Uma equipa de investigadores portugueses descobriu assimetrias regionais na distribuição geográfica das assinaturas moleculares da bactéria Mycobacterium bovis, responsável pela tuberculose animal em bovinos. O estudo “Long-term molecular surveillance provides clues on a cattle origin for Mycobacterium bovis in Portugal” foi publicado, recentemente, na revista Scientific Reports.
A tuberculose animal, causada sobretudo pela bactéria Mycobacterium bovis, é uma doença infeciosa crónica de progressão lenta (pode evoluir para um quadro altamente contagioso), que afeta, principalmente, bovinos, infetando também várias espécies de vida selvagem em todo o mundo, o que dificulta o seu controlo e erradicação. Além disso, pode transmitir-se ao ser humano, sendo reportados novos casos todos os anos.
De acordo com o estudo, “esta doença tem graves consequências para o bem-estar animal, para a produtividade e para o comércio das espécies de produção, afetando também a biodiversidade, visto que ameaça global ou localmente os serviços do ecossistema”.
A prevalência da doença em Portugal, atualmente, é baixa, no entanto, “existem diferenças regionais significativas, o que tem sido associado à transmissão alargada entre espécies selvagens, que se encontram em elevadas densidades nalgumas regiões, perpetuando a circulação do agente patogénico”, pode ler-se na nota publicada pelo Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.
Os investigadores detetaram dois hotspots da doença em Portugal: um na vila de Barrancos, em Beja, e outro na freguesia de Rosmaninhal, em Castelo Branco. Os hotspots foram associados a períodos temporais distintos e apresentam diferentes valores estimados de risco relativo para a doença, consoante a espécie hospedeira.
“Os nossos resultados reforçam também, de forma quantitativa e com evidências moleculares, o papel que a transmissão do agente da doença entre espécies pecuárias e a fauna selvagem exerce na circulação de Mycobacterium bovis e, consequentemente, no aumento da prevalência da tuberculose animal em algumas regiões”, refere Mónica Cunha, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais e coordenadora do estudo.
Os investigadores caracterizaram do ponto de vista genético a bactéria M. bovis obtida através de amostras de mais de 900 bovinos, veados e javalis infetados com tuberculose animal, entre 2002 e 2016. As amostras eram provenientes de Beja, Portalegre e Castelo Branco – distritos incluídos na zona epidemiológica de risco para esta doença em Portugal continental.
“Verificámos que as populações mais ancestrais de Mycobacterium bovis circulam em bovinos e na região de Beja, o que é relevante para compreender a evolução da tuberculose animal em Portugal. Além disso, em populações de Castelo Branco e Portalegre detetamos isolados de M. bovis que exibem um padrão de expansão clonal, indicando que existem algumas estirpes que se encontram melhor adaptadas a este cenário multi-hospedeiro”, acrescenta Ana Reis, primeira autora do estudo e investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.
Estes resultados abrem precedentes para uma investigação mais profunda, ao evidenciarem o contributo que algumas espécies específicas de hospedeiros exercem nalgumas regiões e indicando que a localização geográfica é mais determinante para a prevalência desta bactéria do que a espécie hospedeira. Esta informação pode ser útil no planeamento de medidas de controle ajustadas a cada cenário epidemiológico.