: 1) alto grau, normalmente com respostas piores à terapêutica e evolução rápida, ou 2) baixo grau, também designados de indolentes, de evolução clínica longa, prognóstico favorável e sem necessariamente haver necessidade de instaurar terapêutica citotóxica.

Os linfomas de alto grau mais comuns no cão são: Linfoma B Difuso de Células Grandes, com cerca de 40-60% dos casos e o Linfoma T Periférico, que constitui cerca de 16% dos casos.

Diagnóstico
 

Um exame clínico completo associado a uma boa história clínica são fundamentais para orientar o diagnóstico e considerar os possíveis diagnósticos diferenciais. A apresentação clínica, sendo sobretudo multicêntrica, pode ou não estar associada a apresentações extra nodais (Figura 1). Ao exame clínico, a palpação abdominal pode orientar para uma suspeita de infiltração hepática e/ou esplénica. O exame ocular detalhado pode pôr em evidência manifestações de extensão ocular. Ao exame clínico deve, ainda, ser analisado o estado nutricional e de hidratação do animal, a presença de alterações respiratórias, assim como uma identificação e medição do diâmetro das lesões alvo.

Figura 1. Síndrome cava secundário a extensão de linfoma ao mediastino. Note-se o grave edema da face e membros anteriores. (Foto original)

É importante, durante a história clínica, obter informações sobre doenças anteriores, nomeadamente transmitidas por vetores. Num estudo recente, realizado em Espanha, cerca de 19 % dos animais com adenomegalia estavam infetados por agentes transmitidos por vetores.

Hematologia e Bioquímica
 

É fundamental começar pela realização de um perfil hemato-bioquímico geral, constituído por hemograma, com visualização do esfregaço na presença de anomalias na contagem celular. A nível de parâmetros bioquímicos é indicada a medição da atividade das enzimas hepáticas ALT, Fosfatase Alcalina e dos níveis plasmáticos de Ureia, Creatinina, Proteínas totais, Albumina, e Glucose. Mesmo na ausência de poliúria/polidipsia é recomendada a determinação dos níveis séricos de cálcio ionizado para excluir, uma eventual hipercalcemia.

Na presença de valores de creatinina e/ou ureia aumentados e/ou animais com poliúria/polidipsia, deve ser realizada uma análise de urina tipo II. Na presença de proteinúria, a determinação do ratio proteína/creatinina urinário é fundamental para um acompanhamento da proteinúria e estadiamento da doença renal, sobretudo porque alguns dos agentes utilizados são nefrotóxicos.

Biópsia vs Citologia
 

Ambas as técnicas têm vantagens e desvantagens. A citologia aspirativa pode ser utilizada para numa primeira abordagem. Esta tem uma sensibilidade e especificidade perto de 90% no diagnóstico do linfoma, mas perde precisão quando é utilizada para subclassificar os tipos de linfoma.

A biopsia é o standard-of-care para o diagnóstico e classificação do linfoma. Deve evitar-se a obtenção de amostras de gânglios localizados em zonas reativas. Pessoalmente, para obter material diagnóstico prefiro um gânglio poplíteo ou axilar. O procedimento é fácil e rápido. As complicações mais frequentes são deiscência dos fios de sutura ou dermatite local.

A histologia permite obter informações sobre a morfologia, importante para diferenciar certos tipos de linfoma, como o Linfoma do Manto em fase progressiva de um Linfoma da Zona T. Assim, permite classificar os linfomas segundo o esquema da Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta classificação tem fator de prognóstico importante. Através da biópsia, podemos ainda, obter material para diagnóstico complementar como a imunohistoquímica, a determinação da clonalidade ou a purificação de antigénio para imunoterapia (ver terapêutica).

A técnica de Recção em Cadeia da Polimerase para determinar a clonalidade dos recetores T e B dos linfócitos (PARR), pode ser executada quer em material de citologia quer de biopsia, mesmo após o processamento laboratorial (coloração na citologia ou inclusão em parafina).

Alguns laboratórios oferecem, ainda, a possibilidade de realizar imunocitoquímica para marcadores de linhagem sobre os esfregaços enviados.

Citometria de fluxo

Esta técnica laboratorial utiliza a combinação de informações sobre o tamanho e complexidade celulares, associadas ao padrão de marcação com anticorpos específicos de linhagem para identificar a população celular presente no gânglio, órgão ou sangue circulante. Considero uma ferramenta extremamente útil no diagnóstico, estadiamento e acompanhamento de resposta à terapêutica.

A citometria de fluxo oferece, de forma rápida (no mesmo dia), o imunofenótipo do linfoma. É mais rápida que a imunohistoquímica, permite determinar a invasão do sangue/medula pelas células tumorais (estádio V) e calcular a doença residual mínima no fim da quimioterapia (Figura 2).

Figura 2. Foto de relatório de citometria de fluxo (original). O fluxograma mostra uma população linfóide CD3 positiva (80%) e CD21,CD34 negativa (a verde), permitindo o diagnóstico de linfoma T.

Estadiamento

A justificação para realizar o estadiamento dos animais com linfoma (Tabela 1) prende-se com o seu valor prognóstico. Além disso, no processo de estadiamento podemos identificar o envolvimento de determinados órgãos (rins, sistema nervoso central, ….) permitindo fazer ajustes à terapêutica, escolhendo os fármacos adequados. Como exemplo temos a utilização de Citarabina ou Lomustina para passar a barreira hemato-encefálica, em caso de infiltração do SNC.

Em termos de exames complementares de diagnóstico, a radiografia torácica permite identificar infiltração das estruturas linfóides no mediastino ou a presença de derrame pleural. A ecografia abdominal permite, não só avaliar a extensão da doença ao nível abdominal, como a realização de citologia ecoguiada do fígado e baço para confirmar a sua infiltração e determinar presença de estádio IV.

A biopsia de medula óssea permanece controversa e não é obrigatória em termos de consenso internacional. Para avaliar a presença de infiltração do sangue circulante ou medula óssea podemos utilizar a citometria de fluxo. Esta técnica permite, igualmente, saber, no final do tratamento, qual a quantidade de doença mínima residual (percentagem de linfócitos neoplásicos no órgão alvo, como sangue ou gânglio) e, com base nessa informação, poder tomar decisões de continuar ou parar o tratamento.

De uma forma resumida, o estadiamento é realizado com as informações obtidas no exame clínico, radiografia torácica, ecografia abdominal, perfil analítico e citologia de fígado/baço. A análise por citometria de fluxo do sangue periférico e dos órgãos afetados pelo linfoma permite confirmar a extensão e estádio da doença, assim como o fenótipo do linfoma. Na citometria de fluxo são, ainda, avaliados determinados fatores de prognóstico como o nível de expressão do Complexo de Histocompatibilidade Principal II (MHCII), expressão aberrante ou ausência de marcadores de linhagem (co-expressão de CD21 e CD5, ausência de expressão de CD4/CD8 nos linfomas T CD3 positivos, …) ou diferenciar linfoma de leucemia através da expressão de marcadores de maturação como o CD34.

Terapêutica de primeira linha

São vários os protocolos publicados para o tratamento do linfoma. Infelizmente, a maior parte dos estudos publicados em Medicina Veterinária baseiam-se em populações pequenas, não são randomizados e os critérios de inclusão são muito heterogéneos.

A escolha do tratamento deve ter em conta o estádio e substádio do tumor, a presença de doenças concomitantes, o score clínico do cão e a decisão informada do tutor sobre o prognóstico, custo financeiro, o tempo envolvido e possíveis efeitos secundários da terapêutica.

Deve, ainda, ser salvaguardada a experiência do clínico e instalações de segurança para a manipulação e administração dos medicamentos citotóxicos, assim como, a gestão dos efeitos secundários ou complicações terapêuticas.

Os protocolos derivados do CHOP (combinação de Ciclofosfamida, Doxorubicina, Vincristina e Prednisolona) apresentam os melhores resultados para a maioria dos linfomas de alto grau, com taxas de resposta superiores a 90% e sobrevida média de cerca de 1 ano.

No caso particular dos linfomas T, o protocolo rico em agentes alquilantes LOPP (Lomustina, Vincristina, Procarbazina e Prednisolona) mostra uma taxa de sobrevida ligeiramente superior ao CHOP, sendo atualmente a minha escolha para primeira linha de tratamento dos linfomas T de alto grau (Tabela 2).

No caso particular dos linfomas B, e só para eles, a quimio-imunoterapia com vacina autóloga de um isolado de proteínas de choque térmico (APAVAC®), quando associada à quimioterapia, demonstrou aumentar significativamente a sobrevida.

Terapêutica de Resgate

Infelizmente, mais cedo ou mais tarde o linfoma acaba por voltar, devendo ser considerada uma terapêutica de reindução da remissão, ou seja, uma terapêutica de segunda (se o tumor saiu de remissão durante a quimioterapia) ou terceira linha. Se a recidiva aconteceu durante o tratamento, deve ser usado um esquema de quimioterapia diferente. Se, ao contrário, a terapêutica levou a uma remissão completa e essa permaneceu após terminar o protocolo, o mesmo protocolo pode ser considerado para induzir nova remissão. Normalmente, a segunda remissão é mais curta que a primeira. Não é raro os tutores querem um protocolo menos intenso que o CHOP como segunda opção; nesse caso, pessoalmente, sugiro um protocolo com Lomustina + Prednisolona, se a Lomustina não fez parte do tratamento de primeira linha.

Na minha experiência, a utilização de terapêutica de resgate agressiva não traz vantagens clínicas. Estes animais estão já hipertratados com protocolos de primeira ou segunda linhas, apresentam um estado fisiológico fraco e a utilização de protocolos de combinação diminui francamente a sua qualidade de vida e o benefício de sobrevivência adquirido é discutível.

Prognóstico

São vários os fatores de prognóstico descritos para o linfoma de alto grau. Dos mais importantes e validados encontra-se o tipo de linfoma (classificação OMS), o estádio e substádio ou a presença de anemia. Existem ainda outros indicadores de prognóstico, que servem para orientar e estratificar os doentes em maior risco, como a hipercalcémia ou os rácios leucocitários como o neutrófilo/linfócitos ou plaquetas/neutrófilo.

Conclusão

O linfoma de alto grau multicêntrico é a manifestação clínica mais comum nos cães. O diagnóstico definitivo, consistindo numa caracterização imunofenotípica do tumor é fundamental. Este diagnóstico pode ser realizado rapidamente, através de técnicas laboratoriais como a citometria de fluxo ou a imunocitoquímica. O estadiamento é fundamental para obtenção de informação prognóstica e adaptação terapêutica, se necessário.

A maioria dos cães obtém uma resposta clínica, cuja duração é dependente do tipo de linfoma e do tratamento utilizado.

Os protocolos de re-indução de remissão devem ser considerados em função da resposta ao protocolo de primeira linha, do estado fisiológico do animal e tendo em conta o benefício clínico /qualidade de vida.

Antes do tratamento é importante discutir com o tutor sobre os fatores de prognóstico presentes, resultados esperados e toxicidade associada ao tratamento.

Por vezes, a referenciação permite acesso a terapêutica e métodos de estadiamento mais avançados, com benefícios clínicos para o cão e otimização da comunicação veterinário-cliente.

Bibliografia
  1. Vail, D., Pinkerton, M., Young K. Withrow and MacEwen’s Small Animal Clinical Oncology. 6th ed. (Vail, David M,Thamm Douglas LJ, ed.). Elsevier; 2020. doi:10.1016/C2009-0-53135-2
  2. Brown PM, Tzannes S, Nguyen S, White J, Langova V. LOPP chemotherapy as a first-line treatment for dogs with T-cell lymphoma. Vet Comp Oncol. 2018;16(1):108-113. doi:10.1111/vco.12318

*Joaquim Henriques, MV, PhD

Centre Hospitalier Vétérinaire Frégis, França

Consultor  Oncologia OnevetGroup

oncovet@gmail.com

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 159 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de abril de 2021.

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